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Pentágono quis invadir o Brasil

Entrevistado por Geraldo Hoffmann (via telefone)

Vargas era neutralista na Segunda Guerra, mas teve de ceder à pressão dos EUA. Ele aproveitou para negociar e obter vantagens. Graças a ele, o Brasil é hoje um país industrializado, diz professor Moniz Bandeira.

Moniz Bandeira: 'CIA recrutou ex-agentes nazistas'Foto: Correio Braziliense

Em entrevista à DW-WORLD sobre os 60 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, o professor Moniz Bandeira, da Universidade de Brasília, avalia as posições adotadas pelo Brasil durante o conflito. O autor do livro Relações Perigosas – Brasil e Estados Unidos fala da influência norte-americana sobre o Exército brasileiro, a entrada de fugitivos nazistas no país e da recente descoberta dos diários de Mengele em São Paulo. Ele afirma que tanto os EUA quanto a União Soviética aproveitaram ex-agentes nazistas no pós-guerra.

DW-WORLD: O que significou e/ou ainda significa o dia 8 de maio de 1945 para o Brasil?

Moniz Bandeira: O dia 8 de maio significou para o Brasil o que significou para todo o mundo: o fim de uma guerra que devastou as cidades na Alemanha, comprometeu quase todos os países do mundo e envolveu também o Brasil, que mandou tropas para a Itália. É uma data significava, porém não desperta interesse especial no Brasil, porque já se passaram mais de 60 anos. Não há motivo para festejar nem para chorar nessa data, por se tratar de uma era completamente superada.

Quais foram os motivos que levaram o governo Vargas (no Estado Novo) a oscilar entre o apoio ao III Reich, a neutralidade no início da guerra e, por fim, sua entrada nos combates ao lado dos Aliados?

EUA entraram na guerra após ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941Foto: AP

O governo Vargas era neutralista, mas sabia perfeitamente que o Brasil não poderia manter-se nessa posição se os Estados Unidos entrassem no conflito. O Brasil dependia das exportações de café, e o café, do mercado americano. Vargas aproveitou a situação para negociar com os Estados Unidos e obter vantagens, principalmente a instalação de uma siderúrgica no Brasil. Houve uma negociação. Os americanos pretendiam instalar bases no litoral do Brasil, particularmente no Nordeste, para defender o Atlântico Sul, porque os alemães já estavam no noroeste da África.

Os EUA já estavam se preparando para entrar na guerra. Não foi Pearl Harbor que levou os EUA a entrar na guerra. Pearl Harbor apenas foi o pretexto, provocado pelo presidente Roosevelt, que fora informado sobre o ataque e deixou que acontecesse. Como o Pentágono quis invadir o Brasil, a fim de instalar tais bases, houve um alarme tanto no governo brasileiro quanto no governo americano. Os militares brasileiros, entre eles o ministro da Guerra, Marechal Dutra, o general Goes Monteiro, chefe do Estado-Maior, eram pró-Alemanha e iriam reagir. Roosevelt sabia que haveria essa reação, os alemães atravessariam o Atlântico e a guerra entraria no Brasil. Então ele negociou com Vargas, que permitiu a construção das bases, sob a condição de que os Estados Unidos concedessem um crédito para a instalação de uma siderúrgica no Brasil, um país com abundantes jazidas de ferro, que queria transformar o ferro em aço e criar uma indústria de bens de capital, uma indústria pesada, para impulsionar seu processo de industrialização.

Roosevelt se dispôs a fazer esse investimento para evitar que fosse feito pela Krupp (empresa alemã), com quem Vargas estava também a negociar. Vargas criou então uma empresa estatal – a Companhia Siderúrgica Nacional – e o governo americano, coisa que nunca havia feito, concedeu o crédito, porque a United Steel não queria fazer o investimento. Depois do bombardeio de Pearl Harbor, o Brasil rompeu relações com a Alemanha, cujos submarinos, depois, começaram a torpedear os navios brasileiros. Foi por isso que Vargas entrou na guerra contra a Alemanha. Mas não entrou em guerra contra o Japão. A declaração de guerra foi só contra a Alemanha e a Itália, por causa dos torpedeamentos.

A política de Vargas foi correta. Graças a ele, o Brasil é hoje um país industrializado, porque pôde implantar o maior complexo siderúrgico da América Latina, que começou a funcionar em 1946. O Brasil, com abundantes jazidas de ferro e uma indústria de bens de consumo já bem desenvolvida, pôde desenvolver uma indústria de bens de capital, o setor que permite a auto-sustentação e a autotransformação do capitalismo, e assim ganhou extraordinário impulso, o boom dos anos 50, época em que justamente os capitais alemães para lá fluíram, porque não podiam ir para o Leste Europeu, subordinado ao regime comunista, e temiam uma guerra atômica na Europa. Já no tempo de Vargas, em 1953, começaram os entendimentos para a instalação das fábricas da Volkswagen e da Mercedes Benz, cujos investimentos amadureceriam durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek, nos anos 1957–59.

Em seu livro Brasil, Argentina e Estados Unidos. Conflito e integração na América do Sul, da Tríplice Aliança ao Mercosul, 1870–2003, o Sr. analisa, entre outros assuntos, a manutenção de um vínculo tardio argentino à Inglaterra em contrapartida às relações intensas entre Brasil e Estados Unidos no contexto da Segunda Guerra Mundial. Que conseqüências teve o fim da Segunda Guerra para as relações do Brasil com seus vizinhos da América do Sul, principalmente diante da determinação dos EUA de exercer hegemonia direta sobre o continente? Os pracinhas da FEB foram lutar na Europa para mostrar quem manda na América do Sul, modificando o jogo de forças na região?

Angra II: negociações para transferência da tecnologia nuclear começaram logo após a Segunda GuerraFoto: AP

A FEB foi para a Itália no 5° Exército dos Estados Unidos, e lá sofreu a influência dos americanos. No contexto da Guerra Fria, houve uma divisão no Exército brasileiro: mais ou menos 20% eram anti-Vargas e anticomunistas, outros 20% de esquerda e uma grande maioria nacionalista, mas com medo do comunismo. Isso influiu na política brasileira durante os anos 50. A CIA, criada em 1947, começou a ter uma atividade dentro do Brasil, inclusive para desestabilizar o governo Vargas, por causa da indústria petrolífera e atômica que ele quis implantar.

Por meio da "black propaganda", agitou as Forças Armadas contra Vargas, que havia implantado a Petrobrás e negociado com os cientistas alemães a transferência da tecnologia de enriquecimento de urânio, por meio das últimas centrífugas fabricadas clandestinamente na Alemanha. A CIA descobriu esse fato, e o Alto Comissariado Aliado impediu o embarque das ultracentrífugas para o Brasil, no porto de Hamburgo em 1954.

Em relação à Argentina, o Brasil saiu fortalecido, não por causa da Guerra propriamente dita e, sim, porque a Inglaterra declinou. Como a Argentina dependia das exportações de trigo e carnes para o mercado inglês, ela não conseguiu dar um salto no seu processo de industrialização. Perón, quando tentou, foi muito tarde; não pôde jogar com as contradições internacionais. O setor agrário argentino era muito mais forte que o brasileiro porque a burguesia industrial brasileira era ao mesmo tempo ligada à agricultura, à plantação de café, ao passo que na Argentina nunca houve essa ligação entre os dois setores. A indústria argentina estava em mãos dos empresários de origem italiana.

O forte interesse do governo brasileiro em atrair agricultores, técnicos e operários especializados alemães para o projeto de desenvolvimento nacional logo após a guerra, mencionado em seu livro O Milagre Alemão e o Desenvolvimento do Brasil, favoreceu a entrada clandestina de fugitivos nazistas no país? As autoridades brasileiras foram coniventes nesse ponto, como parece ter ocorrido, pelo menos em parte, na Argentina e no Paraguai?

Capa do livro 'O Milagre Alemão e o Desenvolvimento do Brasil', de Moniz Bandeira

Não, eles foram independentemente disso. Os poucos fugitivos nazistas que foram para a Argentina, Paraguai e Brasil não tiveram muito significado lá. Nem foram através da importação da mão-de-obra. Além do mais, foram poucos os técnicos recrutados para o Brasil, bem menos por exemplo do que os alemães que foram para os Estados Unidos. A CIA, que na época ainda se chamava OSS, recrutou seus agentes entre os integrantes do serviço secreto alemão, da Gestapo. Inclusive o chefe do serviço secreto dos EUA na Alemanha, logo depois da guerra, era um ex-agente do tempo do nazismo. Todos os agentes secretos da CIA na Alemanha foram recrutados nessa base porque, quando previu que a luta ia ser contra a União Soviética, a CIA tratou de recrutar os nazistas. E muitos foram para os Estados Unidos. Também a União Soviética, através da Alemanha Oriental, aproveitou muitos militares do tempo do nazismo.

Capa do livro 'Relações Perigosas: Brasil – Estados Unidos', de Moniz Bandeira

Já no caso do Brasil, não há nenhuma ligação entre a busca de mão-de-obra qualificada na Alemanha e a entrada clandestina de fugitivos nazistas no país. Quanto a isso, a documentação de Mengele encontrada recentemente no Brasil – que eu ainda não conheço – não deve conter novidades. Trata-se de correspondência de pós-guerra, porque ele não levou documentos para lá, ele saiu fugitivo da Alemanha. Durante a guerra, sim, houve atividade nazista no Brasil, inclusive com serviço de espionagem, por conta do partido nazista, proibido em 1937. E grande parte da colônia alemã no Brasil era simpatizante do nazismo, mas isso não teve maior importância. Não só os descendentes alemães e, sim, muitos brasileiros eram simpatizantes do nazismo. Isso não porque fossem pró-nazismo por convicção, mas sim porque eram contra a Inglaterra e os EUA. O nacionalismo na América Latina sempre foi basicamente, essencialmente, anti-americano. Daí porque tomou uma conotação esquerdista, como foi o caso de Vargas no Brasil e de Perón na Argentina no contexto bipolar da Guerra Fria, em que ser antiamericano parecia ser pró-soviético, ainda que não o fosse.


Luis Alberto Moniz Bandeira é professor titular de História da Política Exterior do Brasil na Universidade de Brasília e autor de mais de 20 obras sobre as relações dos Estados Unidos com o Brasil e a América Latina. Uma delas é Relações Perigosas: Brasil – Estados Unidos (Editora: Civilização Brasileira, 2004). Sobre as relações da Alemanha com a América Latina escreveu, por exemplo, O Milagre Alemão e o Desenvolvimento do Brasil (editora Ensaio, 1994).