Pai e filha que brincavam durante bombardeios deixam Síria
27 de fevereiro de 2020
Abdulla Mohammed e a pequena Salwa, de 3 anos, ficaram famosos em vídeo em que riem juntos, em tática para ajudar menina a superar o medo das bombas. Eles foram retirados do país com ajuda do governo da Turquia.
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Abdulla Mohammed, sírio de 32 anos que ficou famoso ao gravar um vídeo em que aparece brincando com a filha Salwa, de 3 anos, para distraí-la durante bombardeios na província de Idlib, no norte da Síria, conseguiu deixar o país com a menina.
Imagens divulgadas pela imprensa da Turquia mostram os dois atravessando a fronteira e brincando na província turca de Hatay. O jornal El País informa que, após a repercussão causada pelo vídeo, Abdulla conseguiu ser ajudado a deixar a Síria por intermédio do governo da Turquia.
"As autoridades turcas entraram em contato comigo e nos levaram para a Turquia", disse Mohammed à agência de notícias oficial turca Anadolu, que acompanhou a família através da passagem fronteiriça. Pai e filha estão a salvo em Reyhanli, localidade de turca a cerca de dez quilômetros da fronteira, onde se reuniram a parentes que já estavam morando em território turco.
Mohammed e Salwa se tornaram celebridades da noite para o dia, depois que o vídeo em que o pai brinca com a filha durante bombardeios foi divulgado nas mídias sociais. Nas imagens, a menina solta gargalhadas após cada estrondo de bomba. Mohammed conta que a tática era para ajudar a criança superar o medo dos bombardeios.
Pai transforma bombardeios em jogo para distrair filha
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Salwa tem ouvido bombas toda sua vida. Quando bebê não tinha medo, mas isso mudou após seu primeiro aniversário. Um dia, durante um feriado muçulmano de três dias que marca o fim do mês sagrado do Ramadã, crianças brincavam com fogos de artifício quando e uma bomba maior explodiu nas proximidades.
"Ela ficou assustada, mas eu fui com ela para fora e mostrei que as crianças brincavam e riam. Então, ela se convenceu", lembrou Mohammed. Foi assim que ele teve a ideia de conectar o som das bombas com risadas e crianças brincando, e de se filmar rindo com ela durante bombardeios.
Na época em que o vídeo se tornou famoso, Mohammed disse à agência de notícias AP estar consciente de que as bombas de que eles riam podiam estar dando fim à vida de alguém naquele exato momento. "Talvez tenha atingido uma barraca ou uma criança, e isso não é engraçado, claro. Isso é muito triste. Mas estou rindo para que minha filha não seja afetada por isso. E se a bomba cair sobre nós, é melhor morrermos rindo do que morrermos assustados."
Quando as tropas do regime sírio avançavam sobre sua cidade, Saraqeb, há dois meses, Mohammed fugiu, levando a mulher e a filha mais para o norte, abrigando-se com a família numa casa numa casa abandonada oferecida por um amigo em Sarmada, a dez quilômetros da fronteira com a Turquia.
A província de Idlib, no noroeste da Síria, é o último reduto da oposição no país devastado pela guerra. É alvo desde o início dezembro de uma campanha militar feroz e bombardeio implacável por tropas do governo sírio, apoiadas por bombas aéreas da Rússia.
Mais de 900 mil civis estão desabrigados desde então, após deixarem suas casas. Muitos vivem em tendas, prédios abandonados, abrigos improvisados e em campos abertos perto da fronteira com a Turquia.
Famílias tentam fugir do conflito e são alvo de ataques indiscriminados de forças do governo e rebeldes em Idlib. Violência e deslocamento em massa podem resultar na maior catástrofe humanitária do século 21, diz ONU.
Foto: picture-alliance/AA/M. Said
Famílias fogem da província de Idlib
As tropas sírias intensificaram a luta pelo último grande enclave rebelde do país – um "prelúdio para sua derrota total", segundo o presidente Bashar al-Assad. Violência e deslocamento em massa podem resultar no maior horror humanitário do século 21, afirmou o diretor de ajuda humanitária da ONU, Mark Lowcock. As crianças, em particular, se tornaram o rosto desse sofrimento.
Foto: Getty Images/AFP/A. Watad
Maior êxodo desde a Segunda Guerra
Dos quase 900 mil forçados a deixar suas casas e abrigos nos últimos três meses, 80% eram mulheres e crianças, relatou um porta-voz da ONU. Cerca de 300 mil deles fugiram apenas desde o início de fevereiro. A onda de deslocamento é o maior êxodo de civis desde a Segunda Guerra Mundial.
Foto: picture-alliance/AA/M. Said
Temperaturas mortais
Com temperaturas atingindo 7 ºC negativos em campos de deslocados nas colinas perto da fronteira com a Turquia, sete crianças morreram devido às más condições de vida. A organização Save the Children afirma que as famílias queimam tudo o que encontram para se aquecer, e que o número de mortos pode aumentar.
Foto: picture-alliance/AA/H. Harrat
Esforços por cessar-fogo suspensos
Comboios turcos se dirigiram à antiga "zona de desescalada", enquanto forças sírias apoiadas pela Rússia intensificaram seus esforços para retomar a área no fim de janeiro. No início de fevereiro, após a morte de 13 soldados turcos estacionados no local para apoiar rebeldes, os esforços diplomáticos para intermediar um cessar-fogo foram sustados.
Foto: picture-alliance/AA/C. Genco
Rodovia para lugar nenhum
A ofensiva de Assad para retomar a estratégica rodovia M5, que passa pela província de Idlib e segue até a segunda maior cidade da Síria, Aleppo, tem sido um objetivo de longo prazo. Depois de bombardeios russos ajudarem as forças sírias a capturarem todas as cidades ao longo da rota em fevereiro, combates violentos no oeste de Aleppo forçaram mais de 43 mil a fugir em direção à fronteira turca.
Foto: picture-alliance/AA/M. Said
Ataques indiscriminados contra civis
O grande número de ataques russos e sírios contra campos de deslocados, hospitais e escolas "sugere que nem todos podem ser acidentais", disse Rupert Colville, porta-voz da ONU para direitos humanos. Seu escritório registrou 299 mortes de civis em 2020, 93% causadas pelo governo sírio e seus aliados. Michelle Bachelet, chefe de direitos humanos da ONU, chamou os ataques de "indiscriminados".
Foto: picture-alliance/AA/I. Dervis
Rebeldes atacam
Rebeldes apoiados pela Turquia foram capturados pela ofensiva, assim como os jihadistas que não são oficialmente apoiados por Ancara. Um grupo islâmico, Hayat Tahrir al-Sham, conseguiu uma rara vitória em meados de fevereiro, ao derrubar um modelo específico de helicóptero que as forças sírias supostamente usam para lançar bombas de barril sobre civis.
Foto: Getty Images/AFP/O. Haj Kadour
Busca por segurança
Michelle Bachelet observa que "nenhum abrigo está seguro agora" e que os campos de deslocados estão sobrecarregados pelo grande número dos que fogem da violência. Muitos deixaram os campos para tentar a vida fora. A chefe de direitos humanos da ONU pediu a criação de corredores humanitários para permitir aos civis escaparem.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Alkharboutli
Sem rota de fuga
A Turquia, que já abriga 3,5 milhões de refugiados, fechou suas fronteiras para impedir um novo afluxo de sírios. Isso deixa a população de Idlib sem ter uma rota de fuga. Mais de 500 mil dos deslocados são crianças.