Paul Kagame, o impiedoso reconciliador de Ruanda
7 de abril de 2014A economia floresce em Kigali, capital de Ruanda. Por todas as partes, grandes canteiros de obras demonstram o dinamismo do pequeno país africano, que 20 anos atrás foi palco de um cruel genocídio. Outra característica é a ordem: não se vê sujeira nem lixo nas ruas. Sacos plásticos são proibidos no reino do presidente Paul Kagame.
Ele é o arquiteto do impressionante crescimento de Ruanda e, ao menos em seus primeiros anos de governo, um parceiro bem recebido pelos países ocidentais. Um homem de ação, bem ao gosto do ex-presidente americano George W. Bush, por exemplo.
"Eu admiro o seu compromisso com a educação e a sua compreensão de que o melhor caminho para o desenvolvimento é dar as boas-vindas a investidores privados", disse Bush. E o ex-presidente alemão Horst Köhler elogiou a busca por progresso tecnológico de Kagame. "São planos ambiciosos no rumo certo."
Kagame também está convencido das virtudes de sua própria política. "Eu não vejo nenhum motivo para que eu não deva ganhar a eleição", afirmou o presidente ruandês, em 2010, antes da eleição presidencial.
De qualquer maneira, o general que pôs um fim ao genocídio em 1994 não teve de temer nenhum rival de verdade, tanto na eleição de 2003 como na de 2010. Alguns candidatos promissores não foram nem mesmo autorizados a concorrer ao pleito. Outros foram misteriosamente assassinados. Um envolvimento do governo nunca pôde ser comprovado. Mas Kagame nunca fez questão de esconder a sua posição quanto à democracia: "Não é segredo que a África tem muitos problemas a resolver. O maior problema da África não é a democracia, mas a pobreza e a dependência, que causa o subdesenvolvimento."
O sucesso de um exilado ruandês
O projeto de Kagame para Ruanda é o de um exilado. Pouco antes de o país se tornar independente, em 1962, ele fugiu com a mãe para o vizinho Uganda, quando ainda era um menino. Como membros da classe dominante dos tutsis, que receberam tratamento especial durante a colonização belga, eles temiam atos de vingança por parte da maioria da população, de etnia hutu. De fato, no início dos anos 1960 houve ondas de perseguição e violência contra os tutsis.
Criado no ambiente pobre dos campos de refugiados de Uganda, o menino magro desenvolveu um forte senso de Justiça e uma grande ambição. Como um jovem adulto, ele se uniu, inicialmente, à rebelião de Yoweri Museveni em Uganda e participou da queda do ditador Milton Obote. Museveni tornou-se presidente, e Kagame passou a ser chefe da inteligência militar. Na esteira de uma estreita cooperação com os EUA, ele frequentou na época a academia militar em Fort Leavenworth.
Era grande o número de refugiados ruandeses em Uganda. Além de Kagame, outros refugiados ruandeses também chegaram a importantes posições no governo de Museveni. Juntos, eles formaram a Frente Patriótica Ruandesa (FPR), que tentou enfraquecer o regime em Ruanda com métodos de guerrilha.
Então veio o genocídio. Uma elite hutu de Ruanda incitou a população contra a minoria tutsi. Durante três meses, no início de 1994, soldados e civis assassinaram, saquearam e estupraram. Foi a hora de a FPR entrar em ação.
Orientados por Kagame e treinados profissionalmente em Uganda, os combatentes da FPR partiram para o golpe de libertação. Kagame conseguiu agir onde a comunidade internacional havia falhado e onde até mesmo as forças de paz da ONU observavam com impotência a situação. Em julho de 1994, a FPR assumiu o controle de Kigali. O governo deposto fugiu para o então Zaire, hoje República Democrática do Congo.
O medo da ameaça externa
Desde então, Kagame mantém o controle firme do país. A princípio, ele ocupou o cargo de vice-presidente e ministro da Defesa. Mas observadores concordam que o presidente Pasteur Bizimungu foi somente uma marionete entre os anos de 1994 e 2000. Depois da renúncia de Bizimungu, o próprio Kagame tornou-se chefe de Estado.
Com a ajuda internacional, ele investiu em educação e infraestrutura. Em entrevista à Deutsche Welle, em 2008, disse que seu país seria um dos mais estáveis da região e que, 15 anos após o genocídio, os ruandeses teriam se reconciliado.
O presidente, porém, não se livrou até hoje de um medo: o de que a população hutu na República Democrática do Congo – parte dela é composta de genocidas e seus descendentes – venha um dia a contra-atacar e se apoderar de Ruanda. Assim, ele justifica regularmente a presença de soldados ruandeses no país vizinho. Mesmo após o acordo de paz entre os dois países, em 2002, o conflito continua. "Retiramos as tropas ruandesas do Congo, mas a outra parte do problema ainda existe: as milícias e os ex-soldados ruandeses no Congo", disse Kagame em 2004.
Principalmente devido à sua política frente ao Congo, a relação de Kagame com os doadores ocidentais deteriorou-se ao longo do tempo, além das críticas à situação dos direitos humanos em Ruanda. Em 2011, o governo alemão suspendeu sua ajuda financeira ao país. Pouco tempo depois, os recursos voltaram a fluir de outra maneira.
"Só uma questão de tempo"
Incerto continua o tamanho do poder de Kagame do outro lado das fronteiras de seu país. No movimento rebelde M23, liderado pelos tutsis e que tumultuou a República Democrática do Congo em 2012 e 2013, os observadores veem ingerência do governo ruandês, mesmo que isso seja veementemente negado em Kigali.
Patrick Karegeya, o ex-chefe do serviço secreto que Kagame acusou de traição, foi encontrado estrangulado na véspera do Ano Novo de 2014 num hotel na África do Sul. As circunstâncias da morte não foram esclarecidas. Mas, pouco após o assassinato, Kagame fez uma ameaça pública que para muitos é mais clara do que qualquer prova: "Não se pode enganar Ruanda e pensar que se vai escapar ileso", disse o presidente. "Também aqueles que [o fizeram e] ainda estão vivos verão: é só uma questão de tempo."