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"Parlamentares devem ouvir Snowden em Berlim"

Nils Naumann (rc)11 de maio de 2014

Revelações do denunciante resultaram em inquérito na Alemanha sobre serviço secreto americano. Governo Merkel rejeita sua vinda para depor na CPI. Ex-jurista Heribert Prantl acha decisão errada e analisa aspectos legais.

Foto: picture-alliance/dpa

Edward Snowden, ex-consultor da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos, vive há meses em exílio na Rússia. Uma comissão de inquérito do Bundestag (câmara baixa do parlamento alemão), que investiga o escândalo de espionagem da NSA, gostaria que ele prestasse depoimento.

Porém a questão "onde" tornou-se um pomo da discórdia entre os membros da CPI e o governo federal. Enquanto os grupos de oposição defendiam que Snowden seja ouvido na Alemanha, os representantes dos partidos do governo (União Democrata-Cristã e Partido Social Democrático) manifestavam-se céticos.

O governo federal rejeita expressamente a vinda de Snowden, em nome do "bem do Estado". Segundo o parecer divulgado no início de maio, a presença do whistleblower na Alemanha para depor poderia causar danos graves e permanentes às relações entre Berlim e Washington.

O jornalista alemão Heribert Prantl já foi juiz e promotor público, e hoje dirige a editoria de política interna do jornal Süddeutsche Zeitung. Ele critica severamente a postura de Berlim no caso Snowden.

Deutsche Welle:Por que o senhor defende a vinda de Edward Snowden à Alemanha, para depor na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a NSA?

Heribert Prantl: Porque ele é a peça central da coleta de evidências. Snowden revelou as gigantescas operações de monitoramento, ele pode dar um sem número de informações sobre como transcorreram as interceptações, quem exatamente foi espionado, quais eram os critérios.

Heribert Prantl é redator de política interna do "Süddeutsche Zeitung"Foto: imago/Müller-Stauffenberg

Diz-se sempre que tudo já é conhecido. Se eu mesmo ainda fosse promotor público, me ocorreria uma infinidade de coisas que eu ainda gostaria de saber da testemunha-chave. Afirmar de antemão que ela já teria dito tudo o que pode dizer, é antecipar a avaliação das provas. Num processo de investigação e esclarecimento, tal coisa simplesmente não é permitida.

Não bastaria interrogar Snowden em Moscou? Não se poderia fazer lá as mesmas perguntas que em Berlim?

É preciso imaginar sob que condições se realizaria uma audiência assim. Quem estabelece o cenário é um governo russo em que não se confia especialmente. Isso pode ser difícil para a testemunha, pode criar situações de pressão.

Além disso, não será suficiente ouvir Snowden meio dia apenas. Ele é a testemunha-chave. De acordo com o andamento das audiências, pode ser que a CPI tenha que retornar repetidamente a ele. Não acredito que, para isso, a Comissão vá viajar a Moscou uma meia dúzia de vezes ou mais. Não é praticável.

É também uma situação indigna. Temos uma testemunha que revelou coisas de alta importância. E então, para interrogá-la, tem-se que viajar até um país com o qual atualmente se tem as maiores dificuldades, em decorrência da crise na Ucrânia. Acho, além disso, que Snowden mereceria algo melhor do que um asilo em Moscou.

Washington é um aliado importante de Berlim. O governo americano considera Snowden um traidor. Por que deveríamos arriscar uma crise séria nas relações Alemanha-EUA, a fim de interrogar esse homem?

A espionagem da NSA era – e é – um pesado ataque aos direitos fundamentais: cabe esclarecê-lo. Nem possíveis atritos nem a possível ira dos americanos devido ao interrogatório de Snowden devem ser motivos para renunciar. Acho perverso, do ponto de vista do Estado de direito, abrir mão desse esclarecimento, alegando o "bem do Estado" – como está formulado no parecer do governo federal à CPI.

O bem do Estado não é algo que o governo possa definir a seu belprazer. Seu cerne está na Constituição, nos direitos fundamentais e nos princípios do Estado de Direito. Tais princípios e direitos fundamentais são o que compõe o bem do Estado. Derivar algo mais a partir daí, como as relações teuto-americanas – declarando, assim, um ataque aos direitos fundamentais como algo de menor importância – eu considero pura e simplesmente anticonstitucional.

Merkel (e) e Obama em Washington, no início de maio: poucas menções à NSAFoto: picture-alliance/dpa

O Partido Verde alemão anunciou que entrará com processo no Tribunal Constitucional, caso não se permita que Snowden preste depoimento no pais. Quais são as chances de um processo assim?

Essa possibilidade existe, mas o Tribunal Constitucional é bastante cauteloso quando se trata de uma confrontação entre direito e política. Eu ficaria surpreso se o Tribunal se mostrar ativo e ofensivo – por exemplo, prescrevendo que o governo a conceda a Snowden um visto de entrada e demais salvo-condutos.

O parecer de um escritório de advocacia americano, realizado a pedido do governo alemão, sugere que os membros da CPI poderiam ser submetidos a processo penal pelos Estados Unidos, após terem interrogado Snowden. Quão grande é esse risco, de fato?

Não dou muito valor a pareceres encomendados, como esse. Eu acharia um absurdo submeter deputados eleitos democraticamente na Alemanha a persecução penal nos Estados Unidos, por terem cumprido seu dever de esclarecer.

Mas isso seria possível, em termos da lei?

Não acho que seja legalmente possível – se bem que os EUA já andaram fazendo coisas que não são possíveis do ponto de vista legal. Mas não consigo imaginar tal coisa, neste contexto. Seria uma afronta tão enorme! Não creio que os EUA iriam arriscar uma coisa dessas.

Como o senhor avalia a forma de a chanceler federal Angela Merkel lidar com o escândalo da NSA?

Quando veio a público que o celular dela tinha sido interceptado, de início Angela Merkel reagiu, corretamente, com severidade, dizendo ser algo inadmissível entre amigos. De lá para cá, ela vem banalizando a questão toda: não quer que esse seja um ponto de atrito com os EUA. Mas esse recuo está errado. A Alemanha e os Estados Unidos são parceiros na aliança ocidental: também entre bons parceiros é preciso deixar claro quando algo deixa de ser aceitável. Eu acho errado o governo federal se recusar a ouvir Snowden, e portar isso praticamente como um presente, durante a visita de Merkel aos EUA.

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