Embora exilados comemorem a morte de seu antigo carrasco, no enfraquecido campo da oposição cubana há pouca esperança de mudança e nenhuma estratégia coerente para uma vida sem o "máximo líder".
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Na manhã posterior à notícia da morte de Fidel Castro, a famosa blogueira cubana Yoani Sánchez fotografou o nascer do sol numa Havana ainda sonolenta. Era a primeira manhã sem o homem que determinou cada detalhe da vida de gerações inteiras em Cuba.
Cuba sem Fidel Castro, Cuba sem o "máximo líder", algo impensável até agora. Mas é a realidade. Sánchez escreveu sobre nervosismo nas forças de segurança e cubanos incrédulos, que se recusam a acreditar nas notícias levadas pelo chefe de Estado, o general Raúl Castro, a seus compatriotas, por meio da televisão.
Sánchez pertence à pequena parcela da população cubana que se atreve publicamente a manifestar resistência ao líder revolucionário. A blogueira foi ameaçada por forças de segurança, cuspida e humilhada. Ela paga por sua coragem com isolamento, degradação oficial e ódio. Agora, a "geração Sánchez" espera que, finalmente, algo mude em Cuba. Há alguns anos Sánchez opera seu blog 14ymedio, popular sobretudo entre os exilados cubanos e estrangeiros, pois os próprios cubanos não têm acesso à internet.
Oposição emigrou
Não sobrou muito da oposição cubana. Oswaldo José Payá, um dos políticos de oposição mais proeminentes, morreu há quatro anos num misterioso acidente de carro. Até hoje, a família dele fala em atentado. Muitos outros não resistiram à tremenda pressão da inteligência interna cubana e optaram, após anos de prisão, por uma vida no exílio.
Entretanto, a partir de Miami ou Madri, eles quase não têm influência sobre o desenvolvimento político em Cuba. Na mídia estatal, eles não têm lugar e, por causa da falta da internet, não conseguem alcançar seus compatriotas.
Até mesmo as líderes do movimento pelos direitos civis Mulheres de Branco estavam em Miami nesses dias históricos, participando de uma cerimônia de inauguração de uma rua que leva o nome do grupo, a Damas de Blanco Way.
Embora muitos exilados cubanos tenham comemorado a morte de seu antigo carrasco, no enfraquecido campo da oposição em Cuba há pouca esperança e nenhuma estratégia coerente para uma vida sem Fidel Castro.
Resistência à dominação externa
O Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel adverte contra expectativas demasiado exageradas. Em entrevista à DW, o argentino diz não acreditar que haverá mudanças rapidamente. "Cuba tem o direito de autodeterminação, e acho que as portas também vêm se abrindo um pouco. Cuba sempre teve de resistir a uma agressão, e o embargo ainda não foi abolido."
O argentino, que resistiu ele mesmo a uma ditadura durante o regime militar na Argentina, vê principalmente o medo dos comunistas de interferências de fora como um freio ao desenvolvimento. "Depois de mais de 50 anos de resistência, é preciso respeitar o fato de Cuba ainda querer resistir a uma dominação vinda de fora."
Em Havana, o domingo é tradicionalmente o dia em que a oposição celebra sua resistência. As Damas de Branco fazem uma marcha dominical silenciosa pelas ruas da cidade, pela democracia e a liberdade, depois da missa na Igreja de Santa Rita de La Habana.
No entanto, neste domingo (27/11), elas decidiram cancelar o protesto, pela primeira vez em 13 anos. "Não queremos dar ao governo motivo algum para interpretar isso [o protesto] como uma provocação", acrescentou Berta Soler, líder do grupo, em entrevista ao jornal Diário de Cuba, editado em Miami.
A vida de Fidel Castro em imagens
Mesmo após abdicar do poder, Fidel Castro permaneceu sendo uma presença marcante. Não só em Cuba: admirado ou atacado, o líder revolucionário merece integrar a seleta galeria dos grandes mitos da política mundial.
Foto: AP
Educação jesuítica
Esta foto data de 1940, época em que Fidel Castro estudava no Colégio de Dolores, dirigido por jesuítas. Aos 14 anos, ninguém poderia prever como transcorreria sua biografia. Ainda assim, ele se destacava entre seus companheiros em Santiago de Cuba, sobretudo pela inteligência e aptidão oratória.
Foto: picture-alliance/dpa/Jose Maria Patac
Aluno destacado
Nascido no povoado cubano de Birán em 13 de agosto de 1926, Fidel Castro Ruz queria chegar longe. Seus pais, imigrantes da Galícia, eram bem estabelecidos, e Fidel desfrutou de uma boa educação. Esta foto é de 1945, quando finalizou o bacharelado. O anuário do colégio o descreve como um "aluno destacado e bom esportista". Cinco anos mais tarde, formava-se como advogado.
Foto: AP
Luta contra Batista
Sua candidatura como deputado, em 1952, foi frustrada pelo golpe de Estado do general Fulgencio Batista. Tendo tentado combatê-lo nos tribunais, Castro logo passou à luta armada. Depois do assalto fracassado ao quartel de Moncada, da prisão, anistia e temporada no exterior, ele retornou clandestinamente a Cuba. Em Sierra Maestra, onde começou a luta de guerrilhas, foi tirada esta foto, em 1958.
Foto: AP
A Revolução triunfa
Vitórias dos guerrilheiros custaram a Batista o apoio militar e o forçaram a fugir. Em 1º de janeiro de 1959, a Revolução celebrava vitória. No mês seguinte, Castro foi nomeado primeiro-ministro pelo novo presidente, Manuel Urrutia. Devido a diferenças com o líder revolucionário, ele renunciou em meados do ano, sendo substituído em Havana por Osvaldo Dorticós, que confiou o poder a Fidel Castro.
Foto: AP
Baía dos Porcos
A tensão entre Cuba e os EUA aumenta à medida que as desapropriações na ilha afetam os interesses americanos. Washington responde com embargo amplo, e em 3 de janeiro de 1961 rompe relações diplomáticas com Havana. Em abril, 1.500 exilados cubanos apoiados pela CIA desembarcam na Baía dos Porcos, com o intento de derrubar Castro. Este dirige a contraofensiva, e a invasão fracassa após três dias.
Foto: AP
Crise dos mísseis
"Não sei se Fidel é comunista, mas eu sou fidelista", dizia Nikita Krushchev em 1960. Moscou reatou relações diplomáticas com Cuba, interrompidas desde 1952, e incrementou seu apoio. A descoberta pelos EUA de bases nucleares soviéticas na ilha desencadeou a "crise dos mísseis". A URSS só cedeu com a promessa de John Kennedy de não invadir Cuba e também de desmontar as bases americanas na Turquia.
Foto: imago/UIG
Laços na América Latina
O episódio da Baía dos Porcos acelerara a proclamação do caráter marxista-leninista da Revolução Cubana. Em resposta, a OEA expulsou de suas alas o país, isolando-o. Mas não indefinidamente, pois a esquerda avançava em outros Estados da América Latina. Em 1971, Fidel Castro foi recebido pelo presidente chileno Salvador Allende (foto), que dois anos mais tarde seria derrubado por Augusto Pinochet.
Foto: AFP/Getty Images
Hora de Perestroika
A ascensão de Mikhail Gorbatchov ao poder, em 1985, marcou uma nova era em Moscou, de Glasnost e Perestroika. A "Cortina de Ferro" começou a ser perfurada, até se despedaçar; o império soviético acabou por cair. Sem sua principal base de sustento no exterior, Cuba precipitou-se em aguda crise. Milhares tentaram fugir para Miami em botes precários. Para muitos, era certo o fim do regime castrista.
Foto: picture-alliance/dpa
Visita papal
Um decreto do papa Pio 12 proibia a todos os católicos apoiar os regimes comunistas. Em consequência, o Vaticano havia excomungado Fidel em janeiro de 1962. Com o fim da Guerra Fria, contudo, chegou também o momento da reaproximação. Em 1996, Castro visitou João Paulo 2º, que lhe retribuiu a visita dois anos mais tarde, num gesto considerado histórico.
Foto: picture-alliance/AP/Michel Gangne
Jimmy Carter em Cuba
Houvera poucos momentos de distensão em Washington e Havana desde1962, quando os EUA impuseram seu embargo comercial, econômico e financeiro a Cuba. Um dos poucos sinais nessa direção foi a viagem do ex-presidente americano Jimmy Carter em 2002, com o fim de encontrar pontos de aproximação. Mas seus esforços tampouco trouxeram mudanças substanciais a Havana.
Foto: Adalberto Roque/AFP/Getty Images
Nova cara da Revolução
A partir da década de 90, Cuba deixou de ser vista como perigosa exportadora de revoluções. Com a estrepitosa queda do Bloco Soviético, as ideologias de esquerda naufragavam. Mas, na Venezuela, assumiu ao poder um dirigente disposto a propagar o que denominava de "Revolução Bolivariana": Hugo Chávez, admirador declarado de Fidel, ofereceu a Havana respaldo efetivo, além de apoio econômico.
Foto: picture-alliance/dpa/dpaweb
Entrega de poder
A enfermidade forçou Fidel a abandonar o poder formal, que entregou nas mãos do irmão Raúl Castro. Tudo para evitar uma guinada radical num sistema que – apesar de todos os avanços na educação e saúde – cobrava de seus cidadãos o alto preço da repressão e perda de liberdade. Enquanto apontavam os primeiros vislumbres de mudança, Fidel Castro ia se despedindo, embora defendendo sua visão até o fim.