Pitadas: Polenta, de comida pobre a iguaria italiana
Luisa Frey20 de setembro de 2016
Papa de farinha de milho que no passado serviu de escudo contra a fome passou a ser apreciada após a Segunda Guerra, em casa e em restaurantes. Aprenda uma receita com raízes nas colônias do sul do Brasil.
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Para mim, polenta é uma daquelas comidas que têm gosto de casa. Aos 90 anos, minha avó ainda faz questão de preparar o prato cremoso de farinha de milho sempre que vou visitá-la. Gaúcha de origem alemã, ela herdou a receita da mãe, que por sua vez a aprendeu com os italianos da colônia catarinense de Ponte Serrada.
Assim como para os colonos no sul do Brasil, a simples polenta – papa à base de farinha de milho e água – foi por muito tempo um alimento básico para a população mais pobre na Itália.
O milho, originário da América Central, foi introduzido na Espanha por Cristóvão Colombo e de lá foi levado ao norte da Itália entre os séculos 16 e 17. Na ilha de Torcello, na Laguna de Veneza, e em outras terras venetas, o grão era cultivado em grandes quantidades, sendo sua farinha, misturada a outros cereais, usada na fabricação de pão e também exportada.
No período de declínio que se iniciou na República de Veneza com a queda do Império Bizantino, o milho foi um dos escudos contra a fome. Dado o alto custo para a importação de cereais, a farinha de milho passou a ser consumida sozinha, em forma de polenta.
No século 18, o cultivo de milho se expandiu pela Itália, e a tal papa passou a ser a base da alimentação no campo e na cidade. Até o século seguinte, foi considerada comida dos pobres, depois foi moda por um período, caiu em desgraça novamente, e só voltou a ser apreciada após a Segunda Guerra Mundial, figurando hoje no menu de muitos restaurantes italianos.
A polenta pode ser branca – típica de Veneza – ou amarela (dependendo da farinha utilizada), mole ou frita, com queijo ou molho. Diz a tradição que ela deve ser cortada com uma linha ou barbante, para preservar a granulação da farinha de milho e evitar que grude na faca e quebre.
Eu adoro a polenta mole e amarela preparada pela minha avó, que nunca comi igual. Deve ser por causa do molho de frango e tomate que ela faz, simples e incrivelmente delicioso. E claro que, se sobra, vale cortá-la e fritá-la no dia seguinte. Eis a receita:
Ingredientes (para 4 pessoas)
Polenta:
250 g de fubá
2 litros de água
½ colher (sopa) de sal
½ colher de (sopa) de óleo ou azeite
Molho de frango:
8 sobrecoxas ou 16 coxinhas da asa de frango
1 cebola
1 dente de alho
½ lata de tomate pelado
Óleo
Salsinha e cebolinha (a gosto)
Alecrim
Manteiga
Modo de preparo
Polenta:
Misturar tudo fora do fogo. Ferver e tampar pela metade. Cozinhar em fogo baixo, mexendo de vez em quando, durante uma hora. Para ver se está no ponto, colocar um pouco num pires e ver se solta do prato. Passar água fria num refratário e despejar a polenta nele. Esperar de 5 a 10 minutos para servir.
Molho de frango:
Fritar o frango em óleo abundante, retirar da frigideira e reservar num prato. Refogar a cebola e o alho. Acrescentar os tomates pelados, sem sementes e picados, a salsinha e a cebolinha picadas, o alecrim, sal e pimenta a gosto. Adicionar o frango frito e cozinhar por 10 minutos. Colocar um pouco de manteiga e, se necessário, um pouco de água.
Toda semana, a coluna Pitadas traz receitas, curiosidades e segredos da culinária europeia, contados por Luisa Frey, jornalista aspirante a mestre-cuca.
Na rota da "Viagem italiana", de Goethe
De 1786 a 1788, Johann Wolfgang von Goethe realizou um sonho: viajar pela Itália. E usou até nome falso. Seu diário "Viagem italiana" virou bestseller. Ainda hoje, turistas seguem a "rota de Goethe" pela Itália.
Foto: picture-alliance/D. Kalker
Passo do Brennero
Dos quatro pontos de passagem através dos Alpes, Goethe usou o Passo do Brennero. Numa diligência dos correios, ele foi de Munique, por Innsbruck, até o Passo. A aventura durou dois dias. Hoje, sem engarrafamento, a viagem dura 2,5 horas. Aos 37 anos, Goethe queria liberdade para criar, por isso, temendo ser reconhecido, declarou ser "Johann Philipp Möller", pintor de Leipzig.
Foto: picture-alliance/blickwinkel/S. Derder
Lago de Garda
Basta atravessar os Alpes para chegar a outro mundo. Para os norte-europeus, o lago de Garda é sinônimo de sul da Europa: águas azuis profundas, cercadas por montanhas, clima ameno, cidades pitorescas, muito verde e comida saborosa. Os alemães adoram o lago de Garda. Apesar de toda a fascinação, Goethe viveu uma experiência negativa: confundido com um espião, ele foi injustamente preso.
Foto: picture-alliance/chromorange/W. Thoma
Malcesine
Nos tempos de Goethe, vilarejos nas margens do lago como Malcesine só podiam ser acessados de barco ou por trilhas perigosas. Hoje, ele é o centro turístico da região. De Goethe, ficaram numerosos vestígios: um monumento, várias placas e um museu lembram a estada do escritor em Malcesine. Ele se hospedou no Hotel San Marco, que lembra essa honra com uma placa de mármore.
Goethe queria conhecer aspectos históricos e culturais da Itália. A visita ao anfiteatro de Verona foi seu primeiro encontro com um monumento da Antiguidade, deixando-o impressionado com a boa conservação do local. A famosa Arena de Verona tem capacidade para 22 mil pessoas. No verão, lá se realiza um festival de ópera.
Goethe passou duas semanas em Veneza. Ele que, quando criança, brincava com uma gôndola trazida pelo pai, agora podia navegar pelos canais da cidade. O turismo em massa hoje é um problema para Veneza. Na alta temporada, a cidade de 55 mil moradores é invadida por 130 mil turistas.
Goethe chegou a Roma em 1º de novembro de 1786 e escreveu em seu diário: "Finalmente aportei nessa capital do mundo!" Ele morou na metrópole italiana por quatro meses. Ali dividiu o alojamento com um pintor, participou de festas, escreveu muito, viveu aventuras eróticas e saciou sua sede pela Antiguidade. A fascinação da "Cidade Eterna" atrai ainda hoje milhões de turistas a cada ano.
Em Nápoles, Goethe pôs fim ao preconceito, tão difundido na Alemanha, de que os italianos sejam preguiçosos. Os napolitanos o adoram por isso. Ele se apaixonou pelas cores, a comida, os cheiros da cidade. Nos tempos de hoje, há ocasiões em que o mau cheiro predomina, pois Nápoles tem sérios problemas com a eliminação do lixo decorrentes do poder das estruturas mafiosas.
Foto: picture-alliance/Photoshot
Vesúvio
O Vesúvio, no golfo de Nápoles, é um dos mais conhecidos vulcões ativos do planeta. No ano 79, sua lava e cinza soterraram a cidade de Pompeia. A montanha exercia uma atração mágica sobre Goethe, que a escalou diversas vezes. Hoje, ônibus levam os turistas até a cratera.
A lista de lugares visitados por Goethe na Sicília é longa. Ele ficou especialmente impressionado com a diversidade da vegetação. Sabe-se hoje que na maior ilha italiana no Mediterrâneo crescem mais de 3 mil espécies de plantas. Para Goethe, o Monte Pellegrino é o "mais belo promontório do mundo".
Foto: picture-alliance/Udo Bernhart
Taormina
Goethe foi um dos primeiros turistas em Taormina, na costa leste da Sicília, hoje o mais famoso resort da Sicília. Goethe visitou o Teatro Greco, com vista para o vulcão Etna. A fusão da paisagem natural com a arquitetura o maravilharam. Nos dias atuais lá se realizam concertos e récitas de ópera.
Foto: picture-alliance/ZB/W. Thieme
A "dolce vita"
Goethe estava preparado para muitas coisas em sua viagem, menos para o jeito italiano de viver. Ou seja, a descontração, otimismo, sensualidade resumidos na expressão "dolce vita". Essa foi a verdadeira descoberta do autor e erudito – e mais um motivo para os italianos o venerarem. Seu diário e perpétuo best-seller "Viagem italiana" despertou nos alemães uma atração pelo país que perdura até hoje.