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ConflitosIsrael

Palestinos buscam respostas nos escombros de Gaza

Tania Krämer
27 de maio de 2021

"Os 11 dias pareceram 11 anos": em meio ao luto, moradores do território palestino tentam retomar suas vidas após o cessar-fogo, ainda em estado de choque com a intensidade dos bombardeios de Israel.

Gaza depois dos bombardeios israelenses.
A rua Al Wehda, no bairro de Rimal, na cidade de Gaza, foi duramente atingida por ataques aéreos israelensesFoto: Tania Kraemer/DW

Tudo o que sobrou do que um dia foram prédios residenciais e lojas não passa agora de entulho, roupas rasgadas, pedaços de metal – e memórias de vidas perdidas. Adli al-Kolak lamenta a perda de seu irmão e de outros parentes numa tenda de luto que a família ergueu em frente aos escombros de sua casa destruída. Vinte e um membros de sua família foram mortos durante ataques aéreos israelenses nas primeiras horas de 16 de maio. Kolak mora logo ao lado.

"Eu não consigo descrever meus sentimentos muito bem", afirma. "É um misto de depressão, tristeza e medo. Não consigo entender direito o que aconteceu. Estou muito chocado. Em dois ou três minutos, o prédio estava completamente destruído, veio abaixo, e meus familiares se encontravam todos debaixo dos escombros." Ele afirma que ainda ouve gritos de ajuda de parentes, incluindo crianças, que ficaram presos sob os escombros. Apenas alguns conseguiram sair com vida. "O que um bebê de 6 meses tem a ver com isso?", pergunta. "Ele lançou foguetes contra Israel?"

Da noite para o dia, Adli al-Kolak perdeu 21 membros de sua família Foto: Tania Kraemer/DW

Em um prédio na rua Al Wehda, a casa da família Abu al-Ouf também foi atingida por um ataque aéreo. Anas perdeu a noiva, Shaima Abu al-Ouf, no bombardeio. "Conversamos por telefone durante o dia e também à noite, quando de repente houve esse barulho louco. A linha foi cortada. Mandei uma mensagem para ela, mas ela não respondeu", diz Anas. "Então soubemos que a área havia sido bombardeada." A busca e o resgate duraram mais de dez horas. Ele acabou a encontrando no necrotério.

"Quando a vi, ela tinha um sorriso no rosto", lembra Anas. "Sinto como uma punhalada em meu coração que se aprofunda cada vez mais. Mas agora ela está em um lugar melhor." Shaima foi morta ao lado de vários familiares, incluindo seu pai, Ayman, que era chefe de clínica médica do hospital Al Shifa, em Gaza. O médico também supervisionou o laboratório de coronavírus e a unidade de resposta à covid-19. "Quando precisarmos de algo, ainda temos aquele impulso de ligar para ele para pedir conselhos", conta o colega médico Khaled Khadoura, ao se preparar para seu turno na ala de coronavírus do hospital, acrescentando que a equipe ainda está em choque com a perda.

A morte de tantos civis nesta rua em particular levantou questões éticas sobre o bombardeio de edifícios residenciais.

Após a declaração de cessar-fogo, muitos moradores de Gaza buscaram alívio fora dos escombrosFoto: Tania Kraemer/DW

O conflito de 11 dias matou 248 palestinos. Dezenas deles eram militantes do Hamas, mas entre os mortos também havia pelo menos 66 crianças. Segundo as autoridades de saúde na Faixa de Gaza, mais de 1.900 pessoas ficaram feridas. Em Israel, 12 pessoas, incluindo um soldado e uma criança, foram mortas por foguetes disparados a partir de Gaza.

Enquanto algumas famílias choram por seus entes queridos, outras tentam retomar suas vidas, ainda em estado de choque com a intensidade dos ataques ao pequeno enclave. Poucas horas depois que o cessar-fogo foi anunciado na sexta-feira (21/05), as ruas de repente se encheram de pessoas atarefadas ou simplesmente caminhando pelos bairros para avaliar a extensão do acontecido. Para muitos, foi uma sensação de déjà-vu. Na última década, Gaza viu se desdobrarem três guerras e inúmeras escaladas militares mais curtas entre o Hamas e Israel. E, em meio à destruição generalizada, o grupo militante Hamas, que governa Gaza, reivindica vitória.

"Estou grato por não ter me ferido nesta guerra", diz Tareq Frangi. "Mas estou confuso: não sei se devo ficar feliz ou triste. É uma confusão total."

Outra transeunte, Susanne Abu Shaban, apoia o cessar-fogo, mas não acredita que algo necessariamente vai mudar e tampouco espera uma flexibilização do bloqueio a Gaza ou restrições de viagens. "Isso não vai melhorar nada", diz Abu Shaban. "Acho que muitas pessoas prefeririam deixar Gaza, se pudessem."

'Punição coletiva' de Gaza

O esforço de reconstrução levará tempo. De acordo com as Nações Unidas, mais de 750 unidades habitacionais ficaram inabitáveis, e várias centenas de residências e unidades comerciais foram parcialmente danificadas. Essa última rodada de combates deslocou mais de 70 mil pessoas de suas casas, embora a maioria já tenha retornado.

Cinquenta e três escolas e 11 clínicas de saúde primária foram prejudicadas, além dos sistemas de água, esgoto e energia. Tudo isso se soma a uma longa crise econômica marcada por um desemprego brutal e uma pobreza crescente.

O território se encontra sob um bloqueio imposto por Israel e Egito há quase 14 anos. Após o Hamas tomar o poder da Autoridade Palestina à força em 2007, Israel reforçou seu controle sobre a terra, o mar e o ar da Faixa de Gaza. Os residentes palestinos em Gaza chamam o bloqueio de "punição coletiva".

A importação de materiais de construção através da fronteira de Kerem Shalom com Israel deve permanecer tarefa complicada. Israel continuará proibindo a entrada em Gaza de artigos que descreve como materiais de dupla finalidade – bens que poderiam ser usados tanto para reconstrução como para propósitos militantes, como a construção de túneis.

Após a última grande guerra, em 2014, um mecanismo especial de reconstrução teve que ser criado por países doadores para ajudar a reconstruir Gaza. Isso permitiu que governos que consideram o Hamas uma organização terrorista contribuíssem para a reconstrução sem lidar diretamente com o grupo que domina Gaza.

A clínica da Médicos Sem Fronteiras foi atingida por um ataque aéreo israelense Foto: Tania Kraemer/DW

Esse esforço de reconstrução será "enorme", diz Mohamed Abu Mughaiseeb, coordenador da organização Médicos Sem Fronteiras. A unidade de esterilização da clínica de saúde do grupo e a área da sala de espera foram danificadas em um ataque aéreo contra outro prédio na mesma rua. "Mas também no âmbito da saúde mental", continua Abu Mughaiseeb. "Acho que os dois milhões de habitantes de Gaza sofrerão muitos problemas psicológicos nos próximos anos. A luta foi muito intensa. Os 11 dias pareceram 11 anos."

Na rua Al Wehda, o som distante de um gato gritando por socorro sob os escombros chama a atenção dos moradores. Mahmoud Shagalaih, que dirige um pequeno abrigo para gatos em Gaza, é chamado. Ele localiza o animal, ainda preso sob as pilhas de entulho. "Ele está vivo e com boa saúde", diz ele, no que constitui uma rara notícia boa naquele dia. "Vamos tirá-lo de lá de alguma forma – mas, mesmo para um pequeno gato, não há lugar seguro em Gaza."

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