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Livre comércio entre UE e EUA não resolverá problemas econômicos

Christoph Hasselbach (rc)19 de junho de 2013

União Europeia e Estados Unidos querem criar a maior zona de livre comércio do mundo. Enquanto se espera que acordo estimule economias, observadores não veem solução para desemprego e crescimento fraco.

Foto: Getty Images

A União Europeia (UE) e os Estados Unidos iniciaram oficialmente esta semana durante a cúpula do G8 (grupo dos sete países mais industrializados, mais a Rússia), na Irlanda do Norte, as negociações para a criação de um acordo de livre comércio, que deverá ser o mais amplo do mundo.

Durante os próximos dois anos, as duas regiões deverão negociar a eliminação de tarifas alfandegárias e barreiras comerciais, assim como o estabelecimento de diferentes padrões de qualidade. "Sou muito a favor de um acordo de livre comércio como este. As nossas experiências sempre mostraram que, onde existe esse tipo de acordo, existe crescimento econômico e se estimula o comércio e a mudança", disse a chanceler alemã Angela Merkel, líder da maior economia da UE. O acordo também foi objeto de conversas entre Merkel e o presidente norte-americano Barack Obama, que visitou a capital alemã, Berlim, nesta quarta-feira.

Porém, o instituto alemão IMK (sigla alemã de Instituto de Pesquisas de Macroeconomia e Conjuntura), ligado a sindicatos no país, divulgou nesta quarta-feira (19/06) um estudo dizendo que o acordo trará poucos impulsos de crescimento para a União Europeia, já que o tratado servirá mais para "fortalecer as relações comerciais já existentes e criar novos laços. Os efeitos positivos só se mostrarão a longo prazo", diz texto do IMK, para o qual as taxas alfandegárias entre as duas regiões "já são muito baixas" e não deverão mudar muito.

Por sua vez, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, espera que o Produto Interno Bruto do bloco se fortaleça e aumente 0,5% com o futuro tratado. "Isso significa bilhões de euros por ano e dezenas de milhares de novos postos de trabalho", opinou Barroso – consequências que podem trazer benefícios para a UE, assolada pela crise econômica.

Já o escritório da DIHK, sigla em alemão para Confederação das Câmaras Alemãs de Indústria e Comércio, em Bruxelas, avalia que o acordo de livre comércio é como um "programa conjuntural gratuito": "Diante dos cofres vazios da Europa e dos EUA, mal há possibilidades de estimular a economia com investimentos públicos. Para os dois lados, portanto, é importante registrar avanços no comércio bilateral", diz o DIHK, em nota.

Para o comissário de Comércio da UE, Karel de Gucht, "no longo prazo, podemos esperar maiores lucros com o aumento da produtividade – que será resultado de uma abertura dos mercados – e, no curto prazo, teremos mais confiança da economia, porque diminuiremos os riscos de protecionsimo."

Acordo não resolve problemas na economia europeia

André Sapir, do Instituto Bruegel, um instituto de pesquisas em Bruxelas, concorda que, do ponto de vista comercial, tudo parece apontar a favor do acordo. Porém, Sapir questiona as projeções otimistas da Comissão Europeia, afirmando que, mesmo que fossem realistas, "elas nunca seriam suficientes para resolver os problemas do crescimento e do desemprego".

O Presidente da Comissão Européia, José Manuel Barroso exaltou o acordoFoto: Reuters

Especialmente órgãos de defesa do consumidor e o Partido Verde no Parlamento europeu também estão céticos com o acordo. O francês Yannick Jadot, do PV, alerta contra importações futuras: "Não queremos alimentos geneticamente modificados, carnes com hormônios ou carnes desinfetadas com cloro", afirmou.

As expectativas sobre a segurança alimentar nas duas regiões diferem, alertam especialistas – o mesmo valeria para a proteção de dados. A revelação, há cerca de duas semanas, de que os Estados Unidos teriam recolhido dados de cidadãos norte-americanos e estrangeiros fora dos EUA com um programa que acessava servidores de internet causou choque e temores na Europa.

O líder do bloco socialista no parlamento Europeu, Hannes Swoboda, deixou clara a falta de confiança ao afirmar que "precisamos de garantias quanto à proteção de dados, não podemos sacrificar a nossa privacidade em razão do pacto com os EUA".

A atriz francesa Bérénice Bejo teme os efeitos do acordo na produção cinematográfica européiaFoto: AFP/Getty Images

Interferência cultural

A União Europeia fala com algumas vozes diferentes quando se trata do acordo de livre comércio com os EUA. No setor cultural, por exemplo, um grupo de artistas francófonos composto por atores, diretores e cineastas disse temer que a produção cultural europeia seja "vendida" a Hollywood, nos EUA, se a cultura europeia não for protegida com subsídios estatais.

A atriz francesa Bérénice Bejo, que atuou no filme "O Artista" – vencedor do prêmio Oscar de cinema em 2012 –, explicou que, muitas vezes, diretores de cinema americanos que não conseguem financiamento para seus filmes nos EUA, enquanto na França os cineastas recebem ajuda do Estado. "Tenho medo que essas pequenas produções desapareçam", afirmou Bejo.

O cineasta romeno Radu Mihaileanu concorda com a francesa e diz que não se pode tratar a herança cultural como se fosse a indústria automobilística. "Amamos a diversidade cultural da Europa. É a nossa maior riqueza, e não deixaremos de lutar por ela."

Por essa razão, o governo francês quer excluir o setor cultural das negociações e até ameaçou vetar o acordo. Porém, o relator do parlamento europeu para as negociações, o deputado português Vital Moreira, disse que "a diversidade cultural não é negociável, o que já é previsto no tratado da União Europeia".

Mesmo assim, num primeiro momento, não deverá haver negociações sobre os setores da cultura, fomento à indústria cinematográfica ou da internet. André Sapir sublinha que os EUA também têm áreas de interesse que desejam proteger, o que deverá resultar na exclusão não somente do setor audiovisual do acordo, como também dos serviços financeiros e do setor portuário.

"Ambicioso demais"

Sapir acredita que essas limitações ao acordo transatlântico de livre comércio poderão acabar tendo pouco impacto sobre o a questão do desemprego. Segundo ele, o tratado "poderá, no máximo, ser um tipo de mercado interno transcontinental", o que já seria algo "ambicioso demais para ser realista".

Para André Sapir, o que pode ser realista é a redução ou a eliminação completa das tarifas alfandegárias sobre bens industrializados e uma regulamentação comum, por exemplo do sistema bancário.

Porém, um aspecto pouco comentado publicamente é a influência do poder econômico da China para o acordo. Sapir defende que a iniciativa transatlântica é uma tentativa do bloco da UE e dos EUA de mandar uma mensagem à China de que "ainda somos muito importantes".

Uma mensagem que André Sapir considera ser contraproducente. EUA e UE fariam melhor se ressuscitassem as negociações de comércio mundiais, tentando incluir países emergentes como a China, a Índia e o Brasil. Porém, para o especialista, uma coisa não exclui a outra. Seria preciso verificar primeiro como as negociações vão evoluir e quanto da vontade comum existe na UE e nos EUA para concretizar o acordo.