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Pedras em calçadas lembram vítimas do nazismo

13 de novembro de 2012

O artista alemão Gunter Demnig iniciou o projeto Stolpersteine há 20 anos e já aplicou 35 mil placas em 750 cidades. Sua ideia: manter a memória no local onde o horror começou, diante da casa das vítimas.

Foto: DW/R. Arnold

Rosas brancas e cravos vermelhos emolduram duas brilhantes placas de latão no pavimento diante da casa da Thomasiusstrasse 23, em Leipzig. Ao lado, ardem quatro velas. Uma jovem mãe para, troca algumas palavras com sua filhinha, aponta para as placas afixadas há pouco no chão. Em seguida, prosseguem lentamente.

Só se pode ficar imaginando o que a mãe disse à criança. Possivelmente ouviram-se palavras tristes, como Holocausto, deportação, campo de concentração, assassinato covarde. Mas talvez a moça tenha apenas dito que a menina ainda é muito nova para essas coisas, e tenha simplesmente lido em voz alta os dizeres sobre as duas pedras:

Aqui moraram Leopold e Malka Rabinowitsch, fuga em 1939 para a Letônia, Riga, deportados e assassinados em 1941.

Vinte anos de tropeços

Uma hora antes, apesar do frio e da garoa desse dia de novembro, um grupo de pessoas esperava diante da mesma casa por Gunter Demnig. De chapéu, colete de trabalho e lenço vermelho no pescoço, pontualmente às 10h ele desce de sua van, abre caminho até a porta da casa e, sem hesitação, começa a cavar um buraco na calçada, com uma pequena picareta.

Gunter Demnig, o pai da ideiaFoto: DW/R. Arnold

Anos atrás, o artista de Colônia já colocara nessa calçada uma Stolperstein ("obstáculo", literalmente: "pedra de tropeçar") para um antigo morador. Agora ele cimenta mais duas para o casal Rabinowitsch. A operação dura pouco mais de dez minutos. Um curto momento de silêncio, uma discreta reverência, e Demnig recoloca suas ferramentas no veículo.

O projeto Stolpersteine é ideia dele. Somente nesta manhã, ele fixou 13 pedras na cidade saxônia de Leipzig, e ainda faltam mais oito. Ao longo de 20 anos, Demnig já fixou mais de 35 mil placas de latão em 750 cidades e lugarejos. Não apenas na Alemanha, mas também na Polônia, na Áustria, na Ucrânia, na Hungria e em mais meia dúzia de países europeus, todos lugares onde a Alemanha nazista semeou morte e destruição, prendendo e deportando.

A família Burson (esq.) e os jovens patronos de LeipzigFoto: DW/R. Arnold

Horror começava em casa

O artista de 65 anos colocou sua primeira pedra em dezembro de 1992, movido pelo "mal-estar quanto a esses memoriais grandiosos, onde uma vez por ano se joga uma coroa de flores", como ele próprio descreve. Geralmente a homenagem não vai mais longe, e além disso tais locais costumam ficar fora das cidades.

Já as suas pedras da memória estão a olhos vistos, diretamente na porta de entrada das antigas residências daqueles que não sobreviveram ao nazismo. Elas relembram sobretudo vítimas judaicas, mas também já foram colocadas algumas para integrantes de etnias ciganas.

É quase impossível passar sem vê-las. "O horror começou no local onde essas pessoas foram detidas", diz Demnig. O Holocausto, o extermínio dos judeus, começou em meio às comunidades, onde vizinhos desapareciam para nunca mais voltar. Hoje em dia é difícil acreditar que quase ninguém notasse esses acontecimentos.

Visita de Nova York

Nesta manhã de novembro, Bunny Burson observa atenta as atividades de Demnig. Ela viajou especialmente de Nova York para a cidade no Leste alemão. Trata-se de um momento de grande emoção para a norte-americana de 64 anos: Leopold e Malka Rabinowitsch eram seus avós.

"É maravilhoso isso, aqui e agora, embora a causa seja algo terrível. Com seu projeto, Gunter Demnig constrói uma ponte entre o passado e o futuro", comenta Burson. A mãe dela, hoje com 93 anos, não queria que ela viesse à Alemanha. Em 1938, a mãe conseguiu fugir do país por pouco: os pais dela organizaram seu visto de viagem e pretendiam reunir-se a ela logo depois.

Mas eles nunca chegaram à América: devido à sua fé judaica, foram deportados em 1941 para Riga e assassinados pelos nazistas. Até hoje não há na Letônia nem um túmulo, nem um memorial para sua família, menciona Bunny com lágrimas nos olhos, mas com um sorriso nos lábios.

"Finalmente temos um local de recordação, isso é maravilhoso para nossa família. E estou muito orgulhosa que esses jovens estejam aqui para preservar a memória."

"Pedras de tropeçar" lembram que, naquele local, moravam judeus assassinados pelos nazistasFoto: DW/R. Arnold

Jovens padrinhos

Carla e Simon, ambos de 14 anos, estão um pouco afastados. Eles são dois dos jovens a que se refere Burson, pois assumiram a patronagem dessas duas Stolpersteine, um presente de seus pais.

De início, ambos acharam a ideia um pouco estranha, mas depois se acostumaram. Há quase um ano eles se ocupam intensamente com a história familiar dos Rabinowitsch, pesquisaram em arquivos e até mesmo receberam centenas de velhas cartas de Nova York, as quais os pais enviavam à sua filha refugiada.

"Foi um horror, uma história triste", comenta Carla. A intenção dos pais dela, com esse presente, era despertar nela um senso da história da Alemanha. E parece que funcionou.

As velas ao lado das pedra de Demnig tremulam ao vento, as rosas e cravos ficaram molhadas pela chuva, que agora cessou. Os primeiros raios do sol caem sobre a casa número 23. Uma canção se faz ouvir, no som morno e suave de violão.

O pai do projeto já se foi. Ainda há muitas pedras da memória a plantar neste dia e também nos próximos anos. Enquanto sua forma física permitir, Demnig pretende continuar aplicando suas pequenas placas de latão. Por essa ideia, ele receberá em 2 de dezembro de 2012, em Hamburgo, o Prêmio de Incentivo Marion Dönhoff.

Autoria: Ronny Arnold (av)
Revisão: Alexandre Schossler

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