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"Papa Francisco sabe que revolução da mulher vai acontecer"

13 de março de 2018

Em cinco anos no cargo, pontífice rediscutiu maternidade, valorizou mulheres e colocou várias delas em cargos de alto escalão no Vaticano. Mas por enquanto questão da ordenação feminina deve ficar de lado, diz teóloga.

Papst Franziskus
Foto: picture-alliance/Catholic Press Photo

Há cinco anos era eleito o primeiro papa latino-americano, o argentino Jorge Bergoglio, que se tornou também o primeiro a receber o nome Francisco. Desde então, o pontífice sacudiu as estruturas da Igreja Católica, inclusive rediscutindo o papel da mulher.

Segundo a teóloga brasileira Maria Clara Bingemer, apesar de estar "amarrado" pela instrução de João Paulo 2° de que a mulher nunca poderia ser ordenada como padre, estrategicamente, Francisco "fez gestos e tomou decisões para tentar contornar isso".

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Em entrevista à DW Brasil, Bingemer autora de vários livros e professora titular da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro – fala também sobre a resistência à mulher na Igreja no Brasil e a revalorização da maternidade. 

"O papa Francisco  é uma pessoa que valoriza a mulher, que respeita a mulher, que considera a mulher", afirma. "Acredito que a revolução da mulher vai ocorrer no longo prazo, e acho que o papa sabe que isso vai acontecer um dia."

DW Brasil: Como mudou a situação da mulher na Igreja Católica desde o início do pontificado do papa Francisco, há cinco anos?

As mulheres sempre pontuaram a vida de Francisco, diz teóloga Maria Clara BingemerFoto: Maria Clara Bingemer

Maria Clara Bingemer: Desde o início, ouvi amigas e colegas feministas dizerem que estavam decepcionadas, pois esperavam que ele falasse mais sobre a questão da mulher. Ele disse: "Falta uma teologia da mulher." Porém, há várias teólogas feministas com uma obra importante e que acham que ele não tinha reconhecido essa obra.

Mas ele começou a falar sobre a mulher, sempre falando positivamente, falou que muita coisa que ele é na vida deve às mulheres; primeiro a avó, por quem ele tem um grande carinho, a avó Rosa; depois a vida dele foi salva por uma freira enfermeira, quando ele estava com um problema gravíssimo no pulmão e o médico lhe deu uma dose de antibióticos e a freira, quando viu que ele estava mal, triplicou a dose e foi isso que o salvou.

Depois ele teve uma colega química, que era inclusive comunista, mas muito amiga dele; quando ele fez psicanálise, ele fez com uma mulher judia. Então, as mulheres sempre pontuaram a vida dele e, em Buenos Aires, é sabido que ele tinha muitas amigas. Ele é uma pessoa que valoriza a mulher, que respeita a mulher, que considera a mulher.

DW Brasil: E quanto à questão da ordenação de mulheres?

Maria Clara Bingemer: Em relação aos ministérios, é muito complicado para ele, acredito. Porque ele está amarrado pela instrução de João Paulo 2°, que declarou que isso é dogma de fé e que, portanto, não se mexe nem se questiona que a mulher não pode ser ordenada. Então, como é que vai fazer? Ele vai revogar? É uma coisa difícil isso.

Mas, estrategicamente, ele fez gestos e tomou decisões para tentar contornar isso. Por exemplo, aumentou consideravelmente o número de mulheres em cargos importantes no Vaticano, algo que não havia antes.

A assessora de imprensa dele, Paloma Ovejero, é uma mulher leiga, jovem e bonita. Recentemente, ele acabou de nomear duas leigas [a professora Gabriella Gambino e a doutora Linda Ghisoni] para postos importantes na Cúria Romana.

DW Brasil: Por outro lado, uma ordenação de mulheres como "padres" não seria reproduzir um padrão antigo de Igreja que reflete uma sociedade machista?

Maria Clara Bingemer: Isso é dito por muitos padres. E isso é muito criticado pelas feministas. Porque elas acham que seria um artifício para excluir a mulher do acesso ao sacerdócio. Eles dizem: 'Não se deve reproduzir o modelo clerical, deve-se fazer outra coisa.'

Sempre o argumento da hierarquia é que se tem que inventar uma coisa nova, porque não se deve reproduzir o antigo. Mas isso, a meu ver, não tem muito fundamento. É um argumento mais de tradição: Jesus poderia ter feito e não fez, os apóstolos poderiam ter feito e não fizeram e, então, nós também não vamos fazer.

Papa Francisco em visita a prisão feminina em Santiago do ChileFoto: picture-alliance/dpa/L'Osservatore Romano

Agora, Jesus, por outro lado, fez uma revolução, porque admitia discípulas mulheres no seu grupo. Coisa que nenhum rabino da sua época admitia. Elas o seguiam desde Jerusalém, o Novo Testamento menciona várias. Ou assistiam com suas posses, ou seja, contribuíam para o sustento do movimento de Jesus e eram participantes do grupo, beneficiárias privilegiadas dos seus milagres e muito presentes.

Então, parece-me que o papa Francisco é herdeiro de toda essa tradição. Ele é eleito numa Igreja onde isso ainda está muito enraizado. É uma contradição, porque a Igreja Católica tem uma mulher que depois de Jesus Cristo é a figura mais importante, que é Maria.

DW Brasil: Há pouco o papa criou um novo feriado para louvar a Virgem Maria. Valorizando a maternidade, isso não poderia enquadrar a mulher nesse papel de mãe? Qual a posição do papa em relação ao aborto?

Maria Clara Bingemer: Parece-me que o discurso feminista radical – isso é criticado mesmo por feministas – meio que desvalorizou a maternidade. E parece-me que revalorizar a maternidade é uma coisa importante que o papa Francisco faz. Por outro lado, existe o risco de que isso contribua para a mulher agir só no privado, e não no público.

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Mas acho que a mulher já fez a entrada no espaço público, e isso não tem volta. Agora, ela tem que conjugar isso com a maternidade e o cuidado dos filhos. O que é preciso é tirar essa carga só dos ombros da mulher. A mesma coisa acontece com o aborto. Quando se fala nele é com condenação, mas só em relação à mulher. E o cara que fez o filho com ela? Ele também tem que estar envolvido nisso.

O papa tem trazido coisas muito bonitas sobre a questão do aborto. Ele disse que não se deve escorraçar da Igreja uma mulher que abortou e que está querendo participar da comunidade. E diz isso com um argumento muito inteligente: porque, fazendo isso, perdem-se ela e os filhos dela. Então é preciso acolhê-la e apoiá-la. Ele tem esse olhar da misericórdia, que é sempre muito importante.

Por um lado, existe o risco da valorização da maternidade, mas não acho que ele faça uma supervalorização quase idiota como outros faziam. Ele faz uma valorização inteligente, mostrando para mulher que a maternidade é um empoderamento muito importante. Só ela pode ser mãe, mais ninguém.

DW Brasil: No Brasil, há resistência em relação à mulher na Igreja?

Maria Clara Bingemer: É curioso, porque na América Latina e no Brasil, a Teologia da Libertação, que é uma teologia muito aberta, é uma teologia do político e que foi um avanço enorme para a Igreja na região. Essa teologia avançou muitíssimo na questão social, mas quando se trata da moral pessoal, que envolve a questão da mulher, não se notam avanços tão grandes.

Mas acho que a discussão nas ciências humanas e nas ciências sociais vai pressionando, de certa maneira, de baixo para cima. E isso tem tido um efeito mais ou menos benéfico. Por exemplo, nas comunidades de base, quase 80% dos coordenadores são mulheres. Isso é um fato. Nas paróquias é da mesma forma. E as mulheres começaram a pleitear graus acadêmicos na teologia.

Acredito que essa revolução da mulher vai ocorrer no longo prazo, e acho que o papa Francisco sabe que isso vai acontecer um dia. Mas ele teve que fazer opções. Ele não entrou radicalmente nessa trincheira, mas entrou em outras, e isso já dá bastante trabalho. Acho que ele não avançará mais nessa questão dos ministérios ordenados da mulher, porém a prática eclesial vai avançar, porque precisa das mulheres.

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