1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

"Parem de nos matar"

7 de dezembro de 2020

Família pede que mortes das meninas Emilly e Rebecca, baleadas enquanto brincavam na porta de casa, não virem apenas mais um número nas macabras estatísticas do Rio, onde uma criança é vítima de arma de fogo por mês.

Protesto pede justiça pela morte das duas meninas
Protesto pede justiça pela morte das duas meninas em Duque de Caxias. Elas eram primasFoto: Bruna Prado/AP Photo/picture alliance

"Parem de nos matar". Foi com esse lema que familiares lideraram, neste domingo (06/12), em Duque de Caxias, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, um protesto pela morte brutal das meninas Emilly e Rebecca, de 4 e 7 anos, baleadas enquanto brincavam na porta de casa. Moradores acusam a polícia, que nega. 

A morte das meninas, na última sexta-feira, causou uma onda de indignação num estado onde a polícia vem agindo com cada vez mais violência: as mortes pelas forças de segurança do estado do Rio, que já haviam batido recorde em 2019, voltaram a disparar nos últimos meses deste ano.

"Eles só sabem fazer isso, dar tiro", disse ao portal G1 a mãe de Emilly, Ana Lúcia Silva Moreira. Ela garante que os tiros que mataram sua filha e a prima partiram da polícia. "A minha filha levou tiro de fuzil na cabeça. Quando percebi, eu só peguei o documento. Porque eu já sabia, minha filha já estava estirada. A minha filha já estava morta. A minha sobrinha teve tempo de correr e morreu ao lado da caixa d'água da mãe dela."

Os moradores da comunidade do Barro Vermelho, no bairro Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, garantem que não havia confronto, nem operação policial, nem tiroteio na comunidade antes de as meninas serem mortas. A família de Rebecca conta que viu policiais atirarem da viatura em direção à rua e que não havia confronto com criminosos.

A polícia nega que agentes tenham feito disparos. A Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF) aprendeu cinco pistolas e cinco fuzis dos policiais que estavam na região no momento das mortes. Cláudio Castro, governador em exercício do Rio de Janeiro, prometeu uma resposta à sociedade civil.

"Justiça por Emilly e Rebecca"

As meninas eram primas. Estavam brincando na porta de casa, na comunidade Santo Antônio, quando foram mortas. Emilly Victoria Silva dos Santos, que faria 5 anos neste mês, foi baleada na cabeça. Rebecca Beatriz Rodrigues dos Santos foi baleada na barriga. Ambas foram enterradas no sábado, sob forte comoção.

"Ninguém pode perder um filho do jeito que a gente perdeu", afirmou o pai de Rebecca, Maycon Douglas Moreira Santos, em vídeo convocando para o protesto de domingo. "Meu sonho acabou. A morte destruiu minha família, acabou com todos os planos que a gente tinha com as meninas." 

Dezenas de pessoas compareceram ao protesto nas ruas de Duque de Caxias. A manifestação teve a participação de muitos familiares das crianças. Foram levados cartazes com "Justiça por Emilly e Rebecca" e "Vidas negras importam". Este bordão foi o mais entoado pelos manifestantes.

"Sempre que essas mortes ocorrem pensamos que tudo vai mudar, uma vez que a face mais hedionda da criminalidade no Rio é a morte por bala perdida desses meninos e meninas. Contudo, nada muda. Famílias permanecem desamparadas, a autoria dos homicídios não é elucidada, os assassinos não são punidos, e nenhuma transformação ocorre na política de segurança política", escreveu o presidente da ONG Rio da Paz, Antonio Carlos Costa, nas redes sociais. "Vale lembrar que quem morre são crianças pobres. Nisso reside a razão da indiferença por por parte das autoridades públicas."

A ONG acompanha os casos de crianças mortas vítimas de armas de fogo desde 2007. Ela contabiliza, desde então, 79 crianças vítimas da violência no estado do Rio de Janeiro, a maioria delas por balas perdidas. Com esses casos, só este ano, subiu para 12 o número de crianças mortas por armas de fogo no estado, uma por mês. Em 2019, sete crianças foram mortas a tiros.

"Minha neta era minha única neta. Era o meu tesouro. Foi muito esperada, muito desejada. E agora, quem é que vai me dar a minha neta de volta? Quem é que vai se responsabilizar pelo que foi feito? Ninguém. Sabe por quê? Porque eles não estão nem aí pra gente, nem aí para o ser humano", discursou durante o protesto Lídia da Silva Moreira Santos, avó de Rebecca e tia de Emilly.

Uma homenagem às meninas também foi feita pela ONG Rio de Paz. Uma coroa de flores foi colocada junto às placas com os nomes de Rebecca e Emilly no sábado, na Lagoa Rodrigo de Freitas, bairro nobre da zona sul da cidade, junto a outras de crianças mortas pela violência no Rio.

Rotina de mortes no estado

As mortes por intervenção de agentes do estado triplicaram em outubro (chegaram a 145) no Rio de Janeiro em relação a setembro (52) segundo dados do Instituto de Segurança Pública. O salto ocorreu apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal que, desde junho, proibia operações policiais em comunidades do estado durante a pandemia do novo coronavírus.

Como comparação, em abril, antes da medida do STF, quando o estado já estava sob medidas de isolamento social motivadas pelo novo coronavírus, foram 177 óbitos em decorrência de intervenções de agentes públicos, 43% a mais do que no mesmo mês no ano passado. Foi o equivalente a uma morte a cada quatro horas. 

No Rio, oito em cada dez operações policiais realizadas na Região Metropolitana em outubro resultaram em morte. O levantamento foi divulgado no relatório produzido pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF).

RPR/ots