É seríssimo e escandaloso. Desde quinta-feira (08/02), quando a Polícia Federal (PF) realizou uma operação no âmbito de investigações sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado promovida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e parte de seus aliados para impedir a eleição de Lula, estamos todos, democratas do Brasil, em choque.
O mais assustador foi ver o vídeo de uma reunião de "articulação golpista", que teria acontecido em julho de 2022 e teve o sigilo quebrado na sexta-feira.
Ali, vimos o ex-presidente falando claramente em interferir nas eleições e aliados próximos, como o general Augusto Heleno, falando em "virar a mesa", entre outros absurdos antidemocráticos. A gente nunca tinha visto um atentado contra a democracia tão grave e claro diante dos nossos olhos (que, como olhos brasileiros, já viram muitos absurdos nessa vida).
Mas, além da gravidade, que não pode jamais ser banalizada, olhamos para os detalhes e parece que assistimos a um filme de comédia satírico sobre uma tentativa de golpe estilo Os Trapalhões.
São muitas perguntas diante de muitos absurdos. E, se esse fosse mesmo um filme, alguém ia dizer que o roteirista exagerou. Mesmo para uma comédia estilo Loucademia do golpe, alguns dos acontecimentos reais que envolvem a operação parecem bizarros demais, até para os padrões brasileiros.
Para começar, como um chefe de governo e sua equipe falam abertamente sobre dar um golpe – "virar a mesa" e interferir nas eleições é isso – e FILMAM tudo? Ora, até a gente, que nunca tramou contra a democracia, assiste a seriados e sabe que, nesse tipo de "encontro", os "convidados" são instruídos a colocar seus celulares em uma bandeja! Uma das hipóteses apurada por colegas jornalistas é que o ex-presidente teria pedido para que a reunião fosse gravada para que "cortes" fossem enviados para seus apoiadores.
Que ideia é essa, gente? Toda pessoa – até aquela que nunca se aproximou de ambiente criminoso – sabe que não se grava uma reunião planejando um crime, ainda mais um tão grave contra o Estado democrático de Direito.
A gravação foi encontrada na casa de Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que foi preso em maio de 2023 e assinou acordo de delação premiada. Talvez Cid tenha guardado as imagens para chantagear Bolsonaro ou negociar com a polícia caso fosse preso, dizem alguns. Mas, mesmo se fosse isso, um golpista menos trapalhão iria se assegurar que aquela gravação foi deletada depois que o plano não foi para frente, não? Afinal, essa é uma prova descarada de um crime. Sim, gente, eles não só teriam planejado cometer um crime como também já adiantaram o trabalho da polícia produzindo provas.
Minutas do golpe
Não foi só isso. A Polícia Federal também encontrou, na quinta-feira passada, uma minuta do golpe – nome que está sendo usado para os documentos de planejamento e execução do suposto golpe – impressa, prontinha, na sala de Bolsonaro no seu partido, o PL. O documento é assustador e não tem nada de engraçado, já que tem escrito, com todas as letras, que um "estado de sítio" seria instituído no Brasil. Isso significa que eles poderiam prender oponentes, jornalistas e praticar outros atos antidemocráticos. Escandaloso e assustador.
Mas, como eles deixaram isso impresso, e na sala do Bolsonaro? De novo, a PF deve estar muito grata por ter tido seu trabalho tão facilitado. O advogado de Bolsonaro deu a seguinte explicação para o documento estar impresso e na sala do ex-presidente. Segundo ele, Jair não gostava de ler no celular e pediu que fosse impresso por ter "problemas de visão". Ele nega que Bolsonaro tivesse ciência do documento.
Antes disso, outra "minuta do golpe" já havia sido encontrada, em janeiro de 2023, dessa vez no computador do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Sim, eles documentaram um possível golpe em papel e deixaram os documentos em seus computadores. Nem se deram ao trabalho de esconder.
Na sexta-feira soubemos também que o general Augusto Heleno, que foi ministro Chefe do Gabinete da Segurança Institucional (olha o risco) no governo Bolsonaro, anotou à mão os planos golpistas em uma agenda. Olha que coisa mais singela. Sim, ele teria planejado um crime e escrito na agenda no estilo "meu querido diário".
Como eles foram capazes de deixar tantas provas? Como fizeram tantas trapalhadas? Tem quem ache que exista um método nisso. Outros, que foi só incompetência mesmo. O que parece, também, é que os acusados de golpe tinham certeza da impunidade, por isso, foram tão "descuidados".
Mas uma coisa é certa: o lado "Trapalhões" desse plano antidemocrático pode ter ajudado a salvar a nossa democracia. Dá arrepios de pensar no que poderia ter acontecido se essas ideias golpistas tivessem dado certo. É seríssimo. E não podemos esquecer.
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.