PF indicia Palocci e cita repasse de R$ 8 milhões a Lula
24 de outubro de 2016
Segundo investigação, ex-ministro teria recebido 128 milhões de reais em propina da Odebrecht. No indiciamento, delegado cita ex-presidente e diz que codinome "amigo" em planilhas da Lava Jato pode se referir ao petista.
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A Polícia Federal (PF) indiciou o ex-ministro Antonio Palocci pelo crime de corrupção passiva, sob a suspeita de relação criminosa entre o político e a empreiteira Odebrecht. O pedido, que envolve outras cinco pessoas, foi encaminhado nesta segunda-feira (24/10) à Justiça Federal do Paraná.
"Antonio Palocci Filho, a partir do que foi possível apurar em esfera policial, foi o verdadeiro gestor de pagamentos de propina realizados pela Odebrecht", afirma o despacho de indiciamento.
Segundo mostram planilhas apreendidas pela PF durante as buscas, o ex-ministro teria solicitado e coordenado o pagamento de 128 milhões de reais pagos pela Odebrecht. Os documentos também apontam que a empreiteira possuía uma "conta-corrente de propina" com o PT, que seria gerida por Palocci. Nessas planilhas, o ex-ministro é mencionado com o codinome "Italiano".
De acordo com a PF, Palocci teria agido em favor da Odebrecht em diversos projetos controlados pelo governo federal, incluindo a contratação de sondas para exploração do pré-sal pela Petrobras.
O pedido destaca ainda que Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empresa, "era o principal ator corruptor nos fatos ora investigados, tendo mantido incessante contato com Antonio Palocci Filho, de 2003 a 2015". As reuniões, segundo investigadores, ocorriam na sede da Odebrecht, na sede da empresa Projeto Consultoria, pertencente a Palocci, e na residência do ex-ministro.
Repasse milionário a Lula
Segundo a PF, as planilhas apreendidas também sugerem pagamentos num total de 8 milhões de reais, que teriam sido feitos em 2012 sob solicitação e coordenação de Palocci, em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, identificado como "amigo". "Há respaldo probatório e coerência investigativa em se considerar que o termo 'amigo' faz referência a Lula", diz o texto.
"Luiz Inácio Lula da Silva era conhecido pelas alcunhas de 'amigo de meu pai' e 'amigo de EO' [em referência a Emílio Odebrecht, pai de Marcelo], quando usadas por Marcelo, e também por 'amigo de seu pai', quando utilizada por interlocutores em conversas com Marcelo", diz o relatório da PF.
Em nota, a defesa de Lula rechaçou as acusações. "A Lava Jato não apresentou qualquer prova que possa dar sustentação às acusações formuladas contra o ex-presidente. São, por isso, sem exceção, acusações frívolas, típicas do lawfare, ou seja, da manipulação das leis e dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política. Na falta de provas, usa-se da convicção e de achismos", dizem os advogados.
Outros indiciados
Na mesma ação, a PF pediu o indiciamento de Marcelo Odebrecht, de dois ex-assessores de Palocci, Juscelino Dourado e Branislav Kontic, do publicitário João Santana e de sua esposa, Mônica Moura.
Citado pela Agência Brasil, o advogado José Roberto Batocchio, que defende tanto Palocci como Kontic, disse que o indiciamento de seus clientes "trata-se de uma primorosa obra de ficção literária".
O delegado Filipe Hille Pace, responsável pelo inquérito, afirmou no documento que a investigação sobre "a responsabilidade criminal do ex-presidente da República" não é feita pelo grupo de trabalho da Lava Jato do qual ele faz parte, mas por outro delegado, Márcio Anselmo, que já investiga Lula.
O relatório deve agora ser analisado pelo Ministério Público Federal (MPF), que vai decidir se há elementos suficientes para oferecer denúncia à Justiça contra os indiciados.
Palocci – que foi ministro da Casa Civil no governo Dilma Rousseff e da Fazenda durante o governo Lula – foi preso durante a 35ª fase da Operação Lava Jato, deflagrada há cerca de um mês. Dias depois, a prisão temporária foi convertida para prisão preventiva pelo juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato na primeira instância, atendendo a um pedido do MPF.
EK/abr/lusa/ots
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
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O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
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As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
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As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
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De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
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... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
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As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
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As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
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O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
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Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.