Pistas para a surdez de Beethoven numa mecha de cabelo
Publicado 17 de maio de 2024Última atualização 19 de maio de 2024
Um dos mistérios da medicina histórica é por que o compositor alemão acabou totalmente surdo. Um suvenir comum na época revela níveis alarmantes de metais pesados. Os suspeitos: excesso de vinho e peixes do Danúbio.
Anúncio
Por volta dos 20 anos de idade, Ludwig van Beethoven (1770-1827) começou a enfrentar uma adversidade que marcaria profundamente sua vida e obra: a perda progressiva da audição. Para um músico atuante, essa deterioração tornou-se fonte de profunda angústia e vergonha.
Aos 40 anos, o compositor estava quase completamente surdo, e era atormentado por outras afecções, como problemas gastrointestinais e episódios de icterícia, indicadores de uma enfermidade hepática. Isso não o impediu de continuar compondo até morrer, aos 56 anos, obras revolucionárias, veneradas pela posteridade.
Apesar de essas batalhas de saúde serem amplamente conhecidas, as causas subjacentes têm permanecido muito no campo das especulações. Mas é possível que uma nova pesquisa científica venha lançar nova luz sobre esse mistério histórico.
Cabelo do gênio e metais pesados
A chave é o cabelo do gênio: com base no exame químico de duas mechas, a equipe liderada pelo patologista Nader Rifai, da Faculdade de Medicina de Harvard, concluiu que Beethoven sofria de envenenamento por metais pesados.
As mechas autenticadas, conhecidas como "de Bermann" e "de Halm-Thayer" contêm concentrações alarmantes de chumbo, arsênico e mercúrio. Numa delas detectaram-se 380 microgramas de chumbo por grama de cabelo; na outra, 258 microgramas. A quantidade considerada normal hoje em dia é de 4 microgramas para cada grama de cabelo.
"São as taxas mais altas que já vi em cabelo", comentou o coautor Paul Jannetto, da Clínica Mayo, ao jornal The New York Times. "Recebemos mostras de todo o mundo, e essas taxas estão uma ordem de magnitude acima." Esse fato poderia explicar tanto a surdez progressiva quanto os demais sintomas.
Por que tanto chumbo em Beethoven?
O estudo publicado pela revista Clinical Chemistry propõe várias teorias para explicar a alta carga tóxica no cabelo examinado. Uma delas seria o amor do músico alemão pela bebida: em seu tempo se acrescentava acetato de chumbo ao vinho barato, para melhorar o sabor e a transparência.
Outras fontes possíveis seriam as garrafas de vidro de chumbo, comuns na época, e o consumo frequente de peixes do rio Danúbio (Beethoven passou várias décadas em Viena), contendo arsênico e mercúrio.
Além disso, era comum usarem-se unguentos e outros medicamentos à base do metal tóxico para tratar diversas doenças: segundo The Smithsonian Magazine, o músico alemão chegou a tomar 75 medicamentos ao mesmo tempo.
Anúncio
Quebra-cabeça complexo
Os pesquisadores concluem que a presença do metal pesado "pode ter contribuído para as enfermidades documentadas, que o afligiram a maior parte da vida", mas não determinaram os efeitos específicos dos níveis elevados de arsênico e mercúrio para a saúde do músico.
Quanto à causa da morte de Beethoven, porém, eles descartam o envenenamento por chumbo: a teoria predominante continua sendo que ele sucumbiu a complicações derivadas da hepatite B, agravadas pelo consumo de álcool e predisposições genéticas.
Em março de 2024, também com base no exame de cabelos de Beethoven, o Instituto Max Planck de Estética Empírica (MPIEA) publicou um estudo explorando a relação – ou ausência dela – entre a genética do músico natural de Bonn e seu talento musical.
A prática de conservar mechas de cabelo de entes queridos e figuras famosas era comum em séculos passados. Hoje, esses suvenires oferecem pistas valiosas sobre destinos pessoais e aspectos sociais históricos
A equipe de Rifai resume seus achados sobre a saúde de Ludwig van Beethoven: "cremos que esta é uma peça importante de um complexo quebra-cabeça, e permitirá a historiadores, médicos e cientistas compreenderem melhor a história médica do grande compositor."
av/le (DW, ots)
Quem foi Ludwig van Beethoven?
O que distinguiu o mestre compositor? Qual dos seus trabalhos marcou a história da música? Como ele era? Conheça melhor o grande compositor alemão que completaria 250 anos em 2020.
Foto: picture-alliance/Ulrich Baumgarten
O gênio musical
Ainda criança, Ludwig van Beethoven (1770-1827) era um prodígio. Dizem que seu pai, que queria fazer dele um segundo Mozart, tinha métodos de aprendizado bastante rigorosos. Ludwig tocou seu primeiro concerto aos sete anos. Suas primeiras composições, aos 12. A genialidade só seria evidenciada em obras posteriores, por extrapolarem padrões conhecidos até então, e que continuam inspirando até hoje.
Foto: DW
Estrela já em seu tempo
Hoje, Beethoven é um dos compositores mais ouvidos e interpretados do mundo. Ele já era famoso em vida, o que não era o caso de outros músicos excepcionais de seu tempo. Pense, por exemplo, no triste destino de Mozart, que foi enterrado num túmulo anônimo. Por outro lado, 20 mil pessoas assistiram ao funeral de Beethoven - metade da população do centro da cidade de Viena na época.
Foto: picture-alliance/Ulrich Baumgarten
Primeiro artista freelancer
Nos períodos barroco e pré-clássico, compositores como Bach, Haydn ou Händel normalmente eram empregados da corte de um príncipe ou rei - ou em uma igreja. Mas com Beethoven não foi assim: ele conseguiu montar um círculo de mecenas que o apoiavam financeiramente com regularidade. Além disso, ganhava dinheiro com os concertos e a publicação de composições.
Foto: picture-alliance / akg-images
Gênio respeitado
Sua obra ainda é fonte constante de inspiração para os músicos. Seus trabalhos incluem nove sinfonias, cinco concertos para piano, o concerto para violino, 16 quartetos de cordas, 32 sonatas para piano, a ópera "Fidelio", a Missa em dó maior op. 86 e a Missa solemnis op. 123. Seus cadernos com manuscritos meticulosos foram preservados, pois Beethoven costumava desenhar e anotar suas ideias.
Foto: picture alliance/H. Lohmeyer/Joker
A fatídica "Quinta"
Ta-ta-ta-taaaa. Quatro notas sem melodia – ultrajante para a época! Hoje, é sinônimo de Beethoven, e a "Sinfonia do Destino" é uma das obras eruditas mais tocadas. No entanto, na sua estreia, em 1808, a "Sinfonia nº 5 em dó menor, opus 67" não foi bem recebida: os sons incomuns deixaram o público perplexo. Além disso, a orquestra havia ensaiado muito pouco e o teatro não estava aquecido.
Foto: picture-alliance/akg-images
O clássico: "Para Elisa"
Uma música que cativa há 200 anos: seja em filme, em espera de telefone, como toque, no elevador ou caminhão de gás. "Para Elisa" é uma das peças de piano mais populares do mundo. Não está claro até hoje quem era Elisa. Beethoven se apaixonou muitas vezes, geralmente sem reciprocidade. Ele nunca teve esposa ou família. A obra pode ter sido dedicada à cantora de ópera Elisabeth Röckel.
Foto: picture-alliance/akg-images
A insuperável "Nona"
As sinfonias são feitas para a interpretação por uma orquestra. Para cantores até então não havia lugar no palco. Como Beethoven não se importava muito com convenções, ele inventou algo novo em sua nona e última sinfonia. Assim, no último movimento, não há apenas cantores, mas também um coral. Parte da "Sinfonia n° 9 em ré menor, op. 125, Coral" tornou-se o hino oficial da União Europeia em 1972.
Foto: akg-images/picture alliance
Além da surdez
É inimaginável: um compositor que já não ouve a própria música. Os problemas auditivos de Beethoven começaram antes mesmo de ele fazer 30 anos. Isso ameaçou não só a sua carreira, mas também a sua vida social. Durante um tratamento em 1802, ele até teve pensamentos de suicídio. Mas o amor pela música o trouxe de volta - seguiram-se 25 anos altamente produtivos.
Beethoven nasceu em Bonn, onde teve as suas primeiras atuações, incentivadores e mentores. Hoje, Bonn se considera A cidade de Beethoven, com o museu Casa de Beethoven e seu amplo arquivo, e o festival anual Beethovenfest. Aos 22 anos, Ludwig mudou-se para Viena, onde encontrou inúmeros apoiadores. Aqui ele também teve aulas de composição com Joseph Haydn. Beethoven morreu em Viena em 1827.