Para manifestantes, além de Dilma, Cunha também deve cair
Marina Estarque, de São Paulo14 de dezembro de 2015
Muitos participantes do protesto na avenida Paulista dizem que o deputado é corrupto e já "cumpriu seu papel". Primeiro ato após o presidente da Câmara deflagrar impeachment, manifestação em São Paulo teve menor adesão.
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Apesar de terem como principal alvo o governo de Dilma Rousseff e o PT, muitos manifestantes presentes na avenida Paulista, neste domingo (13/12), também apoiam a cassação do mandato do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.
A maioria defende que ele "cumpriu seu papel" ao aceitar o pedido de impeachment da presidente, mas que não deve se manter no cargo por muito tempo. "Ele serviu para abrir o impeachment e só. Depois vai cair também", afirma o biomédico João Guimaro, de 67 anos, nesse que foi seu primeiro protesto contra o governo na avenida Paulista.
O engenheiro Gustavo Costa, de 64 anos, também acha que o deputado deve ter o mandato cassado. "Ele tem contas não reveladas na Suíça e há várias denúncias contra ele. Mas isso é outra coisa. Primeiro tiramos a Dilma e depois vamos tratar de tirar o Cunha de lá”, afirma.
Para ele, é um "erro de interpretação" dizer que o deputado deflagrou o impeachment. "Ele apenas aceitou um dos vários pedidos", diz. Entretanto, Costa admite que a ligação de Cunha ao processo pode afetar negativamente os movimentos pró-impeachment. "É prejudicial para nós que ele seja o presidente da Câmara", concluiu.
Os organizadores pareciam partilhar da mesma preocupação. Havia uma clara tentativa de dissociar a bandeira do impeachment da imagem do presidente da Câmara, investigado na Operação Lava Jato.
"O pedido de impeachment não é do Cunha, nem do PSDB, mas da sociedade brasileira!", gritava um dos organizadores, no carro de som do movimento Vem Pra Rua.
O coordenador nacional do Movimento Brasil Livre (MBL), Rubens Nunes, também concorda que Cunha deve sair do cargo. "Infelizmente ele é o presidente da Câmara. Mas isso não prejudica o impeachment. Não é o mesmo a obrigação institucional dele [de receber o pedido de impeachment] e a sua atuação como deputado”, diz Nunes.
Adesão menor
A manifestação na avenida Paulista, assim como em várias capitais do país, teve uma adesão bem menor do que as anteriores. Segundo a Policia Militar, 30 mil pessoas participaram do protesto neste domingo em São Paulo – em agosto e abril, foram centenas de milhares e, em março, um milhão.
Mas não eram necessários números para notar que o protesto estava esvaziado. Já a caminho da Paulista, o clima de euforia parecia menor. Nas outras ocasiões, os manifestantes costumavam encher os vagões do metrô e as estações com gritos de palavras de ordem e buzinas.
Uma vez na avenida, era quase impossível caminhar. A via ficava lotada de pessoas, barraquinhas de comida e vendedores ambulantes. Para chegar de um local a outro, era preciso recorrer às ruas paralelas.
No protesto deste domingo, entretanto, era relativamente fácil atravessar a Paulista a pé. Talvez por isso, manifestantes se misturaram a paulistanos que passeavam pela avenida, fechada para carros aos domingos. Alguns skatistas e ciclistas, acostumados a usar a via para o lazer, foram pegos de surpresa. "Não estava sabendo do protesto. Achei péssimo que eles ocuparam a ciclovia", disse Rodrigo Timpani, de 30 anos, enquanto pedalava.
"Esquenta"
Para explicar o menor número de participantes, organizadores e até manifestantes estavam com discurso similar. A palavra "esquenta" foi usada, de uma ponta à outra da Paulista, para definir o protesto deste domingo.
"A manifestação é um esquenta. Foi chamada há nove dias e o público foi acima do esperado", aponta Nunes, do MBL. Ele nega que o número de participantes tenha diminuído ao longo de 2015 e promete: "em 2016 vai ser maior".
Para a porta-voz do movimento Nas Ruas, Carla Zambelli, o protesto foi "um sucesso". Segundo ela, os movimentos já têm a próxima manifestação marcada para 13 de março de 2016.
Além dos organizadores, muitos manifestantes também apostam num crescimento dos protestos no ano seguinte. "Vai ser igual à Copa [do Mundo]. Quando foi chegando mais perto, os atos ganharam força", diz o engenheiro Normando Bezerra, de 36 anos.
Presente nas manifestações de junho contra o aumento da tarifa dos ônibus e nos protestos de 2014 contra a Copa, Bezerra reconhece que houve uma diminuição do público nos atos pró-impeachment. "Acho que o povo está meio cansado de ir para a rua e não acontecer nada. Mas esse é o momento certo, o governo está caindo. E agora as manifestações só vão aumentar", afirma.
Desemprego e pedaladas
Assim como Bezerra, que afirma estar sem trabalho, o aumento do desemprego é uma preocupação de muitos manifestantes. "Estou cortando gastos", diz o engenheiro, que foi à Paulista com a camisa da Seleção e óculos escuros.
Seu colega, Eduardo Lerch, de 32 anos, também teme a recessão. "Muitos dos meus amigos estão desempregados. Um governo de Michel Temer, do PMDB, poderia unificar o país e dar fôlego para a economia", defende.
A publicitária Marisa Oliveira, de 35 anos, também destaca o desemprego como um dos motivos para protestar. "É a primeira vez que eu fico desempregada desde a estabilização da economia", diz a moradora de Pirituba, bairro na periferia de São Paulo. "Além do país não avançar, está atrasando. Não acho que o PT seja mais corrupto do que outros partidos, mas acho que eles não são bons de gestão da economia”, afirma.
Assim como Oliveira, muitos manifestantes apontaram as chamadas "pedaladas fiscais" como uma das principais razões para o impeachment. Esse foi o primeiro protesto desde que o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou a rejeição das contas do governo Dilma, em outubro.
"Jogar para frente as despesas para enganar o povo é crime de responsabilidade. Ela fez promessas e não cumpriu, mentiu durante as eleições sobre a situação das contas", disse Bezerra.
Patos e Pixulecos
A economia também era o tema de uma campanha da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que levou um pato inflável gigante e distribuiu balões na avenida. Com o lema "Não vou pagar o pato", a iniciativa é contra o aumento de impostos para cobrir o déficit fiscal do governo.
Além do pato, havia também bonecos gigantes de Dilma – que aparecia mascarada – e de Lula, vestido de prisioneiro. Apelidado de Pixuleco, o boneco do ex-presidente foi distribuído aos manifestantes pelos organizadores do protesto.
"Tem Pixuleco para todo mundo!", gritou um dos líderes do movimento Revoltados Online, do alto do carro de som. O grupo tinha até uma trilha sonora para o protesto, uma música de rock com a letra: "Impeachment, não tem como fugir, pede para sair".
Militares e policiais
Como em todas as outras manifestações pelo impeachment, grupos minoritários, como a União Nacionalista Democrática (UND) e Pátria Amada, reuniram manifestantes em torno dos seus carros de som em defesa de uma intervenção militar.
Em outros pontos da avenida, participantes tiravam selfies com a Polícia Militar – o que já é quase marca registrada das manifestações pró-impeachment. "Sou a pessoa mais apaixonada pela PM. Eles nos defendem e, mesmo ganhando mal, são competentes. É uma das melhores polícias do mundo", defende a biomédica Antonia Carvalho, de 60 anos, enquanto tira uma foto e come pipoca.
Perguntada se apoiaria um golpe militar, ela e o marido afirmam que sim. "Sou super a favor de intervenção militar", diz ela, enquanto se vira para o carro de som: "É o Lobão? Adooooro!"
Altos e baixos da trajetória política de Dilma Rousseff
Ela foi a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Antes disso, lutou contra a ditadura militar e foi ministra de Lula. Eleita, o adversário passou a ser a crise econômica e a pressão pelo impeachment.
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Contra a ditadura
Dilma Rousseff começou a vida política ainda jovem. No final dos anos 60, integrou organizações de combate à ditadura, até ser presa em janeiro de 1970 e torturada por mais de 20 dias. Quando deixou a prisão, no final de 1972, abandonou a luta armada e se mudou para o Rio Grande do Sul – onde se formou em Economia e ajudou a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Foto: AP/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Ao lado de Lula
Dilma se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 2001, enquanto era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, foi nomeada ministra de Minas e Energia. Em 2005, ela assumiu a chefia da Casa Civil no lugar de José Dirceu, após o escândalo do mensalão. A mudança marcou o início de uma reforma ministerial em meio à crise política.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
"Ministra linha dura"
Enquanto era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma anunciou a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 – que acabou não se desenvolvento tanto quanto o esperado –, e assumiu a direção de iniciativas como o programa Minha Casa, Minha Vida. Em 2009, apresentou o marco regulatório do pré-sal, definindo as regras para a exploração das recém-descobertas reservas de petróleo.
Foto: A. Nascimento/ABr
Luta contra o câncer
Em abril de 2009, a então ministra foi diagnosticada com câncer linfático. Após cirurgia para retirada do tumor e meses de radioterapia, Dilma anunciou estar curada em setembro do mesmo ano, já como pré-candidata do PT à sucessão de Lula. Na ocasião, falou à DW sobre o câncer: "Se você se desarmar diante da doença, ela vence. Mas, se não, percebe que a vida não acabou e que pode até ficar melhor".
Foto: AP
De coadjuvante a presidente
Em outubro de 2010, Dilma deixou se der coadjuvante no cenário político para se tornar sucessora das políticas do ex-presidente. Contra o tucano José Serra no segundo turno, ganhou a disputa com cerca de 55 milhões de votos válidos, e se tornou a primeira presidente mulher da história brasileira. Dilma assumiu o posto em 1º de janeiro de 2011.
Foto: AFP/Getty Images/Evaristo Sa
Primeiro discurso na ONU
"Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o debate geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna", disse Dilma na abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2011. Em seu discurso, exaltou o papel feminino na sociedade e na política, lamentou a ausência palestina e defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa
Demissão de ministros
Dos 39 ministros que integravam a equipe da presidente eleita, oito deixaram seus cargos nos primeiros 14 meses de mandato, após escândalos deflagrados principalmente pela imprensa. Sete deles vinham do governo Lula, com exceção do ministro do Turismo, Pedro Novais. Dos oito que caíram, apenas Nelson Jobim, então ministro da Defesa, não estava envolvido em denúncias de corrupção.
Foto: AP
Inclusão social
Ao longo do primeiro mandato, Dilma deu continuidade a programas sociais do governo Lula, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, e realizou o leilão do Campo de Libra, no pré-sal, destinando recursos para educação e saúde. Novos programas também foram criados, como Pronatec e Mais Médicos, este último alvo de duras críticas das entidades médicas, que responderam com protestos e paralisações.
Foto: picture alliance/AE
Corrupção na Petrobras
Em março de 2014, a Polícia Federal deflagou a Operação Lava Jato, que investiga um megaesquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e dezenas de políticos – entre eles, os ex-ministros Edison Lobão e Antonio Palocci. O escândalo na estatal serviu de munição aos candidatos de oposição contra Dilma durante a campanha eleitoral daquele ano.
Foto: AFP/Getty Images/K. Betancur
Eleições acirradas
Dilma foi reeleita presidente em 26 de outubro de 2014, com 54,5 milhões de votos no segundo turno. Foi uma das eleições mais disputadas da história, com diferença de apenas 3,5 milhões de votos para o segundo colocado, Aécio Neves (PSDB). A campanha eleitoral foi marcada por ataques, escândalos e a morte de um dos presidenciáveis, Eduardo Campos (PSB), substituído por Marina Silva.
Foto: picture-alliance/dpa/Sebastião Moreira
Protestos e reprovação recorde
As manifestações de junho de 2013 apenas respingaram em Dilma. Em 2015, por outro lado, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo Brasil para protestar especificamente contra o governo da presidente e os escândalos de corrupção. A gestão Dilma Rousseff, que chegou a ser aprovada por 73% dos brasileiros em pesquisa de 2011, viu essa taxa cair para 8% quatro anos mais tarde.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Orçamento com déficit
Em agosto de 2015, em guerra com o Congresso, o governo apresentou uma proposta de Orçamento para 2016 com previsão de déficit de 30,5 bilhões de reais, algo inédito. A decisão levou a agência de classificação de risco Standard & Poor's a retirar o grau de investimento do Brasil. Duas semanas depois, o governo anunciou o ajuste fiscal, aprovado pelo Congresso somente em dezembro.
Foto: picture-alliance/epa/F. Bizerra jr.
Pedaladas fiscais
No início de outubro, o Tribunal de Contas da União recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo, devido às chamadas "pedaladas fiscais". A decisão é usada pela oposição para fundamentar um pedido de impeachment. Para reduzir despesas, Dilma anunciou o corte de oito ministérios, a extinção de 30 secretarias em todas as pastas e a redução em 10% do salário dos ministros e do seu próprio.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Cunha: peça-chave do jogo político
Apesar de ser membro do PMDB, partido da base aliada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rompeu com o governo quando passou a ser investigado no escândalo da Petrobras. Em meio a denúncias de corrupção e ao aumento da pressão pela cassação de seu mandato, Cunha autorizou, em dezembro, o pedido de abertura de um processo de impeachment de Dilma. "Não me cabia outra decisão", afirmou ele.
Foto: reuters
Afastamento da presidência
Após cinco meses de debates acalorados e prolongadas sessões no Congresso – incluindo uma votação tumultuada na Câmara –, o processo de impeachment tem sua abertura aprovada pelo Senado em 12/05, marcando o ápice da mais grave crise política brasileira dos últimos tempos. Com isso, Dilma foi afastada da presidência por até 180 dias, enquanto enfrentaria julgamento por crime de responsabilidade.
Foto: Reuters/A. Machado
O impeachment
A etapa final do processo de impeachment – o julgamento no Senado – durou cinco dias, incluindo oitiva de testemunhas, a defesa pessoal de Dilma aos senadores e a votação final, que culminou no afastamento definitivo da petista da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis à cassação, ante 20 contrários. O Senado, porém, decidiu por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.
Foto: Reuters/J. Marcelino
Discurso de despedida
"É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo", disse Dilma, ao se despedir do cargo, em 31 de agosto de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Tentativa de se eleger ao Senado
Com os direitos políticos mantidos após o impeachment, Dilma concorreu ao Senado por Minas Gerais nas eleições de 2018. Ela recebeu 15,29% dos votos válidos, número insuficiente para se eleger, ficando em quarto lugar.
Foto: Reuters/W. Alves
Volta ao Congresso após o impeachment
Três anos após seu afastamento do cargo, voltou pela primeira vez ao Congresso em 4 de setembro de 2019, para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, que tem entre as principais bandeiras a luta contra as privatizações de estatais.