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Plano de "importar" médicos enfrenta resistência crescente da categoria

Clarissa Neher7 de julho de 2013

Ministério da Saúde do Brasil diz que faltam 54 mil profissionais de saúde no país e olha para o exterior para sanar déficit. Organizações médicas, porém, questionam proposta e apontam até possível risco para pacientes.

Foto: EBC

Já alvo de manifestações em várias partes do país, a proposta do governo Dilma Rousseff de recorrer a profissionais do exterior para suprir a falta de médicos no sistema de saúde nacional é, à medida que avança, recebida com mais resistência por parte de organizações da categoria.

O Ministério da Saúde diz que faltam 54 mil médicos no país. E a proposta do governo, defendida por Dilma em pronunciamento em rede nacional, é de sanar esse déficit "importando" profissionais para atenderem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em regiões pobres, onde a assistência é tida como mais problemática.

Por ora, não há um número definido de vagas no novo programa, que ainda não começou, de fato, a ser posto em prática. As organizações médicas, porém, já contestam até os números oficiais e apontam a estrutura deficiente do SUS e falta de um plano de carreira como os principais fatores que impedem brasileiros de atuar no interior do país.

"Eles não estão no interior do país porque o governo nunca teve uma política pública de interiorização da assistência", diz o presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Roberto Luiz d'Avila.

Segundo d'Avila, a falta de médicos em algumas regiões ocorre principalmente devido às condições de trabalho. Nesses locais muitas vezes faltam equipamentos, medicamentos e materiais básicos. Além disso, ressalta, não existe um plano de carreira, o que estimularia a ida de profissionais para essas regiões.

"Quando equiparem essas unidades e derem uma carreira de estado para médicos, os brasileiros irão para lá e não haverá a necessidade de médicos estrangeiros", afirma.

Governo aponta a falta de 54 mil médicos no paísFoto: EBC

O Brasil tem, em média, 1,8 médico para cada mil habitantes e fica atrás de vizinhos como Argentina (3,2) e Venezuela (1,9). A discrepância é ainda maior na comparação com europeus como Inglaterra (2,7), Alemanha (3,6), Portugal (3,9) e Espanha (4). Em Cuba a média é de 6.

No Brasil, 22 estados possuem menos médicos do que a média nacional. O Maranhão tem apenas 0,58 médico por mil habitantes, o Amapá 0,79 e o Pará 0,77. Em compensação, São Paulo possuiu 2,49, o Rio de Janeiro 3,44 e o Distrito Federal 3,46.

Para o professor de saúde da família da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Francisco Carlos Mouzinho de Oliveira, o argumento de que existem médicos suficientes no Brasil é anterior ao anúncio da intenção do Ministério da Saúde de 2importar" profissionais.

"O pensamento da corporação médica, mas não de todos os médicos, é que o salário médio vai diminuir e as condições de trabalho vão ficar mais deterioradas se houver mais médicos no mercado", afirma.

Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou a medicina como a carreira com o melhor desempenho trabalhista no país e com maior escassez de mão de obra. O salário médio dos médicos, de 8.400 reais, é o mais alto do mercado de trabalho.

O presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), Nulvio Lermen Junior, também considera que há falta de médicos e uma má distribuição desses profissionais. Mas, para ele, apenas a contratação de estrangeiros não é suficiente para solucionar os problemas.

"Sem estrutura, o trabalho vai ser bem limitado, nós questionamos quanto tempo essa pessoa vai aguentar ficar num lugar que não tem estrutura", diz Lermen. Para ele, se as condições de trabalho fossem melhores, muitos brasileiros iriam para essas regiões e a necessidade de trazer médicos do exterior se reduziria.

Revalidação do diploma

Médicos protestam contra intenção do governoFoto: EBC

Outra polêmica nesse debate é a questão da revalidação do diploma. O Ministério da Saúde deve lançar nos próximos dias o programa para levar médicos para regiões onde há carência e garante que será dada exclusividade para profissionais brasileiros.

Caso essas vagas não sejam preenchidas, afirma o Ministério, elas serão abertas para estrangeiros que receberão uma autorização especial, após passarem por três semanas de avaliação de conhecimentos de medicina e português em uma universidade brasileira. Esses profissionais só poderão atuar em regiões com escassez de médicos e por entre dois a três anos. Durante esse período, eles serão supervisionados pelas universidades.

O presidente do CFM considera perigosa a medida, pois, sem a validação do diploma, não haveria como avaliar o nível de conhecimento desses profissionais. "É responsabilidade do governo colocar médicos qualificados e competentes para atender seu povo", afirma. O médico também considera importante que estrangeiros possuam um nível elevado do conhecimento de português para evitar erros no diagnóstico e tratamento de doenças.

A SBMFC também é contrária à contração de médicos sem o chamado Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeira (Revalida).

Estrutura deficiente dificulta a ida de médicos para o interiorFoto: EBC

"Já há uma discussão grande sobre a qualidade dos médicos. Se eles não passarem pelo processo de revalidação e ainda tiverem um certificado de atuação restrito serão criadas duas classes: o médico de verdade e o quase médico. Se os estrangeiros vierem para o Brasil e passarem pelo processo de revalidação, eles têm que ser tão médicos quanto os outros, com todos os direitos e deveres", reforça.

Para Francisco Carlos Mouzinho de Oliveira, o argumento de que a população estaria em risco com a vinda de médicos estrangeiros parte da desinformação. Ele cita como exemplo médicos cubanos. Segundo o professor, o sistema de saúde de Cuba é comparável ao de países desenvolvidos e a formação desses profissionais é excelente.

Oliveira considera a vinda de médicos estrangeiros para o Brasil um marco para a atenção primária no Brasil, oferecida pelo SUS e voltada para o primeiro atendimento e trabalho de prevenção.

"Alguns membros da corporação têm justamente o interesse de que a atenção básica continue sendo de má qualidade ou que tenha uma qualidade muito limitada, para que as pessoas tenham que pagar por aquilo que elas têm direito", afirma o professor.

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