Planeta perde área de um estado de SP por ano em florestas
12 de setembro de 2019
Relatório aponta que desmatamento saltou 43% em todo o mundo desde 2014. Texto destaca ainda a situação no Brasil: antes um caso de sucesso, política de preservação florestal no país se fragilizou sob Bolsonaro.
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O mundo vem perdendo em média 26 milhões de hectares de cobertura florestal por ano – uma área pouco superior à do estado brasileiro de São Paulo. Essa é a conclusão de um estudo divulgado nesta quinta-feira (12/09) pelo think tank Climate Focus, baseado na Holanda, que analisou um período de quatro anos posterior à assinatura da Declaração de Nova York sobre Florestas, de 2014.
A declaração, promovida pelas Nações Unidas, previa uma redução global das taxas de desmatamento pela metade até 2020 e totalmente até 2030. Mas, segundo a Climate Focus, provavelmente será impossível alcançar essas marcas. Nos quatro anos que se passaram após a assinatura, as taxas de desmatamento no mundo cresceram 43%. Já nas florestas tropicais primárias, como a Amazônia, o crescimento foi de 44%.
O estudo também destaca que o CO2 liberado anualmente pela derrubada das florestas tropicais já é equivalente a todas as emissões produzidas pelos países da União Europeia.
"O mundo está em chamas. A vulnerabilidade das florestas se tornou óbvia", disse Charlotte Streck, cofundadora e diretora da Climate Focus. "Parece que estamos em uma época em que há muita conversa e pouca acção."
A organização ainda destacou que os países da América Latina, incluindo o Brasil, respondem pela maior parte do volume perdido de florestas tropicais primárias, mas que a África registrou as maiores taxas de crescimento de derrubada.
Na América Latina, a perda da cobertura cresceu em média 35%, enquanto que na África o desmatamento saltou 146%. No total, segundo o think tank, o mundo perdeu em média 4,3 milhões de hectares de floresta tropical primária por ano desde a assinatura da declaração. É uma área similar à do estado do Espírito Santo.
O relatório concluiu ainda que outros objetivos da Declaração de Nova York também não devem ser atingidos, como a intenção de restaurar 150 milhões de florestas degradadas até 2020. Somente um quinto desse objetivo foi atingido até agora.
Os cálculos do relatório não incluem dados consolidados de 2019, portanto as recentes queimadas na Amazônia, que provocaram protestos pelo mundo, ficaram de fora. Em agosto, o crescimento da taxa de desmatamento na Amazônia foi de 222% em relação ao mesmo mês do ano passado, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
A Climate Focus destacou que o Brasil costumava ser um caso de sucesso no combate ao desmatamento, mas que agora esse comprometimento é incerto por causa das políticas do governo de Jair Bolsonaro.
"A tendência atual no Brasil mostra a fragilidade da política de florestas diante de mudanças de prioridades políticas. Depois de uma mudança de governo em 2019, o desmatamento no Brasil cresceu por causa da reversão das políticas de proteção legais e institucionais da floresta e da rede de proteção", afirma o documento.
Ainda segundo o relatório, entre 2001 e 2018 o Brasil perdeu 55 milhões de hectares de cobertura florestal – uma área equivalente ao território do estado da Bahia. Dessa perda, 84% ocorreu na Amazônia.
O Brasil não assinou a Declaração de Nova York sobre Florestas em 2014. À época, membros do governo Dilma Rousseff afirmaram que o país não havia sido consultado sobre a elaboração do documento e que o texto era vago sobre a definição de desmatamento legal. No final, só 40 governos assinaram a declaração, que não tinha efeito vinculante.
Focos de incêndio na Floresta Amazônica atingem seu pior agosto em quase uma década. Em Rondônia, fogo é a última etapa de uma cadeia criminosa que inclui invasão de terras, extração ilegal de madeira e desmatamento.
Foto: Imago Images/Agencia EFE/J. Alves
Chamas em agosto
Com 30.901 focos de queimadas registrados por satélites no bioma Amazônia, o mês de agosto de 2019 superou o registrado no mesmo mês em todos os anos anteriores até 2010, quando o número chegou a 45.018. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora as queimadas desde 1998. O recorde para o mês de agosto ainda é de 2007, com 63.764 focos.
Foto: Flávio Forner
Prejuízos à saúde
Na região de Porto Velho, capital de Rondônia, a fumaça das queimadas causa problemas sérios de saúde. Em um estudo realizado no estado, a Fiocruz analisou dados de 1998 a 2005 e concluiu que o número de mortes de idosos acima de 65 anos por doenças respiratórias aumenta durante os meses de queimadas. Até 80% das mortes estão relacionadas aos incêndios florestais.
Foto: Flávio Forner
O futuro da floresta nacional
A Floresta Nacional do Bom Futuro, perto de Porto Velho, foi criada em 1988 para proteger originalmente 280 mil hectares da Floresta Amazônica. Em 2010, um decreto reduziu a área para 98 mil hectares por conta da ocupação da região. A Flona (floresta nacional) é uma das mais ameaçadas no bioma, com histórico de invasões, desmatamento e queimadas.
Foto: Flávio Forner
Plantão na floresta
Brigadistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) ficam de plantão na região da Floresta Nacional do Bom Futuro 24 horas por dia na época das queimadas, de julho a outubro. Eles fazem rondas diárias para evitar crimes e, quando identificam fogo, usam bombas costais e abafador para apagar as chamas.
Foto: Flávio Forner
Solo mais pobre
O primeiro efeito da queimada é a perda de nutrientes e da biota do solo, alerta o biólogo Marcelo Ferronato, da ONG Ecoporé. Com o passar dos anos, os nutrientes que estavam ali sendo depositados pelas florestas desaparecem, como folhas e galhos. "O solo vai se enfraquecendo, a área começa a ser degradada, a produtividade cai, e novas áreas são abertas, alimentando o ciclo do desmatamento."
Foto: Flávio Forner
Lote ilegal
O capim cresce na área já desmatada dentro da Floresta Nacional do Bom Futuro. A estaca fixada no chão serve para demarcar o lote que, mais para frente, será vendido de forma ilegal. A área onde o crime ocorreu fica a menos de um quilômetro da estrada de terra que corta a unidade de conservação.
Foto: DW/N. Pontes
Desmatamento antes do fogo
Esta clareira na Floresta Nacional do Bom Futuro foi aberta cinco dias antes de a equipe da DW Brasil visitar o local. Algumas árvores mais antigas ainda estão de pé, como uma da espécie tauari de 200 anos, de cerca de 40 metros de altura, que também é um porta-sementes. Segundo brigadistas, os criminosos esperam a mata derrubada secar por alguns dias antes de colocar fogo.
Foto: Flávio Forner
Reflorestamento em risco
Alguns projetos de compensação ambiental de outros empreendimentos são revertidos para a Floresta Nacional do Bom Futuro. Na foto, árvores nativas da Amazônia crescem numa área do tamanho de 70 campos de futebol que foi desmatada. Se elas sobreviverem aos crimes cometidos na região, precisarão de 50 anos para voltar a ganhar o aspecto de uma floresta densa.
Foto: Flávio Forner
Pressão em terras indígenas
No estado de Rondônia, 21 reservas são destinadas a povos indígenas. A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, a cerca de 300 quilômetros de Porto Velho, tem sete aldeias e comunidades que escolheram viver isoladas na Floresta Amazônica. Criado em 1985, o território de uso exclusivo dos indígenas sofre ameaças constantes de madeireiros e grileiros.
Foto: Flávio Forner
Preocupação com a floresta
Segundo os indígenas, a destruição da floresta é muito rápida. Eles acreditam que a "empreitada" para desmatar e queimar a mata, que conta com entre 10 e 15 pessoas, seja custeada por quem tem muito dinheiro. Depois de tirar a madeira, os criminosos queimam a área e jogam sementes de capim, conta Taroba Uru-Eu-Wau-Wau (foto).
Foto: Flávio Forner
Desmatamento e pastagem
Segundo estudos de pesquisadores da Universidade Federal de Rondônia (Unir), o desmatamento ilegal serve para ampliar áreas de pastagem. Dados oficiais estimam que o rebanho no estado ultrapasse 14 milhões de cabeças. Aos poucos, as pastagens têm se convertido em plantações, como de soja, afirma a pesquisadora Maria Madalena Cavalcante, da Unir.