1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Parisienses temem maior polarização religiosa

Erin Conroy (mp)9 de janeiro de 2015

O ataque à redação do semanário "Charlie Hebdo" pode aumentar ainda mais a distância entre a Europa e o Islã. Os muçulmanos temem retaliações e dizem que não são menos franceses que o resto do país.

Foto: DW/B. Riegert

Na quinta-feira (08/01), o líder da príncipal mesquita de Paris se encontrava com outros representantes de diversas confissões religiosas no pátio de sua casa. Quando o relógio marcou exatamente meio-dia, eles observaram um minuto de silêncio em memória das vítimas do ataque à redação do semanário satírico Charlie Hebdo. Todos sublinharam que o atentado não representa o que prega o Islã.

"Isto é um golpe em todos os muçulmanos", disse Dalil Boubakeur, o responsável pela Grande Mesquita de Paris, que também é presidente do Conselho Francês da Fé Islâmica. "Nós não podemos deixar os autores [deste atentado] - que não podem nem se chamar de muçulmanos – nos representarem ou criarem estes novos níveis de enfrentamento. Nós queremos apenas viver em paz."

Líderes muçulmanos em toda a França e no resto da Euorpa condenam de forma veemente o ataque ao Charlie Hebdo e se distanciam dos extremistas, com medo de represálias da extrema direita.

A França tem 5 milhões de muçulmanos entre seus 65 milhões de habitantes. O medo da chamada "islamização" cresce, assim como o medo de que o país fique polarizado, com os políticos de direita buscando culpar as minorias – como os muçulmanos – pela crise econômica contínua do país.

Os ataques caem como uma luva para os argumentos da direita francesa, que não consegue distinguir muçulmanos moderados de extremistas.

Uma interpretação para o recente tiroteio seria de que os terroristas querem fomentar o sentimento anti-islâmico a fim de dividir o país entre grupos pró e anti-muçulmanos. Alguns analistas acham que isto poderia levar os muçulmanos moderados a se radicalizarem e aderirem à guerra santa.

Le Pen, do partido de extrema direita Frente NacionalFoto: DW/M. Luy

Le Pen: a rejeição do fundamentalismo islâmico deve ser proclamada

A líder da Frente Nacional, Marine Le Pen – que é veementemente contra a imigração e adverte repetidamente o que chama de "a ameaça do Islã" – tem sido cotada para liderar o primeiro turno das eleições presidenciais em 2017. Na quinta-feira, ela postou um vídeo no site do partido rotulando o atentado ao Charlie Hebdo como "um ataque terrorista levado a cabo em nome do Islã radical."

Ela diz: "O tempo de negação e de hipocrisia acabou". Em outro trecho,destaca: "A rejeição absoluta do fundamentalismo islâmico deve ser proclamada de forma alta e clara."

Enquanto outros politicos de destaque procuram minimizar a dimensão religiosa do ataque, a retórica de Le Pen sobre a Europa e o Islã teve eco junto ao secretário-geral do partido de direita União por um Movimento Popular (UMP, na sigla francesa), Laurent Wauquiez.

"Existem pessoas que decidiram destruir a liberdade de expressão e destruir a sociedade democrática, e lutar contra a civilização ocidental", disse ele à estação de rádio judaica RCJ.

Ataque desencadeia reação islamofóbica

O ataque ao semanário Charlie Hebdo – o que mais matou pessoas na França nos últimos 50 anos – pode contribuir para aprofundar ressentimentos e colocar Le Pen e seu partido em destaque.

"Já foi desencadeada uma reação 'islamofóbica'", disse Oliver Roy, um antigo consultor do Ministério do Exterior francês e professor no Instituto Universitário Europeu, em Florença, na Itália. "Mas, mais do que isso, [o episódio] desencadeou uma busca crescente pelo esclarecimento da chamada questão da compatibilidade com o Islã. A população muçulmana é muito diversa – existem conservadores, mas a maior parte deles é secular – e não existe instituição que represente o Islã na França, o que os deixa incrivelmente vulneráveis."

Vários ataques a mesquistas foram reportados na quinta-feira, mas ninguém ficou ferido. Um homem foi preso por pichar a frase "morte aos árabes" em Poitiers, no Oeste do país, enquanto granadas de treinamento foram arremessadas nas dependências de uma área de culto em Le Mans. Um local de orações em Port-la-Nouvelle, na região sul de Paris, foi alvejado a tiros.

Enojada ao ouvir Le Pen

Asma Soldani – que trabalha na ONG global Iniciativas de Mudança, para ajudar na integração dos muçulmanos – disse temer a intensificação do sentimento anti-muçulmano.

"É repugnante ouvir aquelas coisas sem lógica que Le Pen e outros dizem", lamenta. "Estes homens [os atiradores] não são estrangeiros, são fraceses. O problema está na França. É esta divisão acentuada no país e nas instituições que fazem essas pessoas sentirem-se como se não fossem próximas o suficiente dos seus compatriotas."

Ataque a mesquita em Le MansFoto: Jean-Francois Monier/AFP/Getty Images

Neste sentido, Oliver Roy acredita que o modelo francês de multiculturalismo e integração falhou.

"No mínimo politicamente, não está funcionando", ele diz. "A nova elite de muçulmanos na França – pessoas altamente educadas, com bons empregos, como advogados e médicos – têm um problema de representação política. Não existe um partido político islâmico na França, por exemplo, então elas vão para os partidos políticos tradicionais. Mas lá elas não se inserem em posições onde possam eventualmente vencer eleições. Então há um progresso muito lento.

Cresce a preocupação com a divisão religiosa

Amouri Khaoula, da União das Organizações Islâmicas Francesas, diz que a preocupação com a divisão na França está se aprofundando. "Nós nos preocupamos com o fato de mais pessoas virem a acreditar que o Islã é uma ameaça, que os muçulmanos devem ser temidos."

É uma preocupação que pode ser ouvida constantemente entre os líderes muçulmanos. "Eu apenas espero que isso não divida a França", disse Hassen Chalghoumi, imã da mesquita de Drancy, no subúrbio de Seine-Saint Denis. "Isto servirá de combustível para as pessoas que querem provar que o Islã é uma grande ameaça neste país."

Maior comunidade muçulmana da Europa está em ParisFoto: Reuters

Líderes de outras confissões religiosas que apareceram na Grande Mesquista de Paris para mostrar o seu apoio na quinta-feira ressaltaram que toda a França foi afetada pelo ataque terrorista, inclusive os muçulmanos.

"Representantes das religiões do país – judeus, cristãos das igrejas protestante,católica, ortodoxa, muçulmanos e budistas – nós todos condenamos este ato hediondo que toca nossos corações e consciências", disse François Clavairoly, presidente da Federação Protestante da França.

"Os muçulmanos têm tanto medo dos terroristas quanto qualquer um"

Boubakeur, o responsável pela Grande Mesquista de Paris, convocou os imãs franceses a condenar a tragédia e falar sobre ela nas preces de sexta-feira. "Os muçulmanos estão com tanto medo dos terroristas quanto qualquer um", ele diz.

Um jovem participa do culto na mesquita. Ele se identifica apenas pelo primeiro nome: Mohammed, e destaca que é a sua nacionalidade que o define. "Eu sou francês – esta é a minha identidade, e é injusto que criem uma imagem de mim como sendo qualquer outra coisa", ele diz. "Eu sou francês e eu represento os valores franceses: liberdade, igualdade e fraternidade."

Pular a seção Mais sobre este assunto

Mais sobre este assunto

Mostrar mais conteúdo