Pontífice se encontra com refugiados da minoria muçulmana em Bangladesh e se refere a eles pelo nome. Em Myanmar, ele havia sido aconselhado a evitar a palavra rohingya.
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O papa Francisco se encontrou nesta sexta-feira (01/12) com um grupo de 16 refugiados rohingyas em Daca, em Bangladesh, e mencionou em público o nome dessa minoria muçulmana, o que ainda não havia feito durante a sua viagem, chamando a atenção para a crise humanitária em Myanmar.
Quando iniciou o seu giro pela Ásia no início da semana, o papa foi aconselhado a evitar o termo em Myanmar para não provocar reações violentas de extremistas. Assim, ele fez apenas menções indiretas à perseguição religiosa e étnica. Nesta sexta-feira, no entanto, disse que "não fechemos nossos corações, não olhemos para outro lado. A presença de Deus hoje também se chama rohingya".
"Em nome de todos que vos perseguiram e feriram, eu peço perdão. Eu apelo aos seus grandes corações para que nos deem o perdão que pedimos", completou o pontífice.
Desde agosto, mais de 600 mil rohingyas deixaram Myanmar em meio a uma onda de violência, que a Organização das Nações Unidas (ONU) chama de limpeza étnica. A violência e o consequente deslocamento enfrentados pela minoria muçulmana, que comumente habita o norte do estado de Rakhine, no noroeste de Myanmar, foram alvos de um minucioso escrutínio em todo o mundo.
O encontro com os refugiados rohingyas aconteceu após um evento ecumênico na sede do arcebispado de Daca. Um grupo de três famílias, com 16 pessoas no total, entre elas duas mulheres usando o nicab (traje muçulmano que deixa apenas os olhos descobertos), uma menina e um bebê, aproximou-se para saudar o papa.
Na quinta-feira, Francisco já havia pedido que a comunidade internacional agisse em favor da minoria perseguida. "É imperativo que a comunidade internacional tome medidas decisivas para esta grave crise, não apenas trabalhando para resolver as questões políticas que levaram ao deslocamento em massa desse povo, como também oferecendo assistência material imediata a Bangladesh em seu esforço de responder eficientemente às urgentes necessidades humanas", disse o papa.
Um termo controverso
Grande parte da maioria budista de Myanmar rejeita o termo e se recusa a reconhecer os rohingyas como um grupo étnico ou como cidadãos do país. Mesmo o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, vencedor do Prêmio Nobel da Paz e autor de um relatório da comissão consultiva sobre o estado de Rakhine, havia indicado que o papa não deveria usar o termo durante a viagem.
Grupos de direitos humanos, em contrapartida, instaram Francisco a levantar a questão durante sua viagem. "Para os rohingyas, muito pouco sobrou além de seu nome, após anos de restrições discriminatórias do direito de deslocação e do acesso a serviços sociais essenciais, além de serem alvos de um exército que os submeteu a limpeza étnica e a atrocidades", disse Phil Robertson, vice-diretor da Human Rights Watch (HRW) na Ásia.
JPS/rtr/efe
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O drama dos rohingya de Myanmar
País majoritariamente budista rejeita a minoria muçulmana. Expulsões, assassinatos e estupros já forçaram mais de 400 mil a buscar refúgio em Bangladesh, mas também lá eles são indesejados.
Foto: picture-alliance/dpa/M.Alam
Ameaçados na terra natal
Em outubro de 2016, um grupo da etnia rohingya foi acusado de matar nove policiais em Myanmar. A partir daí, recrudesceu a histórica perseguição a essa minoria muçulmana no país maioritariamente budista. Nos meses seguintes, mais de 70 mil haviam procurado refúgio em Bangladesh. Um dos acampamentos onde foram acolhidos é Kutuupalang, no município de Cox's Bazar, no sul do país.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/T. Chowdhury
Êxodo em massa
Após novos episódios de violência em agosto 2017, o êxodo da minoria muçulmana de Myanmar se intensificou, sobretudo a partir do estado de Rakhine. Por terra ou por mar têm chegado diariamente a Bangladesh de 10 mil a 20 mil rohingya, entre os quais numerosas mulheres e crianças. Segundo a ONU, 400 mil vivem atualmente como refugiados no país vizinho.
Foto: DW/M.M. Rahman
Condições sub-humanas
Em alguns campos de refugiados, as condições de vida são as mais árduas: não há água corrente, medidas sanitárias ou qualquer outro tipo de infraestrutura. Com argila e outros materiais básicos, eles mesmos construíram cabanas improvisadas, a fim de ao menos ter um teto sobre a cabeça.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/T. Chowdhury
Apátridas
Myanmar se recusa a conceder a nacionalidade birmanesa a seus 1,1 milhão de rohingyas. Apesar de eles alegarem séculos de história, o governo os classifica como ilegais, imigrados de Bangladesh durante o domínio colonial britânico. Além disso, condena o emprego do termo "rohingya" nos documentos das Nações Unidas.
Foto: DW/M.M. Rahman
Crônica da rejeição
Apesar de apelos do secretário-geral da ONU, António Guterres, para que Bangladesh conceda abrigo à minoria perseguida, as autoridades em Dhaka enviaram guardas às fronteiras com o fim de impedir novas travessias. O sofrimento dos rohingya parece não ter fim: organizações de direitos humanos relatam como, em Rakhine, os militares birmaneses incendiaram suas casas, estupraram e assassinaram.
Foto: Reuters/M. Ponir Hossain
Povo mais perseguido
Segundo a ONU, os rohingya são a minoria mais perseguida do mundo. Em Bangladesh eles tampouco são bem-vindos: após a nova onda migratória, o governo anunciou o plano de realocá-los para uma ilha distante, geralmente inundada durante a estação das monções.
Foto: picture-alliance/dpa/M.Alam
Catástrofe humanitária
Originalmente um local turístico com 61 mil habitantes, a cidade litorânea de Cox's Bazaar, em Bangladesh, uma das primeiras a acomodar os refugiados muçulmanos, está com suas capacidades esgotadas. Segundo observadores, a perseguição aos rohingya em Myanmar é apenas em parte religiosa: certos setores da sociedade têm interesse em exterminá-los por motivos políticos e econômicos.
Foto: DW/M.M. Rahman
Apagados da história
A falta de pátria segura confronta os rohingya com um futuro incerto. Enquanto isso, Myanmar planeja obliterar também seu passado: o ministro da Cultura e Assuntos Religiosos anunciou o lançamento de um livro de história sem qualquer menção à minoria muçulmana. "A verdade é que a palavra rohingya nunca foi usada ou existiu como etnia ou raça na história birmanesa", declarou em dezembro de 2016.