"Para evitar conflitos, é preciso enfrentar mudanças climáticas"
Irene Quaile (ca)22 de setembro de 2014
Em entrevista à DW, Christiana Figueres, chefe da Convenção do Clima da ONU, fala das expectativas para a cúpula em Nova York e da importância de um acordo climático global. "Estamos correndo contra o tempo", diz.
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A convite do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, cerca de 120 chefes de Estado e de governo participam da Cúpula do Clima das Nações Unidas nesta terça-feira (22/09), em Nova York. O encontro acontece sob o impacto das manifestações pela proteção climática que mobilizaram centenas de milhares de pessoas em diversos países no último fim de semana.
Em entrevista à DW, Christiana Figueres, chefe da Convenção do Clima da ONU, fala sobre a importância da reunião em Nova York. Ela afirma que é necessária ação política em todos os níveis – internacional, nacional e local. As mudanças climáticas já estão relacionadas a vários conflitos no mundo e se tornaram "o maior desafio da humanidade", diz.
DW:Qual a finalidade de uma cúpula do clima extraordinária e como ela se encaixa nas conferências climáticas anuais?
Christiana Figueres: As conferências anuais se destinam a um acordo climático vinculativo, que deverá ser fechado no próximo ano, em Paris. Na cúpula em Nova York, não haverá negociações. Trata-se de uma tentativa de impulsionar o processo formal, de fortalecer a vontade política e a consciência pública. É uma boa oportunidade para chefes de Estado e líderes empresariais apresentarem seus planos.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pediu aos participantes que preparassem para o encontro anúncios corajosos e compromissos de ação. O que você espera disso?
Muitos governos vão relatar sobre projetos já iniciados, sobre seus planos para reduzir as emissões de gases tóxicos, sobre como querem preparar sua infraestrutura para os efeitos das mudanças climáticas.
Uma ilha some do mapa em Bangladesh
Os nativos de Ashar Chor estão se mudando para outras partes do país, devido à contínua elevação do nível do mar. Mudanças climáticas reduziram o tamanho da ilha e colocam em risco a vida de seus moradores.
Foto: DW/K.Hasan
Zona de perigo
Ashar Chor, uma faixa de terra cercada de água na Baía de Bengala, está localizada numa região altamente propensa a desastres naturais.
Foto: DW/K.Hasan
Trabalho no mar e na terra
O dia dos que vivem do comércio de peixe seco começa cedo. Cada barco que deixa Ashar Chor para pescar fica em alto-mar entre 15 e 20 dias. Quando retorna, o trabalho continua: os pescadores descarregam os peixes e os levam em baldes para serem processados e secos.
Foto: DW/K.Hasan
Presa da necessidade
Todos os dias, Danesh, de seis anos, lida com peixes. Ele é jovem demais para executar o trabalho corretamente, mas a necessidade o obriga a fazê-lo. O trabalho infantil é rigorosamente desencorajado, mas ainda prossegue nesta comunidade, cuja economia se baseia na produção de peixe seco. As crianças recebem cerca de 40 taka (0,56 dólar) por dia de trabalho.
Foto: DW/K.Hasan
Mesmo trabalho, salários desiguais
As mulheres trabalham lado a lado com os homens em Ashar Chor. No entanto, assim como em muitas outras partes do mundo, elas recebem menos pelo serviço executado.
Foto: DW/K.Hasan
Vida precária
Durante os muitos anos em que trabalhou aqui, Karim Ali, de 52 anos, já viu de tudo: desde desastres naturais até sequestros para trabalhos forçados. "Uma vez, um dos meus colegas foi sequestrado e nunca mais voltou", diz Ali. "Eu nunca sei quando isso vai acontecer comigo. Nós não temos nenhuma garantia de vida aqui."
Foto: DW/K.Hasan
Necessidade de espaço
A única fonte de renda na pequena ilha é o peixe seco, que, portanto, tem prioridade máxima. A comunidade local reserva a maior parte de seu espaço para secar o produto. Sem nenhuma estação moderna de tratamento, baldes de peixes são enxaguados em piscinas de água fresca e depois pousados sobre esteiras para secar por até seis dicas.
Foto: DW/K.Hasan
Melhor amigo e pior inimigo
A Baía de Bengala é fundamental para a sobrevivência dos moradores da ilha, cuja maioria se sustenta com a pesca. Mas o mar também destruiu a vida de muitos, com enchentes e ciclones.
Foto: DW/K.Hasan
Terra que desaparece
Parte da ilha é inundada todos os dias pela maré alta que se eleva acima das barreiras e acaba inundando fazendas de pesca e plantações.
Foto: DW/K.Hasan
Deixados para trás
O Sidr, em 2007, foi um ciclone assassino. Dados da Cruz Vermelha indicam que 900 mil famílias – cerca de 7 milhões de pessoas—foram afetadas pela devastação resultante. Estima-se que dois entre cada cinco mortos eram crianças.
Foto: DW/K.Hasan
Desamparados pelo governo
A diligente comunidade dos produtores de peixe seco vive em condições duras. O governo não lhes fornece abrigos contra ciclones e não há projetos de saneamentos. Eles habitam pequenos barracos.
Foto: DW/K.Hasan
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Do setor privado, esperamos o mesmo: queremos saber qual será a sua contribuição para reduzir as emissões. Estamos particularmente interessados em como esse setor pretende transferir o seu capital em prol de produtos e serviços de baixa emissão de CO2, para que possamos acelerar a mudança global rumo a uma economia de baixas emissões de gases tóxicos.
Esperam-se anúncios significativos do país anfitrião EUA ou da China, país-chave para o clima?
Sim. Acreditamos que todos os países vão mostrar as suas propostas formais para as negociações no próximo ano. No entanto, eles ainda têm até março de 2015 para isso. Eles deverão dar apenas uma ideia de quais serão suas contribuições. Eles já estão calculando em âmbito nacional o que é possível fazer em termos financeiros, políticos, econômicos e técnicos.
O fato de a cúpula acontecer nos EUA pode ter alguma influência sobre a posição dos americanos e sobre a política climática?
No segundo mandato de [Barack] Obama, viu-se um maior engajamento com relação à questão do clima. O pedido do presidente à agência ambiental americana EPA por uma maior regulação das usinas elétricas é provavelmente o projeto mais ambicioso que o governo americano já empreendeu em relação ao clima.
Esperamos que Obama anuncie como pretende seguir adiante com esses esforços. É muito interessante que uma grande marcha pelo clima tenha acontecido em solo americano apenas dois dias antes da cúpula. Isso mostra que, mesmo nos EUA, há um grande apoio da opinião pública à política climática global.
Esse tipo de movimento é o que precisamos para avançar com a proteção climática?
Ele é um fator muito importante. Sou muito grata aos organizadores da manifestação. É extremamente importante transmitir um forte sinal de que a responsabilidade não é somente de governos e empresas, mas também da sociedade civil. Ela precisa manifestar a sua consciência ambiental e suas preocupações, incentivando países e empresas a mudar o mais rápido possível para uma economia de baixas emissões.
Diante da dificuldade nas negociações, cidades e regiões devem exercer um papel mais importante nessa mudança?
Cidades em todo o mundo já avançaram de forma impressionante. Isso também se aplica a grupos regionais. A proteção climática é mais eficiente quando os políticos em todos os níveis – internacional, nacional e local – trabalham em conjunto.
Em tempos de conflitos, como agora no Oriente Médio e na Ucrânia, não é difícil despertar o interesse público para uma cúpula climática extraordinária?
Pelo contrário. Acredito que esta semana em Nova York vá atrair a atenção da mídia. Não só porque milhares de pessoas foram às ruas. Não só porque teremos centenas de chefes de Estado e governo e empresários influentes. Mas porque eles estarão ali por uma razão de extrema importância.
As mudanças climáticas se tornaram o maior desafio da humanidade, ao menos neste século. E a consciência sobre isso está aumentando. Já existem muitos conflitos no mundo que têm a ver com a escassez de água, com a migração, com a segurança alimentar. As mudanças climáticas acirram ainda mais tudo isso. Em outras palavras: se quisermos evitar conflitos incontroláveis, precisamos enfrentar as mudanças climáticas em tempo hábil.
Os números mais recentes mostram que as emissões de CO2 continuam a aumentar. Cientistas veem a meta de 2 graus Celsius já quase fora de alcance. O que precisa acontecer para que sejamos poupados de uma mudança climática catastrófica?
A ciência tem mostrado claramente que só há um caminho para limitar o aumento da temperatura a 2 graus Celsius. Esta cúpula, bem como as negociações formais no Peru, no final deste ano, e em Paris, no ano que vem, emitem uma mensagem clara aos governos mundiais e às principais empresas do setor econômico de que estamos correndo contra o tempo. Ainda podemos conseguir. Mas, para evitar os piores impactos das mudanças climáticas, precisamos chegar a um acordo climático global até o final de 2015.
Na defesa do meio ambiente
As emissões de gases do efeito estufa aumentam desenfreadamente. Sem um abandono radical do uso de combustíveis fósseis, o mundo pode enfrentar uma catástrofe climática de consequências irreversíveis.
Foto: Reuters
Inimigo número um do clima
A emissão de gases do efeito estufa cresce em todo o mundo: mais de 50 bilhões de toneladas são liberadas anualmente na atmosfera, o dobro do que em 1970. E o inimigo número um do clima são os combustíveis fósseis, responsáveis por 70% de todas as emissões.
Foto: Reuters
Responsabilidades dos mais ricos
No século passado, os principais culpados pelas emissões de gases do efeito estufa eram, sobretudo, os países desenvolvidos. Hoje, Ásia, Oriente Médio e países em desenvolvimento também têm sua cota de responsabilidade. Países mais pobres emitem atualmente 1,5 tonelada de gases per capita, enquanto os mais ricos chegam a liberar 13 toneladas per capita.
Foto: pommes.fritz123/flickr cc-by-sa 2.0
Controle urgente
Desde 1880, a temperatura global subiu 0,9 graus e a concentração de CO2 elevou-se de 290 partes por milhão (ppm) para 400 ppm. Sem um plano de ação decisivo, estima-se que este número aumente para 450 ppm até 2030, e que a temperatura suba ainda mais 2 graus. Até 2100 é possível que ela chegue a seis graus.
Foto: picture alliance/Bildagentur-online
Consequências devastadoras
Muitas pessoas não conseguem sequer imaginar as consequências das mudanças climáticas. Climatologistas, porém, profetizam: o nível do mar vai subir, ilhas desaparecerão, cidades costeiras serão inundadas e o calor tornará a vida em diversas regiões e cidades insuportável.
Foto: Reuters
Ação rápida em todos os níveis
Cientistas exigem uma ação urgente: é preciso gerar energia sem carvão, petróleo ou gás. Além disso, é necessário estimular o uso eficiente de energia. Paralelamente às mudanças tecnológicas e estruturais, alterações no consumo também são fundamentais.
Foto: DW/G. Rueter
Abdicar do carvão ajudaria
A principal contribuição para a redução dos gases do efeito estufa deve vir dos fornecedores de energia. Especialmente eficaz seria abrir mão completamente do uso do carvão, uma vez que sua combustão causa cerca de 30% das emissões.
Foto: picture-alliance/dpa
Conforto e proteção ambiental
Construções são responsáveis por quase 20% de toda a emissão de gases do efeito estufa. Edifícios modernos, entretanto, são mais "verdes" – melhor isolados, acabam sendo mais econômicos. Além disso, a geração de eletricidade e calor é obtida por meio da energia solar.
Foto: Rolf Disch Solararchitektur
Inovações favorecem a proteção climática
Uma produção energética totalmente livre de CO2 é possível. Produções de energia solar, aquática e eólica são especialmente vantajosas. Graças à demanda dirigida e à produção em massa, a energia solar, uma vez cara, tornou-se acessível e passou a substituir cada vez mais os combustíveis fósseis.
Foto: BELECTRIC.com
Olho no futuro
Decisões políticas tomadas agora definirão o futuro das próximas gerações. Elas devem recomendar a remoção de subsídios aos combustíveis fósseis, a fixação de taxas para emissão de gases do efeito estufa e a promoção da eficiência enérgica e de energias renováveis.
Foto: Frederico di Campo - Fotolia.com
Retirada de CO2 da atmosfera
Plantas precisam de CO2. Por isso, o reflorestamento é uma possibilidade de reduzir a alta concentração do gás na atmosfera – e de ajudar a coibir os efeitos que ele pode causar no planeta.