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Lançamento

20 de março de 2009

Escritor austríaco Peter Handke joga com o potencial de veracidade das imagens literárias em relato de viagem sobre um enclave sérvio no Kosovo, escrito logo após a independência do país.

Paisagem do Kosovo é pano de fundo do mais recente livro de HandkeFoto: DW / Filip Slavkovic

"Nesta visita, ao contrário das vezes anteriores, a pretensão não era meramente a de estar lá, comemorar junto, olhar e ouvir. Algo me compelia a indagar extensivamente uma pessoa ou outra, avulsa, no Kosovo sérvio, de forma por assim dizer sistemática, no papel de um repórter ou – por mim! – no papel de um jornalista, e anotar as respectivas respostas. E isso eu queria fazer em um lugar onde eu já estivera antes, e não só uma vez, no enclave sérvio de Velika Hoča, ВЕΛИКА ХОЧА, uma vila no sul do Kosovo."

Foto: Suhrkamp

Com o recém-lançado Die Kuckucke von Velika Hoča – Eine Nachschrift (Os Cucos de Velika Hoča – Um Pós-Escrito), o escritor austríaco Peter Handke acompanha mais um passo do processo de desagregação da Iugoslávia, um tema ao qual ele já dedicou inúmeros escritos desde o início da década de 1990. Desta vez, ele relata impressões de uma viagem a um "enclave" sérvio no Kosovo, feita em março de 2008, algumas semanas após a independência da antiga província sérvia.

Como em seus relatos anteriores sobre os Bálcãs, polemicamente discutidos em toda a Europa, neste ele também questiona os procedimentos de aquisição e propagação de informações pela mídia. Colocando-se imaginariamente no papel de um repórter, ele se propôs a entrevistar pessoas com lápis e bloco de papel em mãos.

Mas logo após interrogar os primeiros entrevistados, escolhidos de antemão pelo padre cristão ortodoxo da vila, o escritor logo desiste do experimento e da missão de repórter, deixando de lado as perguntas "sistemáticas" e o bloco de anotações. Isso após perceber que as pessoas contavam mais coisas se pudessem falar livremente. Mas também porque, segundo nota o escritor, as testemunhas entrevistadas tendem a reduzir suas vivências a respostas formatadas para a opinião pública.

Coexistência lacônica de idiomas

Die Kuckucke von Velika Hoča é, antes de mais nada, um livro sobre o contato com o outro, ou a falta de contato. Enquanto os sinos das igrejas ortodoxas soam na vila sérvia, ouvem-se os muezins das mesquitas nos arredores albaneses – e como acompanhamento, latidos de cachorros de todos os lados.

Essa imagem da coexistência de sons diferentes se prolonga na designação das coisas vistas e mencionadas pelo escritor esporadicamente em idioma sérvio e albanês. Uma coexistência de línguas sem intercomunicação, sem diálogo.

"Está calmo", responde um morador de Velika Hoča, ao ser indagado sobre a vida do vilarejo sob controle albanês, após a independência do Kosovo. Essa calma se traduz no livro por meio de um certo laconismo.

Ao enveredar numa caminhada pelos arredores albaneses, o caminhante é confrontado com o silêncio, sentindo falta de ruídos na paisagem. Não se ouvem nem mesmo os cucos onipresentes, notados pelo viajante imediatamente após sua chegada ao lugar. Uma imagem antípoda à "terra sonora", como Handke já descrevera a Sérvia.

"Pretensa" neutralidade da mídia

Assim como as línguas sérvia e albanesa coexistem na mesma paisagem, sem contato, o livro mostra o abismo entre a linguagem da literatura e a da cobertura jornalística.

"(...) No escrito, eu queria evitar que só pela sintaxe já se revelasse qualquer opinião ou preconceito, negativo ou positivo, como por exemplo o que o enviado especial do Süddeutsche Zeitung relatou sobre os moradores de um outro 'miserável enclave', o de Gračanica, nas imediações de Prishtina, antes Priština, nos dias de fevereiro anteriores à declaração de independência albanesa: 'Eles pretensamente tinham grande medo'; ou, com nitidez ainda maior, como o correspondente do Frankfurter Allgemeine Zeitung nos Bálcãs, anos antes, numa expressão que (quase) mereceria imortalidade, reproduziu a declaração de um passageiro de ônibus acerca de uma viagem entre dois enclaves sérvios, literalmente da seguinte forma: '(XY) disse que o ônibus pretensamente foi atacado com pedras'."

Handke também indica como as frases feitas típicas da linguagem "pretensamente" neutra da cobertura jornalística se estendem para a política, lembrando como um deputado do Partido Verde alemão denominou, em seu relatório, o pogrom contra os sérvios do Kosovo ocorrido entre 17 a 19 de março de 2004: "os tumultos de março".

Linguagem do agora e das coisas

Peter HandkeFoto: picture-alliance/ dpa

Em contraste com os truísmos incisivos recorrentes na linguagem jornalística, as imagens de Handke em Die Kuckucke von Velika Hoča adquirem contornos ainda mais vivos. Por um lado, são circunstanciais, coletadas pelo viajante a esmo: calçadas rachadas, mas bem varridas até a última fresta; a criança enviada pela mãe à adega da casa, à qual só se tem acesso através do poço; as vinheiras abandonadas nas encostas; a vela e a esmola em moedas que restaram no nicho de uma igreja em ruína.

Mas as imagens de Handke, tanto em sua prosa narrativa quanto nos escritos sobre os Bálcãs, também têm um caráter pouco circunstancial, funcionando como signos que jogam com o potencial de veracidade da linguagem literária – neste caso, em oposição aos truísmos veiculados pela mídia.

O chamado do cuco, pássaro que figura no título do livro, insinua para o escritor a reiteração do momento presente: agora, agora, agora, a partir do qual se dá a percepção do mundo, a percepção "do que é o caso", como diz Wittgenstein numa expressão frequentemente citada por Handke.

E assim o livro encerra inúmeras outras imagens cujo teor histórico parece ser veiculado pela linguagem das coisas. "Mas lá estão elas, as cadeiras, e elas falam sua linguagem", diz o escritor, referindo-se às cadeiras do extinto cinema de Velika Hoča, hoje enfileiradas no ponto de encontro dos homens mais velhos do vilarejo, um contêiner por eles denominado "Rambouillet", localidade francesa onde se acertou, em 1999, o esboço de um acordo de paz para o que restara da Iugoslávia.

Autora: Simone de Mello
Revisão: Alexandre Schossler

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