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Palco de estudo da Pfizer, Toledo virou o jogo contra covid

Gustavo Basso de Toledo
30 de novembro de 2021

Única no Brasil a participar de estudo da farmacêutica, cidade paranaense conseguiu vacinar 100% dos adultos. Pesquisadores querem demonstrar benefícios da vacinação em massa em contexto de vida real.

Toledo, die durchgeimpfte Stadt in Brasilien
Foto: Gustavo Basso/DW

A técnica de enfermagem Claudete Gonçalves, que trabalha no pronto atendimento de referência para a covid-19 em Toledo, no oeste do Paraná, lembra com pesar das semanas de crise vividas no pico da pandemia.

"Teve dia em que cinco pacientes foram intubados. Foi um sufoco. No outro, nove foram intubados em um só dia. Em uma unidade que não é tão grande assim, é assustador. Foi assustador para nós", conta.

"Às vezes estávamos em uma sala fazendo uma intubação, e na sala ao lado recebíamos uma ligação de um colega que precisava de ajuda para preparar um corpo", lamenta.

Em julho deste ano, a unidade chegou à beira do colapso: com 24 pacientes mantidos sob ventilação mecânica em um espaço originalmente projetado para quatro, não havia mais entradas de oxigênio para instalação de um novo respirador.

"Naquela noite, tínhamos 200 pacientes na região aguardando um leito de UTI ou enfermaria, e tivemos de fechar as portas para gente de outras cidades, chegando muito próximo de perder um doente por falta de um tubo, de estrutura. É um momento em que você se sente muito pequeno", diz a secretária de Saúde da cidade, Gabriela Kucharski.

"Chegamos a intubar nove pacientes em um só dia. Foi assustador", relembra a técnica de enfermagem Claudete GonçalvesFoto: Gustavo Basso/DW

Desde então, Toledo passou do desespero à euforia. No final daquele mês, Kucharski e a prefeitura conseguiram fechar uma parceria com a farmacêutica americana Pfizer para a realização de um estudo envolvendo a vacinação de 100% da população maior de 12 anos em tempo recorde.

Entre 26 e 31 de agosto, a cidade de 140 mil habitantes recebeu, por meio do Ministério da Saúde e do Plano Nacional de Imunização, um adiantamento de doses do imunizante da Pfizer, o que permitiu vacinar 95% dos adolescentes até 18 anos, e chegar a novembro com 100% dos maiores de 18 anos tendo recebido ao menos a primeira dose ou dose única, e 75% com duas doses.

A cidade brasileira onde 100% da população recebeu Pfizer

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Como comparação, São Paulo, o estado brasileiro mais adiantado na campanha de vacinação, alcançou somente na última terça-feira (23/11) esse índice entre os adultos. Entre agosto e novembro, a capital paulista, no entanto, conseguiu alcançar e até superar os paranaenses. Atualmente, 100% dos adultos estão totalmente imunizados, e 43% dos adolescentes, de acordo com dados da prefeitura paulistana.

"O que a gente percebeu, e foi muito nítido, é que, com a vacinação dos adolescentes, a nossa média móvel de novos casos, que era de 90, caiu para dez. Se a gente tivesse vacinado de modo mais célere a nossa população, talvez aquela onda que tivemos em junho, que representou uma sobrecarga muito importante do sistema de saúde, talvez tivesse sido amenizada", comenta a secretária.

Demora do governo federal e suas consequências 

De acordo com as investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, a própria Pfizer propôs em agosto do ano passado o início da imunização ainda em dezembro de 2020, com o fornecimento inicial de 1,5 milhão de doses, seguidas de mais 3 milhões no primeiro trimestre deste ano. Mas o Ministério da Saúde brasileiro só firmou acordo com o laboratório em meados de março de 2021, quando a pandemia estava no auge.

A parceria com a Pfizer para a realização do estudo que acelerou a imunização em Toledo foi confirmada somente no fim de agosto.

Se tivesse chegado mais cedo, talvez a vacina pudesse ter evitado que Rosa Ghalli, moradora de Toledo, passasse 105 dias entre a vida e a morte.

"Quando eu testei positivo para covid-19, em maio, já era hora de tomar a vacina, porque eu tenho diabetes, mas não tive tempo de tomar nem mesmo a primeira dose, porque adoeci antes", lamenta a auxiliar de produção, de 45 anos.

"Arrependo-me muito de não ter ido um pouco mais cedo, porque acho que não teria passado pelo que passei, não teria feito tanta gente chorar por mim, porque muitas vezes os médicos não deram esperança à minha família, certo. É muito triste ouvir os áudios que os médicos enviaram", conta emocionada.

Toledo anunciou a parceria com a Pfizer em agosto, um mês depois de o sistema de saúde da cidade ter ficado à beira do colapsoFoto: Gustavo Basso/DW

Ghalli deixou a UTI na cidade vizinha de Rondon no dia 8 de setembro. Dois meses depois, ainda sem conseguir caminhar plenamente, ela foi autorizada a se vacinar. "Foi um alívio tão grande. Eu tenho muito medo dessa doença, e tem gente que não a leva a sério. Só quem passou por algo como o que passei sabe como é", diz.

Pouco após a imunização de Ghalli, a prefeitura iniciou um mutirão para a aplicação da segunda dose nos adolescentes que em agosto haviam recebido a primeira. Em menos de uma semana, foram alcançados 50% da população entre 12 e 17 anos, ou 5.671 jovens e adolescentes.

Entre eles, estava Ana Letícia Militão, de 13 anos, que comemorou o momento. "Minha classe inteira foi vacinada. Não conheço ninguém que não tenha sido vacinado. Alguns não tiveram nenhuma reação, outros tiveram muita, mas isso não impediu nada", conta.

Monitoramento de variantes

No dia 20 de novembro, Lucas Dejany, de 21 anos, deu entrada no pronto atendimento com sintomas de covid-19. Após ser diagnosticado como suspeito pela médica e ter solicitado o exame PCR para definição da contaminação, foi entrevistado por profissionais contratados pelo hospital gaúcho Moinho de Ventos para acompanhamento do estudo da Pfizer.

A porta de entrada do estudo, que é coordenado por pesquisadores do hospital de Porto Alegre - o único referência junto ao Ministério da Saúde localizado fora de São Paulo - são as consultas na rede pública.

Diagnosticado com covid-19, Lucas Dejany, de 21 anos, foi entrevistado por pesquisadores para o estudo da PfizerFoto: Gustavo Basso/DW

O médico intensivista Regis Goulart, um dos dois chefes do estudo, explica que a meta é observar sem interferência 1.500 casos de infectados para poder compreender três grandes questões: qual a eficácia das vacinas em um contexto de vida real, levando em conta que mais da metade das vacinas aplicadas em Toledo são de outros fabricantes; se estão surgindo novas variantes do Sars-CoV-2 e como elas reagem aos imunizantes; e quais sequelas apresentam pessoas que tiveram a doença - a chamada covid longa.

"O Brasil já teve mais de 20 milhões de pessoas infectadas com covid-19, segundo os dados mais atuais. Então se levarmos em consideração que a covid longa afeta cerca de 20% dos infectados, a gente estima aí em torno de 4 milhões de pessoas sofrendo com os sintomas prolongados da covid", explica Goulart.

Por que Toledo

Uma das razões para a escolha de Toledo, que concorreu com outras 11 cidades no Brasil para o estudo único entre os países em desenvolvimento, é a presença de um campus de medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que fará o sequenciamento genético dos vírus de cada um dos 1.500 doentes que serão avaliados em até dois anos. 

"Grande parte dos estudos que acabaram validando a vacina da Pfizer e outras vacinas foi realizada em contextos em que a variante delta não era predominante. Hoje temos um novo cenário, e existem poucos estudos avaliando a real efetividade das vacinas frente a esse cenário", avalia.

Segundo Goulart, a população em geral e gestores públicos devem ficar atentos aos resultados. "Talvez isso possa trazer para o mundo um grande exemplo de como a adesão à campanha de vacinação em massa pode trazer benefícios e impactos positivos para os nossos sistemas de saúde, mostrando até o custo efetivo disso."

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