Pé na praia: O textinho e o protestão
1 de fevereiro de 2017Na semana passada perdi muito em popularidade. Escrevi nesta colunasobre meus problemas no aprendizado da língua portuguesa. Ela é difícil, para nós alemães, porque os vocábulos e a gramática são muito diferentes – e por trás de cada língua sempre se escondem características culturais. Primeiro você tem que descobri-las. Comentei como achava difícil o emprego do diminutivo no Brasil. Afinal, como é que um simples alemão pode entender isso: uma forma gramatical que deveria expressar a pequenez das coisas também ser utilizada em casos em que estas coisas são, na verdade, gigantescas? Linguicinhas de 1 metro de comprimento? Cervejinhas em forma de balde? Joãozinhos de 100 quilos?
Entretanto, a melhor solução para o meu problema linguístico não seria tomar aulas, escreveu um leitor do Rio. "Volta pra casa meu irmão", comentou o designer gráfico Ronaldo Occy na página da DW Brasil no Facebook. "Pegue seu passaporteZINHO e volte para o seu país", concordou um outro leitor, Renato Alexandre. O que foi? Por que este protestão sobre o meu textinho?
Esta coluna "só revela o quanto o autor é limitado", explicou o leitor Fernando Lisbôa a atmosfera hostil entre os comentaristas. "Alemão chato e sem senso de humor", julgou Carlos Henrique Guião Coelho, um colega jornalista de Florianópolis. "O "nazistazinho é idiota????", perguntou o Eddie Figueiredo, um jurista em São Paulo. Outros me mandaram novos vocábulos, cujo significado vou procurar no dicionário: "Chupa, bobinho!" (Leandro Cabral). "Foda-se gringo!" (Angelo Rlb). "Linguistazinho chulé!" (Thaise Freitas, que, segundo seu perfil, estuda letras).
Fui procurar ajuda. À noite bati na porta de Ivana Bentes, professora de comunicação na UFRJ, em Copacabana. Bentes é uma autoridade em questões sobre a cultura digital no Brasil, já escreveu vários artigos e livros sobre o assunto. "Antigamente as pessoas falavam sobre 15 minutos de fama – e hoje em dia o que se tem são 15 minutos de linchamento para cada um", ela disse ao me cumprimentar, rindo muito, e nos sentamos em uma mesa na sua sala de jantar. Ela leu o texto da minha coluna. Achou "curto, afetivo e simpático" – bem, até o ponto em que digo que o português cheio de diminutivos soa como uma leitura de um livro infantil. Nesse momento, Ivana torceu o nariz.
"Tanto faz o que se publica – sempre virá o momento em que se terá uma onda de ódio", explicou para mim. Houve um acirramento do discurso na internet brasileira nos últimos anos. Lá, protegidas pelo anonimato, as pessoas dizem coisas que nunca diriam pessoalmente, sobretudo contra mulheres, negros, gays, ciganos e indígenas. Em alguns casos é para ser resolvido em juízo. A professora me contou que, com frequência, até mesmo ela seria difamada na internet ("vadia!") e também ameaçada ("tem que morrer!").
Mas, sinceramente: não achei os xingamentos de meus leitores na DW tão ruins assim. Outros leitores até mesmo defenderam minha coluna – gostei. O propósito de meu encontro com a professora Ivana foi justamente entender por que esse tema tão inofensivo despertou tamanha reação. Aprender sobre a cultura brasileira faz parte de meu trabalho como correspondente.
"Hoje em dia há uma grande rejeição dentro da classe média brasileira contra aqueles que entram em suas esferas", especulou Ivana Bentes. O invasor poderia ser um pobre, por exemplo, que vivia antes em outros bairros – invisível. Agora ele estaria presente nos mesmos restaurantes e clubes. No boom de crescimento econômico da virada do milênio e através da política social do FHC e do Lula, 30 milhões de pessoas de meios pobres emergiram socialmente. Através disso, segundo a opinião de Ivana, surgiram disputas por status e espaço, com muito ódio e violência verbal. Antigos clichês dos brasileiros sobre si mesmos – o "brasileiro cordial", livre de racismo, sentando na praia em harmonia com todas as classes, – seriam coisa do passado.
Mas, professora, – isso tudo dá mesmo para explicar uma onda de protesto contra um artigo sobre o diminutivo?
"O invasor também pode ser um gringo", acredita Ivana. Os Jogos Olímpicos talvez tenham sido o começo de uma nova xenofobia. Muitos brasileiros ficaram com a impressão de que megaeventos eram feitos só para estrangeiros e de que sobrou pouco para os brasileiros (também acho isso). Na época os estrangeiros visitantes até comentaram sobre os alojamentos ruins do atletas, sobre a insegurança nas ruas, um jornalista do New York Times chegou até mesmo a criticar os biscoitos Globo. "No Brasil muitas pessoas pensam que todo mundo fala mal da gente em outros países. E estamos vivendo um momento de autoestima especialmente baixa – recessão, escândalos de corrupção, uma crise política". Muitos brasileiros estariam em uma "Bad Trip".
Achei isso tudo um pouco pessimista. Não é verdade que todo mundo ache o Brasil ruim no exterior: ouço muito respeito por esse país com potencial de tornar-se potência mundial e que é 24 vezes maior que a Alemanha. Admira-se a cultura brasileira, o sucesso econômico das últimas décadas, o progresso social. No momento, o Brasil não é o único país do mundo com problemas econômicos e oscilações sociais. Além disso, pessoalmente, – nas ruas, em festas, à noite na Lapa ou durante o dia no banquinho da minha lanchonete na Rua Barata Ribeiro – não me deparo com ninguém hostil. Fora da internet eu encontro com frequência o "brasileiro cordial".
Mesmo assim acredito em Ivana Bentes. Passei a ver com outros olhos o que a leitora Mercedes Les escreveu: "O diminutivo é nosso! Respeite!". Será que ela entendeu que estava criticando o Brasil porque tinha problemas com minha aprendizagem do "brasileirismo"? O leitor Tiago Nagel também se queixou sobre essa "matéria de um alemão ironizando nossa cultura". "Ele no fundo tem é inveja", analisou Rosani Muniz. "Diferenças entre idioma rico e um idioma pobre", disse Danilo Toniolo, contra-atacando a língua alemã. Por fim, Juninho Mendes perguntou, talvez sem nunca ter lido o livro de João Ubaldo Ribeiro sobre suas experiências em Berlin: "Vamos ver se um brasileiro escrevesse uma coluna dessas lá na terra deles, qual seria a reação?" Li o livro de João Ubaldo Ribeiro há muito tempo e o achei divertidíssimo, um espelho da minha própria cultura.
Ao me despedir da cordial Ivana Bentes, voltamos ao assunto do escândalo com o New York Times e o biscoito Globo. "Tanta repercussão por causa de uma bobagem!", eu disse. A professora reagiu com um olhar amargo. "Não gosto muito de biscoitos Globo", disse. "Mas quando esse artigo foi publicado, escrevi algo a respeito. Fiquei contra isso. Não achei legal esse estrangeiro falar mal do nosso querido biscoito!"
Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão Die Zeit na América do Sul. Em sua coluna Pé na Praia, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos – no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.