Pirataria e anonimato
23 de julho de 2010Os usuários de internet na Suécia poderão, num futuro próximo, ganhar mais anonimato online. Isso se deve a uma iniciativa dos membros do controverso partido Pirata sueco que, nesta semana, lançaram o Pirate ISP, um provedor de serviços de internet.
A empresa atuará como outro qualquer provedor, com apenas uma diferença: seus donos garantem maior anonimato ao usuário, por não armazenarem os IPs (protocolos de internet) de seus usuários - o número único de identificação de cada computador, celular ou outro dispositivo que se conecta à internet a qualquer momento.
Os endereços de IP vêm sendo usados na execução de processos jurídicos em todo o mundo, a fim de identificar pessoas que fazem downloads de cópias ilegais ou que violam os direitos autorais online. "Queremos fazer com que a escolha do serviço de provedor de internet tenha mais uma conotação política", explicou à Deutsche Welle o diretor do ISP, Gustav Nipe, de 21 anos.
Assim como Nipe, cerca de 90% dos numerosos primeiros clientes em teste da empresa, sediada na cidade de Lund, são membros do Partido Pirata sueco. Em seu site, o partido diz ser a favor da reforma da legislação sobre direito autoral, da abolição do sistema de patentes e favorável ao direito à privacidade.
Críticos argumentam, contudo, que o Pirate ISP está apenas tentando encontrar meios, dentro da lei, de conduzir atividades ilegais – principalmente ao proporcionar às pessoas uma forma anônima de dividir pela internet arquivos ilegais de filmes, músicas e softwares.
Atividades do partido
"Não importa. Todo mês acontece algo do gênero. Todos os adeptos da pirataria estão tentando se esconder", diz Henrik Ponten, representante do escritório sueco Antipirataria.
O Partido Pirata filiou-se recentemente ao The Pirate Bay, um site que fornece ao usuário links de arquivo torrent e que podem ser usados para baixar cópias ilegais ou outras mídias pirateadas.
Os fundadores suecos do The Pirate Bay foram condenados, no ano passado, a um ano de prisão e ao pagamento de uma multa de mais de três milhões de euros, por terem auxiliado outras pessoas a burlar leis de direitos autorais. O grupo está apelando da decisão judicial.
No começo deste mês, os líderes do Partido Pirata afirmaram que se ganhassem cadeiras no Parlamento sueco, no segundo semestre deste ano, iriam abrigar o site Pirate Bay dentro do Parlamento, protegendo-o desta forma de outros processos. Atualmente o Partido Pirata sueco não tem representantes no Parlamento nacional, mas conta com dois deles no Parlamento Europeu.
Ponten acredita que o ISP será considerado ilegal quando, por força da lei, tiver que apresentar os endereços de IP no caso de algum processo jurídico. Não está claro o que pode acontecer, caso o ISP não tenha as devidas informações para fornecer.
Ponten acredita, contudo, que mesmo se a empresa se mantiver dentro da lei, ela não vai contar com o apoio da sociedade sueca. "Se eles forem bem-sucedidos, significa que qualquer pessoa que cometer um delito tenderá a procurá-los. Se for esse o caso, então o problema não será só nosso, mas de todo mundo. Haverá uma razão forte para que a sociedade faça algo contra esse serviço de provedor de internet, já que a sociedade nunca aceitaria que o ISP seja um porto seguro para atividades criminosas", argumenta Ponten.
O jovem diretor do ISP, porém, diz que a empresa não está tentando fomentar um comportamento ilegal. "O Pirate ISP não é voltado para o compartilhamento de arquivos, ele está preventivamente agindo contra a Diretriz de Retenção de Dados", diz Nipe.
A Diretriz de Retenção de Dados, conhecida formalmente como diretiva 2006/24/EC, é uma legislação da União Europeia aprovada pelo Parlamento Europeu em 2006. A norma exige que os Estados-membros do bloco armazenem dados de telecomunicação num período de seis a 24 meses, incluindo endereço de IP e horário de cada e-mail, chamada telefônica e mensagem de texto.
A diretriz precisa agora ser aprovada por cada membro da UE e o processo continua em andamento. Alguns países, incluindo Romênia e Alemanha, disseram que a adequação da norma europeia às suas leis nacionais é inconstitucional. Acredita-se que a Suécia, ao contrário, aprove a medida no segundo semestre deste ano, mais ou menos na mesma época das eleições parlamentares no país.
Briga legal
Segundo observadores, o Partido Pirata sueco e o Pirate ISP parecem estar se preparando intencionalmente para uma batalha legal. "A lei diz que se você tem informação, como provedor de internet, você é obrigado a fornecê-la. Mas se você não dispõe dessa informação, então não há como fornecê-la", analisa Maerten Schultz, professor de Direito da Universidade de Estocolmo, em entrevista à Deutsche Welle. "E eles ainda não são obrigados a guardar essa informação", acrescenta o especialista.
O quadro pode mudar, todavia, se a lei sobre retenção de dados passar pelo crivo do Parlamento sueco no segundo semestre deste ano. Schultz acrescenta que um argumento legal poderia ser, nesse caso, usado: o de que a futura legislação de retenção de dados não seria concomitante com o artigo 8 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, que garante a todos os cidadãos europeus o direito à segurança e à privacidade.
"Se você estiver procurando um desafio constitucional, esta será exatamente a forma pela qual você vai olhar para a questão", diz Danny O'Brien, coordenador de advocacia e internet do Comitê de Proteção dos Jornalistas. "Você quer manter um negócio já existente e quer uma razão para desafiar o status quo. Isso vai depender da forma como a lei irá definir de que forma lidar com as pessoas que não se sujeitarem a ela", completa O'Brien.
Segundo ele, este é "exatamente o tipo de batalha que os políticos do Partido Pirata querem apresentar". Para os cidadãos, individualmente, é difícil adotar diretrizes da União Europeia por sua próprias pernas, pondera O'Brien. Por isso talvez o Partido Pirada e o Pirate ISP estejam tomando essa atitude.
"A Corte Europeia de Justiça recebe reclamações dos Estados, e, se você quiser desencadear um debate a respeito - ao transpor a problemática para seu próprio país ou ao forçar seu país a levar uma causa à Corte - essa acaba sendo, de fato, uma forma corajosa e interessante de tomar as rédeas do assunto", conclui O'Brien.
Autor: Cyrus Farivar (np)
Revisão: Soraia Vilela