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Paulo Lins: "O Brasil é um país em guerra"

Marco Sanchez16 de outubro de 2013

Escritor do aclamado "Cidade de Deus" defende discurso do colega Luiz Ruffato em Frankfurt, diz que declaração sua sobre racismo foi mal interpretada por jornal alemão e critica a homofobia na sociedade brasileira.

Paulo Lins ganhou reconhecimento internacional com seu romance "Cidade de Deus"Foto: STR/AFP/Getty Images

Não foi só Paulo Lins que ganhou o mundo. O escritor levou junto com ele uma parte muito importante de sua história, o violento bairro onde cresceu no subúrbio carioca. Seu primeiro romance, Cidade de Deus, lançado em 1997, foi um sucesso literário internacional graças à bem-sucedida adaptação cinematográfica do cineasta Fernando Meireles.

O sucesso do livro levou Lins por outros caminhos, mas sempre seguindo sua paixão: a escrita. Desde o lançamento de Cidade de Deus, ele escreveu diversos roteiros para o cinema e a televisão, onde também atuou como diretor. Um caminho trilhado desde a infância, quando escrever era o maior prazer do menino que observava a violência, o tráfico e os intensos conflitos sociais da periferia.

Lançado recentemente na Alemanha, seu mais recente livro, Desde que o samba é samba, procura resgatar momentos da formação cultural brasileira através do samba e da umbanda. Com um enredo que mistura ação, aventura, sexo, violência e amor, o autor conta uma história ficcional com personagens reais, envolvidos na fundação do primeiro bloco de Carnaval da escola de samba Deixa Falar.

Depois do lançamento do livro em Frankfurt, ele partiu em uma série de leituras por algumas das mais importantes cidades alemãs. Em entrevista à DW Brasil, Lins falou sobre racismo, violência, política e sua paixão pelo samba e pela umbanda.

DW Brasil: Como surgiu a ideia para o seu mais recente livro, "Desde que o samba é samba"?

Paulo Lins: Queria escrever sobre como o negro se inseriu na sociedade brasileira. Depois de 400 anos de escravidão, deveria ter sido por meio do mercado de trabalho, mas isso não aconteceu. Essa inserção se deu através da cultura, mais especificamente do samba e da umbanda. No entanto, a cultura negra só ganhou força quando começou a ser organizada em um grande centro urbano, no caso o Rio de Janeiro.

Autor cresceu em Cidade de Deus, no subúrbio cariocaFoto: DW/S.Cowie

Foi um longo processo de pesquisa?

Meu trabalho de ficção sempre parte de um extenso trabalho de pesquisa. Foram cinco anos de pesquisa e mais cinco para escrever o livro. Eu pesquisei sobre o samba e a umbanda e contratei duas historiadoras para fazerem a pesquisa sobre a época e sua situação política. Parti desses dados históricos para construir uma história de ficção cheia de ação e aventura, mas sobretudo esse é um livro de amor. Não só entre os personagens, mas amor ao samba e à umbanda. Acredito que esse é um romance que vai mostrar um Brasil que muito pouca gente conhece.

Você tem uma relação forte com o samba?

Minha primeira relação com a arte foi fazendo samba, aprendendo a tocar, a sambar e, sobretudo, a escrever. Eu sempre escrevi. Comecei corrigindo letras de samba-enredo para os sambistas e acabei fazendo os meus próprios sambas. "Estou" escritor, mas sou sambista de coração.

Qual a importância do samba e da umbanda na emancipação do negro no Brasil?

Em toda a periferia carioca, os sambistas e as mães de santo eram líderes de suas comunidades, Eles eram muito respeitados. Quando os negros começaram a votar, os políticos tiveram que negociar votos com esses líderes culturais e religiosos. A cultura se tornou poder político.

Como você vê a situação dos negros no Brasil hoje?

Já existe uma maior inserção na sociedade, mas ainda há muitas dificuldades e racismo. A polícia ainda mata muitos negros, principalmente jovens. O Brasil é um país em guerra. Morre muito mais gente no Brasil do que no Oriente Médio, na briga entre muçulmanos e judeus.

Você acredita que houve discriminação na seleção dos autores para a Feira do Livro de Frankfurt?

Edição alemã de "Desde que o samba é samba"Foto: DW/C. Krippahl

Eu dei uma entrevista no Brasil para um jornal alemão e disse que havia racismo no Brasil, mas eu não estava me referindo à seleção. Queria dizer que os negros não estão em posições de destaque, mas em classe classes sociais inferiores. Essa lista é o resultado disso. A maioria dos escritores no Brasil são brancos, como a maioria dos médicos, empresários e políticos. Existem grandes escritores negros no Brasil, mas a seleção foi um reflexo do nosso mercado literário.

O que você achou do polêmico discurso do Luiz Ruffato na abertura da feira?

Eu defendi o Rufatto. Ele abriu e eu encerrei a feira, fazendo do discurso dele minhas palavras. A verdade tem que ser dita para podermos mudar. O Brasil é um país com tantas injustiças sociais e violência. Isso precisa ser dito e discutido.

Quando "Desde que o samba é samba" foi lançado no Brasil, você também recebeu críticas por divulgar que Ismael Silva era homossexual.

Acho bom o Brasil saber que o pai do samba era homossexual. O Brasil é um país homofóbico, que não aceita os homossexuais. Essa informação não era importante para a história do samba, mas fiz questão de colocar em prol da liberdade sexual, para que as pessoas não sejam assassinadas pela sua sexualidade. Mostrar que o pai do samba era homossexual foi uma atitude política.

Como está sendo seu giro pela Alemanha?

Fui muito bem recebido pelos organizadores, público e imprensa, não só em Frankfurt, mas também em Hamburgo e Colônia. Essa é minha terceira visita ao país. Os alemães gostam muito dos brasileiros. Sinto-me muito querido aqui. Amo Berlim. Acho que a cidade é o futuro da Europa. Estou muito feliz por estar aqui.

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