Apadrinhada da chanceler federal alemã pretende deixar cargo de presidente da União Democrata Cristã (CDU). A luta pela sucessão após a saída de Annegret Kramp-Karrenbauer pode impelir o partido para a direita?
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Enquanto uma tempestade violenta atravessava grande parte da Alemanha, um terremoto político abalava Berlim. Durante uma reunião da União Democrata Cristã (CDU), sigla de Angela Merkel, a líder partidária Annegret Kramp-Karrenbauer declarou aos delegados que não concorreria mais ao cargo de chefe de governo nas eleições gerais de 2021.
AKK – como também é conhecida a apadrinhada da chanceler federal alemã – disse que também deixaria o cargo de presidente da CDU – pois, como anunciou publicamente algumas horas depois: "Em minha opinião, o chefe do partido e seu candidato a chanceler federal devem ser a mesma pessoa."
O anúncio marca o reconhecimento por parte da política de 57 anos de que a luta pelo poder na CDU resultou numa clara perda de autoridade para a presidente do partido. AKK foi eleita 14 meses atrás como sucessora de Merkel, que permaneceu à frente do governo alemão. Foi um experimento para a CDU, que há décadas reunia as duas posições sob uma só pessoa.
Mas esse experimento foi um fracasso. Mesmo que Merkel tenha se mantido notavelmente fora dessa disputa de poder, AKK foi incapaz de reunir a força e a autoridade que a premiê incorporou por tanto tempo. Pelo contrário, sob AKK, a profunda divisão da CDU se tornou cada vez mais clara: enquanto uma ala buscava o retorno à política essencialmente conservadora, outra preferiu se concentrar no terreno do centro social-liberal – como Angela Merkel.
Inclinação liberal de Merkel
Kramp-Karrenbauer não durou muito tempo à frente da CDU depois de ter sido eleita em 7 de dezembro de 2018. Na época, ela foi basicamente vista como a escolhida de Merkel e derrotou dois adversários consideravelmente mais conservadores numa consulta restrita a membros do partido.
Numa discussão interna partidária, já estava claro que a CDU se encontrava numa encruzilhada. Durante 18 anos, Merkel liderou sua legenda, abrindo-a à esquerda e levando-a a assumir, de forma adaptada, muitas ideias anteriormente consideradas domínio dos social-democratas. A estratégia provou ser bem-sucedida: sempre que a CDU aplicava esse conceito, os índices de aprovação do Partido Social-Democrata (SPD) caíam.
Mas a abordagem também teve suas desvantagens. Por um lado, abriu uma lacuna para um partido à direita da CDU, um vazio que a populista Alternativa para a Alemanha (AfD) – que começou como um partido conservador antes de avançar cada vez mais para a extrema direita – rapidamente preencheu. Também levou a um contramovimento conservador dentro da CDU, que, sob o nome de "Werteunion" (União de Valores), está ganhando cada vez mais força e atenção.
CDU mais conservadora ou mais liberal?
No início, AKK tentou atrair a ala conservadora – sem sucesso. Uma das perguntas agora em aberto é se essa ala da CDU se tornará mais influente. Uma das figuras de proa dos conservadores é Friedrich Merz, ex-líder da bancada parlamentar da CDU/CSU (CSU ou União Social Cristã é a legenda-irmã da CDU na Baviera).
O advogado empresarial retirou-se da atividade política há mais de dez anos, devido a diferenças com Angela Merkel. Ele voltou em 2018, mas perdeu – por muito pouco – a liderança da CDU para AKK.
Outro sucessor potencial é o governador do estado da Renânia do Norte-Vestfália, Armin Laschet. Ele é considerado seguidor fiel de Merkel, sobretudo desde 2015, quando ela começou a sofrer grandes críticas por suas políticas migratórias.
Considerado pertencente à ala liberal da CDU, até agora Laschet manteve silêncio sobre se tem projetos para liderança do partido e candidatura ao cargo de chanceler federal. Ele disse que a CDU/CSU teria que fazer uma oferta convincente com base na "amplitude programática de nossas organizações partidárias e nas bases regionais das representações estaduais".
Segundo a líder do partido A Esquerda, Katja Kipping, se Merz se tornar o chefe, "a CDU logo estará em coalizão com a AfD". "A conquista de AKK foi blindar os conservadores contra uma guinada mais à direita, salvando assim a alma da CDU/CSU." Assim, a batalha pela liderança da CDU deve também se tornar uma disputa pelo futuro curso político partidário.
Essa disputa já veio à tona na Turíngia, estado situado na antiga Alemanha Oriental, onde o candidato do Partido Liberal Democrático (FDP), Thomas Kemmerich, foi eleito chefe de governo com os votos da CDU, FDP e AfD. A união das forças da CDU com a ultradireitista AfD provocou indignação em toda a Alemanha, sendo considerada uma quebra de um tabu de longa data. Uma visão compartilhada por muitos membros da CDU – mas não por todos.
Blindagem à direita e à esquerda?
Embora exista um consenso geral nos estados da antiga Alemanha Ocidental de que a única opção é uma rejeição estrita da AfD, na antiga Alemanha Oriental há muitos democratas-cristãos que desejam ativamente a cooperação política com o legenda ultradireitista, seja em que forma for.
No outro extremo do espectro político, também existem pontos de vista diferentes no Leste e no Oeste do país sobre como lidar com o partido A Esquerda. AKK deixou clara sua posição: "Nenhuma aproximação e nenhuma cooperação com a AfD e A Esquerda".
A AfD "contradiz tudo o que defendemos na CDU", disse ela em comunicado nesta segunda-feira (10/02). Mas acrescentou: "A história e as políticas do A Esquerda são absolutamente inconciliáveis com os principais pontos dos princípios da CDU. Uma cooperação da CDU com A Esquerda não pode acontecer."
AKK será capaz de manter essa linha partidária? Agora que ela anunciou sua intenção de renunciar, a solução se torna apenas temporária. Como ela terá êxito, se até agora lhe faltaram autoridade e poder? A conservadora natural do estado do Sarre dá a impressão de manter seu espírito de luta: "Eu era líder do partido, sou líder do partido e continuarei a ser no futuro próximo."
Quanto ganha um deputado federal alemão? E a chanceler Angela Merkel e o presidente Steinmeier? Além do salário, parlamentares e autoridades governamentais alemães têm vários outros benefícios.
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Salário da chefe de governo
Além de um salário de 18,7 mil euros, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, tem direito como membro do Parlamento à metade da "dieta" de um deputado federal, ou seja, 4,8 mil euros, como também a uma ajuda de custo livre de impostos de 3,3 mil euros e a outros benefícios. No total, sua remuneração chega a cerca de 28,8 mil euros mensais ou quase 345 mil euros (1,55 milhão de reais) anuais.
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Apartamento funcional
A chefe de governo também tem direito a uma residência completamente equipada. Na Chancelaria Federal (foto), no centro de Berlim, há um apartamento funcional no oitavo andar à sua disposição, mas Angela Merkel preferiu continuar vivendo em sua antiga moradia num prédio de quatro pavimentos onde mora com o esposo em frente à Ilha dos Museus, não muito longe do seu local de trabalho.
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Aviões governamentais
Um Airbus serve ao transporte aéreo da chanceler Angela Merkel e do presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier. Depois que panes em antigos aviões da frota governamental de 14 aeronaves levaram Merkel a chegar atrasada ao G20 em Buenos Aires no final do ano passado, o governo em Berlim anunciou a compra de três novos A350-900. Planeja-se também uma aeronave reserva sempre à disposição.
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Stylist, guarda-costas e motorista
Obviamente Angela Merkel tem uma assessora que cuida de seu visual, como também uma chefe de gabinete que trata de sua agenda. Sua proteção é assegurada por uma equipe de 15 a 20 guarda-costas, que trabalham em turnos. O motorista da chefe de governo dirige um Audi A8 blindado. A frota da Chancelaria Federal abrange 20 carros, todos de marcas alemãs: Mercedes, BMW, Audi e Volkswagen.
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"Dieta" de deputados
Na Alemanha, os 709 parlamentares em Berlim não recebem oficialmente um salário, mas um subsídio também chamado de "dieta". Atualmente, ela corresponde a 9.780 euros, mas é corrigida anualmente em 1° de julho, conforme o aumento do custo de vida. Neste ano, a "dieta" dos deputados federais alemães ultrapassará os 10 mil euros. Esse aumento também afetará as pensões dos parlamentares.
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Aposentadoria parlamentar
A cada ano no Bundestag, um deputado alemão tem direito a 2,5% de sua remuneração para sua aposentadoria, ou seja, mais de 251 euros em 2019. A taxa máxima de 67,5%, a ser paga a partir de 67 anos de idade, é alcançada após 27 anos de trabalho parlamentar. Junto a "dieta" e pensão, os parlamentares em Berlim também têm outros benefícios.
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Ajuda de custo e viagens de trem
Além de sua remuneração, cada parlamentar alemão recebe mensalmente uma quantia de 4.418 euros, livre de impostos e corrigida a cada 1° de janeiro. Ele serve para cobrir os custos incorridos no contexto do mandato político, como acomodação e refeições. Despesas de viagens oficiais são ressarcidas, e cada deputado tem direito a viajar gratuitamente de primeira classe em trens na Alemanha.
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Parentes às próprias custas
Os parlamentares também têm direito a atuais 21.536 euros mensais para despesa com funcionários. O dinheiro é pago diretamente aos empregados. Se o parlamentar empregar algum familiar, ele vai ter que pagá-lo do seu próprio bolso. O Parlamento também possui um serviço de motoristas que funciona dentro da cidade de Berlim e que pode ser requisitado pelos deputados caso necessitem.
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Ajuda de reinserção
Os deputados também podem exercer atividades paralelas à sua função no Bundestag, como em conselhos de empresas. O ganho proveniente de tais atividades não é descontado de sua remuneração parlamentar. Para cada ano de mandato, o deputado tem direito ainda a uma chamada "ajuda transitória" para sua reinserção na antiga profissão equivalente a 9.541 euros mensais, pagos até 18 meses.
Foto: Imago/Westend61
Remuneração ministerial
Segundo a União dos Contribuintes da Alemanha (BdSt), os ministros alemães ganham pouco mais de 15 mil euros mensais, mais uma ajuda de custo. Há ainda uma quantia anual livre de impostos de cerca de 3,7 mil euros. Aqueles com mandato parlamentar (atualmente 10 de um total de 15 ministros) ainda recebem uma parcela de sua "dieta" que faz elevar seus salários a mais de 20 mil euros.
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Voos comerciais
Uma decisão tomada este ano em reação às panes com aviões governamentais estipula que, com exceção do ministro do Exterior, do ministro das Finanças e do ministro do Interior, os demais membros do gabinete deverão recorrer a aeronaves comerciais para seus compromissos oficiais no exterior. Mas todos os ministros têm direito a um carro oficial, que também pode servir para uso particular.
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Ajuda e pensão
Já após um dia no cargo, um ministro tem direito a quase 71 mil euros em ajuda transitória pós-mandato, que pode ascender a 213 mil euros dependendo do tempo que ficou na pasta. E quem foi ministro por ao menos dois anos pode esperar aposentadoria, que é de 28% do salário para quatro anos de mandato. A cada ano adicional, a pensão aumenta 2,4 % até um máximo de 11,3 mil euros.
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"O primeiro homem no Estado"
Na Alemanha, o presidente é o principal cargo estatal, não é à toa que ele é chamado de "o primeiro homem no Estado", mas sua função é, sobretudo, representativa. O chefe de Estado é antes de tudo uma autoridade moral e sua influência vai depender de sua personalidade. Segundo o escritório presidencial, ele recebe um salário de 236 mil euros anuais mais uma ajuda de custo anual de 78 mil euros.
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Casa, carro e avião
O presidente alemão vive em residência oficial, que hoje está abrigada na Villa Wurmbach no bairro berlinense de Dahlem após reforma do escritório presidencial no Palácio Bellevue (foto); é guiado em limusine blindada com a placa "0-1" e tem uso privilegiado da frota de aviões governamentais. Os benefícios a que têm direito após deixar o cargo foram, no entanto, revisados após recente polêmica.
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Cortes de benefícios
A crítica se dirigia em primeira linha ao ex- presidente Christian Wulff (foto), que renunciou em 2012 após somente 20 meses no cargo, recebendo "soldo honorário" de mais de 200 mil euros anuais. Além de cortes no pessoal do escritório dos ex-presidentes, a partir deste ano, a pensão presidencial vai passar a ser descontada de ganhos provenientes de qualquer atividade que exercer após o mandato.