'Contratos do comerciante'
2 de maio de 2009Na realidade, foi inspirada num escândalo bancário na Áustria que Elfriede Jelinek escreveu sua peça Kontrakte des Kaufmanns (Contratos do comerciante) – uma prestação de contas com instituições fraudulentas e pequenos investidores crédulos.
Porém o teatro da cidade de Colônia queria, de qualquer jeito, encenar a peça. E, ainda durante os ensaios, a dramaturga e prêmio Nobel de Literatura foi entregando novas passagens. Difícil uma peça que seja mais atual. E que faça mais furor.
Contagem regressiva
Logo de início, o diretor Nicolas Stemann nos esclarece que esta já é a terceira estreia: cada noite é diferente da anterior. O elenco lê o texto à primeira vista, explica, a montagem emprega uma "máquina de execução textual". A coisa soa trabalhosa.
Um mostrador digital no lado superior esquerdo do palco exibe o número 99. Quer dizer: 100 páginas de texto menos uma. Trata-se de uma contagem regressiva. Nas próximas horas, folhas de manuscrito vão voar pelo chão, ao fim elas cobrirão todo o palco. Quando o placar chegar a zero, teremos conseguido.
Não estão previstas pausas, em compensação pode-se sair para o foyer a qualquer momento, pela porta aberta. Meus vizinhos estão bem humorados – como eu. "Eu sei que vou ter que ficar sentada três horas e meia, mas acho que dá", diz a senhora. "Estou aberto para surpresas", diz seu acompanhante.
"Seu capital vive bem"
A cena está abarrotada de adereços: mobiliário, aparelhagem técnica, um cabideiro, microfones, instalações de vídeo. Um "Coro dos pequenos investidores" entra em cena, um "Coro dos anciãos" entoa: "Ai, ai, ai!".
As primeiras páginas passam rápido, logo o mostrador está em 90. Primeiro aplauso na página 86. Gosto do texto de Jelinek, sempre tive um fraco por seu sarcasmo, seu veneno, suas formulações buriladas.
Página 76: no palco, os atores usam máscaras de lobo. Vozes sedutoras nos asseguram: "Seu capital vive bem, numa pequena ilha, lá ele não está sozinho. Seu dinheiro está conosco, você pode visitá-lo a qualquer hora". Como uma cascata, o texto de Jelinek jorra sobre a plateia. Eu preciso urgentemente de movimento.
Êxodo gradual
Página 58: algumas fileiras se esvaziam, as pessoas saem da sala. Talvez porque na cena alguém acabou de dizer: "O dinheiro tem fome"!? Os primeiros espectadores retornam, trazendo cerveja.
Página 51: êxodo em massa. Eu saio junto. O foyer da pausa está cheio de gente procurando descanso. Hora de um balanço parcial.
A primeira espectadora a que me dirijo é funcionária bancária, pertencendo, portanto, ao grupo dos atingidos. Três horas e meia de insulto aos bancos? Para ela, chega, não vai esperar o fim da peça.
Entre os demais, opiniões contrastantes. Alguns estão irritados com as muitas repetições textuais, outros acham boa a diversão. Outros têm até um pouco de vergonha. "Eu me senti como uma ovelha", comenta uma espectadora.
Vigas e balões
De volta à sala de espetáculos, dou-me conta de que perdi 15 páginas! Então, primeiro orientar-me. Ah! Agora eles usam máscaras de papelão, modelo Obama, modelo Ackermann. Acompanhados por sons de zumbidos e danças de dervixes. A costura da calça de um esperto banqueiro teatral arrebentou no tumulto.
Página 32: atentado máximo contra os tímpanos. Gigantescas vigas de ferro se chocam no palco. E aí – alívio – lindos balões de gás pairam silenciosos no ar. Mas, ah, o tranquilo voo não dura muito. Com um alto estrondo, logo o primeiro balão já exala a alma.
A peruca de Elfriede
Página 19: minha atenção se dispersa um pouco. Não vá esmorecer agora! Meus vizinhos tampouco dão sinais de fraqueza.
Página 2: exaustão. Mas também a certeza de haver participado de uma noite de teatro fora do comum. "Desça do seu cavalo de arrogância!", nos conclama a autora. Não, para isso eu realmente não estou mais em condições.
Mas, como todos os outros, eu me levanto de um salto e aplaudo – foi realmente fantástico! Mas o diretor Stemann exibe uma peruca feminina, com topete e marias-chiquinhas... então... se essa não é... mas claro! Elfriede Jelinek! Quer dizer que ela está mesmo conosco, pelo menos simbolicamente.
Autor: Cornelia Rabitz
Revisão: Rodrigo Abdelmalack