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"Pela primeira vez, vamos ouvir os sons de Marte"

18 de fevereiro de 2021

Com ajuda de brasileiro que trabalha na Nasa, robô chega ao planeta vermelho para buscar evidências de vida. Em entrevista, o engenheiro de MG fala sobre a missão e o fascínio exercido por Marte.

Ilustração mostra o rover Perseverance, da Nasa
Ilustração mostra o rover Perseverance, da NasaFoto: NASA/JPL-Caltech/picture alliance

Nesta quinta (18/02), o rover Perseverance pousou na cratera Jezero, em Marte. Ele será o quinto robô-jipinho a explorar o planeta vermelho. Sua missão vai ser procurar evidências de material orgânico genuinamente marciano e comprovar se já houve, ou se ainda há, algum tipo de vida lá.

O sucesso dessa empreitada depende do trabalho executado por um brasileiro, o engenheiro Ivair Gontijo. "Fui o engenheiro responsável por todas as interfaces entre o instrumento SuperCam [que conjuga câmeras, laser e espectrômetro] e o veículo", conta ele.        

Nascido na pequena cidade de Moema, em Minas Gerais, ele foi técnico agrícola e trabalhou em uma fazenda até ingressar no mundo científico. Graduou-se em Física na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde também acabou fazendo o mestrado. Em seguida, morou na Escócia, onde doutorou-se em Engenharia Elétrica pela Universidade de Glasgow. Tornou-se funcionário da Nasa, a agência espacial americana, em 2006.

Seu primeiro projeto na Nasa foi liderar o grupo que desenvolveu os transmissores, os receptores e o conversor de frequências do radar do rover Curiosity, que chegou a Marte em 2012. Não é exagero dizer, portanto, que Gontijo é o brasileiro que já "chegou" mais perto do solo marciano.

Ivair Gontijo: "Pode ser que Marte venha a ser a segunda morada da espécie humana. E esse futuro possível tem de começar a ser construído agora."Foto: Privat

Em 2018, o engenheiro publicou em livro sua história – descrevendo como sua trajetória contribui para a saga humana em busca do conhecimento extraterrestre. Publicado pela editora Sextante, A Caminho de Marte: A Incrível Jornada de Um Cientista Brasileiro até a Nasa acabou ganhando o prêmio Jabuti. Conforme ele contou à reportagem, uma tradução em inglês da obra deve ser lançada em breve.

Gontijo atendeu à DW Brasil no fim da tarde da última sexta-feira, em meio às expectativas pela chegada do rover Perseverance ao planeta vermelho, que, segundo ele, deve permitir que a humanidade ouça sons de Marte pela primeira vez. 

Sobre um futuro mais distante, ele aposta que ainda estará vivo para ver a chegada dos primeiros humanos ao planeta vermelho. "Pode ser que Marte venha a ser a segunda morada da espécie humana. E esse futuro possível tem de começar a ser construído agora", afirma.

DW Brasil: Quais são as expectativas em torno do trabalho do Perseverance?

Ivair Gontijo: Ele é o quinto equipamento que se move já mandado para Marte. E tem uma missão diferente. Enquanto o Curiosity [que iniciou os trabalhos em 2012] estava seguindo a água, ou seja, procurando ambientes habitáveis em Marte, o Perseverance vai seguir o carbono. A ideia é achar material orgânico genuinamente marciano. Quando encontrarmos isso, vamos coletar amostras e colocar em tubinhos de metal. Eles vão ser selados e deixados na superfície de Marte. Se tudo der certo, uma missão futura pode ir para Marte, colocar essas amostras em um pequeno foguete e disparar para a órbita marciana. Então uma terceira missão poderia coletá-las e trazer para a Terra. Essas duas missões futuras possivelmente serão feitas em conjunto pela ESA e pela Nasa [respectivamente, as agências espaciais europeia e americana], daqui a mais ou menos uma década. Aqui na Terra, essas amostras poderão ser analisadas em laboratório.

O Perseverance deve procurar vida em Marte?

O objetivo é procurar sinais de vida. A gente não espera vida presente, mas quem sabe? Vamos procurar. Vamos descobrir sinais claros de que houve vida, nem que seja microbiana, no passado, analisando as rochas sedimentares. Encontrar amostras de material orgânico serão sinais de vida microbiana no planeta Marte. 

Qual sua participação no projeto?

Trabalho diretamente neste projeto desde 2015. Fui o engenheiro responsável por todas as interfaces entre o instrumento SuperCam [que conjuga câmeras, laser e espectrômetro] e o veículo. O instrumento foi construído por uma colaboração internacional entre França, Espanha e Estados Unidos. Trabalhei com esse grupo de cientistas e eu os representava nas conversas com meus colegas [da Nasa] que estavam projetando o veículo – e vice-versa. Isso garantia que ia ter volume suficiente para montar todas as partes do veículo, que a massa do instrumento não seria acima do limite, que ia haver eletricidade suficiente para funcionar, que o software do instrumento funcionaria com o software do veículo e um milhão de detalhes assim. [O SuperCam] é um instrumento interessante porque dispõe de cinco técnicas diferentes para procurar materiais orgânicos em Marte. Além disso, tem microfone. Pela primeira vez vamos ouvir os sons do planeta Marte: dos ventos, do veículo se movendo. E, quando dispararmos nosso laser contra as rochas marcianas, vamos ouvir a onda de choque criada.

O que falta para o ser humano finalmente pisar em Marte?

A tecnologia está sendo desenvolvida para isso. Por exemplo: com essa missão do Perseverance, damos um passo importante. Quando essas amostras forem trazidas à Terra, em torno de 2030, 2031, teremos demonstrado a [viabilidade da] viagem completa, viagem de ida e de volta. De certa forma, estamos, sim, preparando o caminho para os seres humanos chegarem a Marte. Outra coisa também é que um dos instrumentos vai sugar o CO2 da atmosfera marciana e quebrar a molécula, produzindo oxigênio. Mais um dos pequenos passos que têm de ser dados para que um dia o ser humano chegue a Marte. Eu acredito que estarei vivo para ver a chegada dos primeiros humanos a Marte.

O que mais o fascina em Marte?

É um planeta fascinante por muitos motivos. Os desafios ainda são gigantescos para se chegar a Marte, mesmo com missões não tripuladas – com missões tripuladas vai ser ainda mais difícil. Mas é como se fosse um irmão pequeno da Terra. Marte já foi muito parecido com a Terra no passado distante. Depois virou esse planeta desolado, gelado. Mas, de certa forma, ainda é muito parecido com a Terra: tem atmosfera, embora rarefeita; é um local onde a gente vê, com fotos orbitais, detalhes na superfície que indicam claramente que houve água líquida.

Entender um planeta assim é algo muito importante para a humanidade. E a humanidade inteira sempre foi fascinada: será que houve ou será que há vida em Marte no momento? Ainda não temos resposta, mas se continuarmos insistindo, um dia ela [essa pergunta] vai ser respondida. […] Não podemos esquecer que o ser humano é um bicho dotado de curiosidade. Queremos conhecer, queremos entender. E temos de pensar que, num futuro distante, pode ser que o planeta Marte venha a ser a segunda morada da espécie humana. Isso é profundo, isso é enorme. E esse futuro possível tem de começar a ser construído agora.

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