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PF aumenta deportações em RR por "cobrança da sociedade"

Marina Estarque enviada especial a Roraima
12 de dezembro de 2016

Número de deportações de venezuelanos aumentou de 54, em 2015, para 445 só este ano. Segundo a PF, esta é a única medida para conter o fluxo migratório no estado.

Venezuelanos fazem fila na sede da Polícia Federal em Boa Vista (RR)Foto: DW/K. Andrade

A Polícia Federal de Roraima admite que aumentou a deportação de venezuelanos no estado após "cobrança da sociedade roraimense". Em 2015, apenas 54 imigrantes foram deportados em Roraima. Já em 2016, o número saltou para 445, segundo dados da PF de novembro.

"A gente estava deportando porque estava gerando um impacto social muito grande, essas pessoas no sinal pedindo dinheiro. Então vinha uma cobrança da sociedade roraimense em cima da Polícia Federal para tomar alguma medida contra isso. A única medida que tínhamos à disposição era deportar", disse à DW Brasil o chefe da Delegacia de Polícia de Imigração do estado de Roraima, delegado Marcos Ribeiro.

"Mas isso [as deportações] é praticamente enxugar gelo, você tira hoje e amanhã está tudo de volta. E agora todos eles já descobriram a palavra mágica do refúgio, então não dá nem mais para realizar tantas deportações", afirmou o delegado.

Na sexta-feira (09/12), a PF tentou deportar mais de 450 venezuelanos, que foram levados de ônibus da região da Feira do Passarão, em Boa Vista, em direção à Venezuela. A PF argumenta que eles estão irregulares no país e que a legislação permite a deportação.

Entretanto, antes que os imigrantes fossem entregues às autoridades venezuelanas na fronteira, a deportação foi interrompida por uma liminar da Justiça Federal brasileira. A defensora pública federal Roberta Pires Alvim foi a responsável por entrar com um habeas corpus para que os venezuelanos pudessem aguardar o processo de deportação em território nacional.

Ela considera que as deportações em massa não respeitam o devido processo legal, porque, segundo ela, não permitem que o imigrante seja notificado, apresente documentos e possa se defender.

"Quando se deporta em massa não se consegue individualizar a situação de cada um. Pode ser que uma pessoa esteja em condição de refúgio ou tenha uma outra situação migratória. Quatrocentos e cinquenta pessoas foram recolhidas de manhã e já seriam deportadas no mesmo dia, eu não consigo acreditar que houve o devido processo legal", apontou Alvim.

A defensora cita ainda a Convenção Americana de Direitos Humanos, tratado internacional assinado e ratificado pelo Brasil, que proíbe a expulsão coletiva de estrangeiros. "Há decisões da Corte Interamericana justamente falando isso, que deportações em massa ferem a dignidade da pessoa humana e os direitos humanos. E houve condenações de países já com base nesse fundamento", afirma ela.

O delegado Ribeiro afirma que a deportação não foi em massa. "Não se tratava de uma deportação coletiva. Lógico, o transporte foi coletivo. Mas para cada um foi instaurado uma portaria de deportação. Nós fizemos uma entrevista rápida com todos, é um processo individualizado", afirmou o delegado Ribeiro. 

Entre janeiro de 2015 e setembro de 2016, mais de 77 mil venezuelanos entraram no Brasil pela cidade fronteiriça de Pacaraima, no norte de Roraima, segundo o Ministério da Justiça. No mesmo período, saíram pouco mais de 67 mil, ou seja, cerca de 10 mil permaneceram.

Nesse fluxo, vários indígenas também cruzaram a fronteira e vivem hoje de forma provisória nas ruas de Pacaraima e Boa Vista, em condições precárias de higiene e saúde. Há também muitos venezuelanos trabalhando em semáforos da capital.

Em 2016, o número de solicitações de refúgio de venezuelanos mais do que dobrou, chegando a 1.805. A quantidade é maior do que a soma de todos os pedidos de venezuelanos dos últimos cinco anos.

"Jogados na fronteira"

O prefeito de Pacaraima, Altemir Campos (PEM), também critica a política de deportações. A cidade brasileira, na fronteira com a Venezuela, tem uma relação histórica e intensa com os vizinhos.

Segundo o prefeito, as pessoas "foram jogadas na fronteira" e as autoridades venezuelanas chegaram a reclamar com ele da atitude. "O prefeito de lá ficou chocado e me disse: 'e se eu pegar os 50 mil brasileiros que estão irregulares aqui e jogar na bandeira? Vocês vieram trazer 250, e se a gente levar 50 mil?'", afirmou.

O professor Gustavo da Frota Simões, de Relações Internacionais da Universidade Federal de Roraima, também considera as deportações negativas. Ele afirma que essa tem sido a principal face do poder públicoem relação ao fluxo migratório de venezuelanos no estado. Segundo ele, a atuação do governo federal na questão "tem sido muito restrita".

A Irmã Telma Lage, advogada e coordenadora do Centro de Migrações e Direitos Humanos da Diocese de Roraima, concorda. "A única política do Estado é a deportação. E ela é principalmente voltada contra os indígenas", diz ela.

O Ministério da Justiça  disse, por meio de nota, que enviou uma missão para averiguar a situação migratória em outubro e "iniciou tratativas com o Governo do Estado de Roraima para chegar, conjuntamente, a uma solução duradoura nos municípios mais afetados pelo movimento migratório".

Abrigo

Apesar do envio da missão e da presença de centenas de indígenas venezuelanos nas ruas de Roraima, não há um interesse do governo federal em criar um abrigo para acolher os imigrantes. O Ministério da Justiça admite que "não há essa expectativa".

O mesmo vale para o governo estadual, que abriu, no final de novembro, um centro móvel de referência ao imigrante, com atendimento médico e alimentação, mas que não pretende estabelecer um local de acolhida, porque não "há condições financeiras".

"O abrigo não é a opção correta, porque estimularia a vinda de mais pessoas. Se nós criarmos um abrigo e não fizermos uma medida de contenção da vinda de venezuelanos, a gente vai sobrecarregar o abrigo", disse Amaral.

O prefeito de Pacaraima segue o mesmo raciocínio. "Eu não sei se um abrigo seria grande resultado, porque quanto mais você faz, mais aumenta [o número de pessoas]", disse Campos.

A irmã Telma Lage critica esse argumento e defende que o poder público está mais preocupado em impedir a chegada dos imigrantes do que encontrar uma solução. "Infelizmente tem essa mentalidade. As pessoas acham que qualquer ajuda vai aumentar esse fluxo". 

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