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Para derrotar El Chapo, só atingindo seu poder econômico

Anabel Hernández av
26 de julho de 2019

A condenação do chefe do narcotráfico é vitória parcial: enquanto estiver a salvo de confisco, seu dinheiro segue trabalhando para ele. Em jogo está uma quantia capaz de financiar a administração pública do México.

Mulher sorri, mostrando camiseta da grife "El Chapo 701"
Grife "El Chapo 701", da filha de Joaquín Guzmán Loera, capitaliza em cima da imagem do chefãoFoto: Getty Images/AFP/U. Ruiz

Se você tivesse 12,666 bilhões de dólares, onde os esconderia? O que faria com eles? Essa é a pergunta que se colocam os governos dos Estados Unidos e do México desde 17 de junho, quando o tribunal do Distrito Leste de Nova York ordenou o confisco dessa quantia do narcotraficante mexicano Joaquín Guzmán Loera, El Chapo, líder do cartel de Sinaloa, além da sentença de prisão perpétua.

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, reclamou os bilhões para seu país, dizendo tratar-se de uma questão de "justiça". Isso apesar de, durante os 18 anos da assim chamada guerra contra o narcotráfico, os antecessores de López Obrador terem fracassado por completo em confiscar os bens do chefão ou de sua família.

O governo da principal potência nacional do mundo tampouco teve mais sucesso. Ao telefone, Mariel Colón, integrante da equipe de defesa de El Chapo em Nova York, comentou que, até o momento, os EUA nada confiscaram do condenado.

"Não encontraram propriedades nem bens materiais no nome do Sr. Guzmán Loera. É ridícula essa quantia de 12 bilhões, o Sr. Guzmán não tem esse dinheiro. O governo americano sabe disso, a restituição é uma mera formalidade."

O experiente Jeffrey Litchman, que encabeça a defesa do narcotraficante, conta entre seus clientes o chefe da máfia de Nova York John Gotti Jr.. Entrevistado por vários veículos de imprensa logo após o veredito do juiz Brian Cogan, comentou, quase irônico: "Se não há ativos, não há nada a pagar. Faz quanto tempo que eles procuram os ativos dele, décadas?"

Anabel Hernández é vencedora do Prêmio Liberdade de Expressão da DW

Antes mesmo da sentença, o governo de Donald Trump anunciara que o dinheiro confiscado de El Chapo seria utilizado para construir o muro na fronteira entre México e EUA.

E no México, para que o dinheiro seria útil? De acordo com a análise do gasto público programado para 2019 com os 12,666 bilhões de dólares, o governo de López Obrador poderia financiar praticamente toda a operação anual dos órgãos do governo relacionados a procuração de Justiça e segurança interna e nacional.

O orçamento do Poder Judiciário para 2019 é de 3,264 bilhões de dólares; o da Secretaria da Defesa Nacional, de 4,803 bilhões de dólares; a Secretaria de Governo, 3,117 bilhões de dólares; Ministério Público, 787 milhões de dólares; Secretaria da Marinha, 1,645 bilhão de dólares: somando um total anual de 13,616 bilhões de dólares. Parte da função de todas essas instituições é combater o crime organizado e chefões como El Chapo, investigá-los, capturá-los e puni-los.

Mas por que nem Washington nem o México foram capazes de encontrar sequer uma fração da fortuna calculada de El Chapo?

A verdadeira derrota para um chefe do crime organizado não é a sentença de prisão perpétua, mas sim a perda de seus bens acumulados, explica o procurador-geral de Palermo, Roberto Scarpinato. Em mais de 25 anos combatendo o crime organizado, ele ostenta uma cifra recorde de confiscação de bens da máfia siciliana: só entre 2008 e 2010, arrancou dela 5 bilhões de dólares, na Itália e no resto do mundo.

"A mentalidade dessa gente é: 'Enquanto eu estou no cárcere, meu dinheiro trabalha para mim do lado de fora. Em qualquer caso, embora eu esteja preso, assegurei um futuro para minha família, e meu nome segue tendo poder, portanto não é um fracasso.'"

Scarpinato explica que as somas confiscadas em efetivo ou em contas bancárias se integram ao orçamento do Estado, sendo destinadas principalmente para o ressarcimento das vítimas da máfia. As propriedades expropriadas podem servir a fins sociais: asilo, repartição governamental, centro contra dependências. E as empresas que eram propriedade direta ou indireta dos mafiosos passam a ser administradas pelo Estado.

Sim, mas como encontrar o dinheiro de El Chapo? "Na Itália, iniciamos as investigações sobre o patrimônio simultaneamente às investigações sobre a pessoa. Quando concluímos a investigação, ao mesmo tempo que prendemos a pessoa, confiscamos os bens, para impedir que desapareçam", explica o procurador.

Uma vez que os integrantes de um clã mafioso são detidos, prossegue uma investigação para encontrar bens que tenham sido ocultados "de modo mais profundo". "As investigações patrimoniais se estendem também a todos os parentes dos investigados: esposas, filhos, irmãos, primos, e todos os que tenham uma relação de confiança ao ponto de se prestar como laranjas, ou seja, amigos, namoradas, amantes, etc.."

Na Itália existe o delito de "falsidade de declarações de bens". Tão logo se localizem indícios de bens não justificados dos presumidos cúmplices, inicia-se uma nova investigação dos bens de toda sua família e pessoas de confiança. "Se o patrimônio localizado com o laranja não corresponde a suas declarações fiscais, e ele não pode mostrar com que dinheiro o comprou, os bens são confiscados", explica Roberto Scarpinato.

Na mesma semana em que El Chapo foi sentenciado, a Procuradoria-Geral da capital da Sicília realizou uma operação conjunta com o governo dos EUA, em Palermo e Nova York, para deter membros dos clãs Inzerillo e Gambino, da Cosa Nostra. Numa interceptação ambiental, um dos membros dos Inzerillo comentou: "A coisa mais terrível é confiscarem bens."

Enquanto não se localizam os supostos bilhões de El Chapo, em julho sua filha Alejandrina Gissel Guzmán Salazar apresentou publicamente a linha de roupas e acessórios "El Chapo 701", numa alusão à posição que a revista Forbes destinou a seu pai no ranking dos homens mais ricos do mundo. Em 2012 ela foi detida pelo governo americano, quando tentava atravessar grávida a fronteira, com documentos falsos, e passou dois meses no cárcere, antes de ser deportada para o México.

Com sede em Guadalajara, no estado de Jalisco, a empresa de moda possui website público e conta no Facebook. Ela vende seus produtos online a um clube seleto – como os que integram um cartel: só pode adquirir um artigo quem compra um título de sócio. Entre as mercadorias oferecidas estão, por exemplo, um cinto de couro "edição especial", com bordados de fio de prata, a 770 dólares; ou uma carteira, igualmente bordada, a 180 dólares; e há camisetas femininas com o rosto estilizado de El Chapo. Alguns itens já estão esgotados.

"Nascido nas montanhas dos cactos. Humilde vendedor de laranjas, com muitas metas e grande ambição. Orgulhoso de suas raízes, amigo de todos, líder decidido, atento e sempre presente para sua gente. De fortes aspirações e ideais. Valente, carismático, de honra...": assim se expressa a publicidade com que Alejandrina pretende explorar a persona criminosa do pai.

"O poder do cartel de Sinaloa, de El Chapo, como o de qualquer outro grupo criminoso, é o poder econômico com que podem fazer seu comércio ilegal, corromper autoridades e financiar suas guerras. É um poder impessoal e vai mais além da figura do chefão. Não basta apenas processar os indivíduos, mas também seu poder econômico", assinala o siciliano Roberto Scarpinato.

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A jornalista e autora Anabel Hernández escreve há anos sobre cartéis de drogas e corrupção no México. Após ameaças de morte, teve que deixar o México, e vive na Europa desde então. Por seu trabalho, recebeu o Prêmio Liberdade de Expressão da DW em 2019, durante o Global Media Forum, em Bonn.

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