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Os 20 anos do pior desastre ferroviário da Alemanha moderna

3 de junho de 2018

Cerimônia marca aniversário da tragédia envolvendo trem de alta velocidade em Eschede. Acidente provocou morte de 101 pessoas e levantou questionamentos sobre os procedimentos da Deutsche Bahn.

Deutschland Zugunglück bei Eschede
Socorristas nas ferragens do ICE que saiu dos trilhos. Acidente foi causado por fafiga de material. Foto: picture alliance/Holger Hollemann

A cidade de Eschede, no norte da Alemanha, foi palco neste domingo (03/06) de uma cerimônia em memória das vítimas do pior acidente ferroviário da história alemã do pós-guerra.

Na manhã de 3 de junho de 1998, um trem de alta velocidade da classe Inter City Express (ICE), que viajava a 200 quilômetros por hora, descarrilhou quando passava pela cidade. O saldo: 101 mortos e mais de 100 feridos. Também foi o pior acidente envolvendo um trem de alta velocidade pelo mundo.

O desastre provocou mudanças nos procedimentos de segurança do sistema ferroviário alemão e na forma como equipes de resgate lidam com o trauma. 

Uma roda solta

A bordo do ICE, que viajava de Munique a Hamburgo, havia 287 pessoas. A composição havia acabado de fazer uma parada em Hanover e seguia para completar os últimos 40 minutos da viagem.

Por volta de 11h da manhã, uma peça de metal perfurou o chão do primeiro vagão da composição. Passageiros que estavam nos arredores saíram a procura de algum controlador no trem para avisá-lo. Pessoas que estavam em outros vagões ouviram o barulho e o trem começou a trepidar.

O que os passageiros e o controlador não sabiam é que a peça de metal era parte do arco de uma roda do trem, que havia se soltado e bloqueado o mecanismo de direção do trem. A composição seguiu trafegando assim por cerca de 5,5 quilômetros.

Um controlador foi localizado no terceiro vagão da composição, mas insistiu em ver o que havia ocorrido antes de puxar o freio de emergência. Enquanto isso, abaixo do trem, mais peças começaram a sair do lugar.

Acidente

Quando o controlador chegou ao primeiro vagão, parte do trem já havia começado a descarrilhar, separando a locomotiva e os dos dois primeiros vagões do restante da composição. Os vagões traseiros, sem o mecanismo de direção, seguiram a 200 quilômetros por hora para outro ramal paralelo da ferrovia.

Descontrolados, acabaram atingindo os pilares de uma ponte rodoviária e foram esmagando uns aos outros, criando um efeito sanfona. Parte da pesada ponte de concreto também caiu sobre os vagões.

Noventa e nove passageiros morreram ou não resistiram aos ferimentos após serem levados para hospitais. Outras 100 outras pessoas ficaram gravemente feridas. Dois técnicos  de manutenção que estavam perto da ponte também morreram.

As imagens das equipes de salvamento tentando salvar os feridos chocaram a opinião pública alemã. Até mesmo soldados britânicos de uma base próxima foram ao local para ajudar no resgate.

O acidente em Eschede foi a pior tragédia envolvendo trens na Alemanha registrada após a Segunda Guerra Mundial. Só é superado pelo acidente que ocorreu em dezembro de 1939 na cidade de Genthin, então parte do estado da Prússia e hoje no estado da Saxônia-Anhalt. Na ocasião, duas composições que levavam passageiros se chocaram dentro da estação da cidade. Pelo menos 186 pessoas morreram – algumas fontes apontam até 278 mortos.  

Causas

Inicialmente, acreditou-se que algum veículo havia caído da ponte e atingido o ICE, provocando o descarrilamento em Eschede. Um VW Golf foi encontrado em meio aos destroços. Mas a hipótese foi rapidamente descartada. O carro pertencia aos dois funcionários que estavam na área da ponte e morreram no acidente.

As investigações apontaram a verdadeira causa do acidente: fatiga de material, que fez com que parte de uma roda de um vagão se soltasse e interferisse na estabilidade e direção do trem.  

Sobreviventes amargurados, que formaram uma rede que inclui parentes dos mortos, acusaram a empresa ferroviária Deutsche Bahn, responsável pelo trem, de ignorar a fadiga material durante verificações anteriores e de não compensá-los adequadamente.

Até então, não havia um procedimento padronizado para verificar a possibilidade de fadiga de material ou equipamentos disponíveis nas oficinas da Deustche Bahn. O Acidente acabou colocando em xeque a segurança do modelo de trem ICE, que havia sido colocado em operação em 1991.

Consequências

Em 2003, um tribunal em Lüneburg decidiu arquivar os processos que acusavam de negligência e homicídio culposo dois funcionários e um engenheiro da Deutsche Bahn, concluindo que não havia provas suficientes para atestar a culpa. Cada um foi apenas multado em 10 mil euros.

Em 2013, o então chefe da empresa, Rüdiger Grube, fez um pedido de desculpas oficial em Eschede.

Ainda assim, um sobrevivente do acidente, Udo Bauer, que ficou gravemente incapacitado, afirmou na sexta-feira (01/06) que a Deutsche Bahn ainda não reconheceu suficientemente que havia permitido que o ICE trafegasse com um aro de roda excessivamente desgastado. Segundo ele, as palavras de Grube cinco anos atrás foram "impessoais demais".

Inicialmente, a empresa pagou 30 mil marcos (15 mil euros) para as famílias de cada um das vítimas fatais. Mais tarde, concordou em pagar 30 milhões de dólares coletivamente para os sobreviventes e famílias dos mortos.

O presidente da Deutsche Bahn, Richard Lutz, acompanhado de políticos do estado da Baixa Saxônia, durante a cerimônia que marcou os 20 anos do acidente. Foto: picture-alliance/dpa/P. von Ditfurth

O acidente levou a mudanças no sistema ferroviário. As verificações para identificar possíveis desgastes nos trens passaram a ser mais frequentes e o modelo de roda dos ICEs foi substituído por versões mais seguras. Socorristas também apontaram que encontraram dificuldades em romper as janelas dos vagões para salvar feridos. Depois do acidente, as janelas foram trocadas por modelos com seções que podem ser facilmente rompidas em caso de acidente.

A psicóloga Jutta Helmerichs, que liderou o aconselhamento de vítimas depois da tragédia em Eschede e agora trabalha para o Departamento de Proteção Civil e Assistência a Desastres (BBK), baseado em Bonn, disse que os socorristas se sentiram envergonhados por não conseguir lidar com a tragédia e que muitos revivem o episódio.

"Hoje, valorizamos que é manter a própria saúde é necessário à atividade profissional dos trabalhadores de emergência", disse Helmerichs. Sua abordagem preventiva para estar pronto a lidar com casos assim incluiu esporte, nutrição saudável e relações sociais estáveis, juntamente com bons equipamentos, liderança e união.

Neste domingo, o presidente da Deutsche Bahn, Richard Lutz, visitou o local do acidente, onde um memorial foi construído em 2001. "O 3 de junho de 1998 marca uma ferida na história da Deutsche Bahn cuja cicatriz será sentida para sempre”, disse ele durante a cerimônia em memória das vítimas. "O acidente nos lembra de maneira dolorosa que temos uma grande responsabilidade para com nossos passageiros.”

JPS/ots

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