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PolíticaVaticano

Papa é criticado por fala sobre "bandeira branca" na Ucrânia

10 de março de 2024

Francisco disse à emissora suíça que "quando as coisas não estão indo bem, é preciso ter coragem de negociar". Fala foi vista por Kiev como pedido de rendição. Vaticano argumenta tratar-se de apelo à solução diplomática.

Papa Francisco fala ao microfone
Após a divulgação de trechos da entrevista, a Ucrânia criticou a declaração de Francisco, prometendo nunca se render.Foto: Alessandra Tarantino/AP/dpa/picture alliance

O papa Francisco foi alvo de duras críticas após dizer que a Ucrânia deveria ter a coragem da "bandeira branca" e negociar o fim da guerra com a Rússia. 

O pontífice fez as declarações à emissora suíça RSI numa entrevista gravada no mês passado, mas parcialmente divulgada neste sábado (09/03).

A fala provocou críticas generalizadas por parte de Kiev e de aliados, já que muitos a interpretaram como um apelo à rendição da Ucrânia. O Vaticano prontamente se pronunciou, afirmando que a declaração do Papa invoca uma solução diplomática e que "negociar não é se render".

O que o pontífice disse?

De acordo com o Vaticano, na entrevista, que irá ao ar na íntegra no dia 20 de março, o entrevistador Lorenzo Buccella pergunta ao Papa: "Na Ucrânia, há aqueles que pedem coragem para se render, para mostrar a bandeira branca. Mas outros dizem que isso legitimaria os mais fortes. O que pensa sobre isso?".

E Francisco responde: 

"É uma interpretação. Mas creio que é mais forte quem vê a situação, quem pensa nas pessoas, quem tem a coragem da bandeira branca, para negociar. E hoje se pode negociar com a ajuda das potências internacionais. A palavra negociar é uma palavra corajosa. Quando você vê que está derrotado, que as coisas não estão indo bem, precisa ter a coragem de negociar".

Em seguida, o papa cita que há muitos países dispostos a mediar o conflito, como a Turquia. "Não tenham vergonha de negociar antes que a situação piore", disse.

Ministro promete "nunca se render"

Após a divulgação de trechos da entrevista, a Ucrânia criticou a declaração de Francisco, prometendo nunca render-se.

"Nossa bandeira é amarela e azul. Esta é a bandeira pela qual vivemos, morremos e prevalecemos. Nunca hastearemos nenhuma outra bandeira", disse o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, nas redes sociais.

Kuleba Agradeceu ao Papa por suas orações durante os dois anos de guerra e o convidou a visitar a Ucrânia.

O vice-ministro ucraniano do Interior, Anton Herashchenko, também se pronunciou: "parece estranho que o Papa não apele à defesa da Ucrânia, não condene a Rússia como um agressor que está a matar dezenas de milhares de pessoas". 

O coro foi reforçado pelo arquieparquia maior de Kiev, Sviatoslav Shevchuk, chefe da Igreja Greco-Católica Ucraniana, que disse neste domingo que os ucranianos não consideram a rendição uma possibilidade.

"A Ucrânia está ferida, mas invicta! A Ucrânia está exausta, mas resiste e resistirá. Acredite, nunca passou pela cabeça de ninguém render-se. Mesmo onde há combates hoje: ouça o nosso povo", destacou.

Apoio de aliados

Na Alemanha, a vice-presidente do Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão), Katrin Göring-Eckardt, disse à Editorial Network Germany (RND) que ninguém quer mais a paz do que a Ucrânia.

"É Vladimir Putin quem pode acabar com a guerra e o sofrimento imediatamente – e não a Ucrânia", disse, referindo-se ao presidente russo. 

O ministro das Relações Exteriores da Polônia, Radek Sikorski, seguiu a mesma linha: "que tal, para equilibrar, encorajar Putin a retirar o seu exército da Ucrânia? A paz aconteceria imediatamente sem a necessidade de negociações", escreveu no X, antigo Twitter.

De forma incomum na diplomacia alemã, o embaixador da Alemanha na Santa Sé se distanciou das declarações do Papa. 

"Rússia é o agressor e está violando o direito internacional! É por isso que a Alemanha está apelando a Moscou para parar a guerra, e não a Kiev", escreveu Bernhard Kotsch no X.

Vaticano tenta limitar danos

Após a divulgação de partes da entrevista, o Vaticano tentou limitar os danos provocados pela fala de Francisco. O porta-voz do Papa, Matteo Bruni, negou os relatos de que o Papa havia pedido à Ucrânia que se rendesse. Segundo Bruni, o papa queria "acima de tudo pedir um cessar-fogo e reavivar a coragem para negociar".

De acordo com o Vaticano, o Papa usou o termo bandeira branca e respondeu com a imagem proposta pelo entrevistador, "para indicar com ela a cessação das hostilidades, a trégua alcançada com a coragem da negociação". Em outra parte da entrevista, falando de outra situação de conflito, mas referindo-se a guerra, o Papa afirmou que "a negociação nunca é uma rendição".

O Vaticano também afirma que as palavras do Papa reiteram, entre outras coisas, o que já foi dito pelo pontítice ao longo dos últimos dois anos, desde que a Rússia invadiu a Ucrânia.

"O desejo do Papa é e continua sendo aquele que ele sempre repetiu nestes anos, e recentemente repetiu por ocasião do segundo aniversário do conflito: 'Ao tempo em que renovo o meu mais profundo afeto pelo povo ucraniano martirizado e rezo por todos, em particular pelas inúmeras vítimas inocentes, peço que se encontre um pouco de humanidade que permita criar as condições para uma solução diplomática na busca de uma paz justa e duradoura'", disse Bruni.

O jornalista suíço Lorenzo Buccella encontrou-se com o Papa no início de fevereiro. O tema principal da conversa era o significado da cor branca, a cor do bem, da luz, mas na qual a sujeira e as manchas também aparecem de forma particularmente clara. 

O que, na verdade, era uma entrevista filosófica rapidamente se transformou em uma entrevista política – inclusive sobre a guerra.

le (AP, DPA, KNA)

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