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Perdão a Alan Turing vem com seis décadas de atraso

25 de dezembro de 2013

Matemático britânico se tornou herói da Segunda Guerra ao decifrar Código Enigma dos nazistas. Condenado por "indecência" na década de 1950, ele foi agora perdoado pela rainha.

Foto: National Portrait Gallery

Na contramão da aparente onda internacional de retrocesso na tolerância à homossexualidade, o governo do Reino Unido anunciou uma medida de peso simbólico: o matemático e criptoanalista Alan Turing (1912-1954) recebeu postumamente o perdão da rainha Elizabeth 2º, 61 anos após ter sido condenado por "indecência".

O cientista nascido em Londres conta entre os heróis da Segunda Guerra Mundial por ter decifrado o Código Enigma, utilizado pelos nazistas em suas comunicações. Em declaração publicada nesta terça-feira (24/12), o ministro britânico da Justiça, Chris Grayling, informou que o decreto real tem efeito imediato. Ele acrescentou que o perdão é um tributo a "um homem excepcional, com uma mente brilhante".

"Faltam 50 mil perdões"

Com o perdão oficial, o governo britânico respondeu a uma petição contendo mais de 37 mil assinaturas. Normalmente esse tipo de indulto só é concedido no Reino Unido quando a pessoa é inocente de um crime que constava dos estatutos na época da condenação; e quando o requerimento é feito por alguém com interesse direto, tal como um membro da família. No caso de Turing, o perdão foi concedido sem que nenhuma dessas condições tenha sido preenchida.

Para Peter Tatchell, um dos mais destacados defensores dos direitos dos homossexuais no Reino Unido, o indulto póstumo já estava "mais do que na hora". Entretanto, o ativista lembrou que mais de 50 mil outros homens ainda esperam por uma reparação como essa.

"É errado privilegiar Turing só porque ele é famoso. Ao contrário de Alan, vários milhares de homens gays e bissexuais que foram condenados pela mesma lei nunca receberam perdão, e nunca receberão", alertou o político nascido na Austrália em 1952.

Herói de guerra

Computador operado por Alan TuringFoto: University of Manchester

Segundo o primeiro-ministro David Cameron, a decodificação das mensagens trocadas entre os nazistas teria salvado "incontáveis vidas". "Alan Turing foi um homem admirável, que desempenhou um papel-chave ao salvar seu país, desvendando o Código Enigma dos alemães. Ele também deixou um legado nacional notável, através de suas substanciais conquistas científicas, sendo frequentes as referências a ele como pai da moderna computação."

Atualmente é consenso que, com oo trabalho de criptoanálise – realizado no hoje célebre centro de Bletchley Park, a noroeste de Londres –, Turing conferiu aos Aliados uma vantagem decisiva contra os nazistas. As informações obtidas foram essenciais para combater a ofensiva alemã no Norte da África, ou em ajudar os navios aliados a escapar de submarinos nazistas no Oceano Atlântico.

Estudiosos como David Leavitt, autor de uma biografia do cientista, chegam a declarar que a quebra do Código Enigma abreviou a Segunda Guerra; ou até mesmo que, sem Turing, os Aliados talvez não tivessem saído vencedores. "Isso é altamente especulativo, mas não acho que a contribuição de Turing deva ser subestimada: ela foi imensa."

Leavitt também enfatizou a importância do gesto simbólico de Londres, no atual momento de recrudescimento da intolerância sexual no mundo, quando a Rússia e a Índia, por exemplo, endurecem suas legislações homofóbicas.

Cidadão "indecente" e suicida?

Mesmo antes da guerra, Turing já postulara ideias a respeito da inteligência artificial que iriam servir de base à moderna computação. Depois de 1945, ele passou a lecionar na Universidade de Manchester e participou da programação dos primeiros computadores, além de desenvolver o primeiro jogo de xadrez eletrônico do mundo.

Máquina utilizada para decifrar o Código EnigmaFoto: Picture-Alliance / Photoshot

Apesar do papel crucial na vitória aliada, durante décadas o governo britânico se recusou a reconhecer a contribuição de Turing, alegando sigilo militar. Devido a seu relacionamento com outro homem, em 1952 ele foi condenado por "grave indecência" – o mesmo veredicto proferido contra o escritor Oscar Wilde, em 1895.

O matemático foi submetido a vigilância ostensiva e forçado a um tratamento hormonal com estrogênio, com o fim de reprimir seus impulsos sexuais. Alan Turing morreu em 7 de junho de 1954, dias antes de completar 42 anos de idade. Uma corte definiu suicídio como causa oficial. No entanto, esse veredicto tem sido questionado.

AV/dpa/afp/rtr/ap

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