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Pobreza cai, mas desigualdade persiste na América Latina

12 de novembro de 2024

Relatório da Cepal aponta que 27% dos latino-americanos estão em situação de pobreza, enquanto o 1% mais rico concentra 33% da riqueza. Brasil responde por mais de 80% da redução da pobreza na região no ano passado.

Duas crianças escalam pallets de madeira para olhar por cima de muro de concreto
Crianças observam por cima do "muro da vergonha" em Lima, PeruFoto: Sebastian Castaned/AA/picture alliance

A pobreza atingiu o nível mais baixo desde 1990 na América Latina e no Caribe, enquanto a desigualdade de renda continuou alta, de acordo com o mais recente relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), divulgado nesta terça-feira (12/11).

A porcentagem da população latino-americana em situação de pobreza em 2023 foi de 27,3%, o que representa uma queda de 1,5 ponto percentual em comparação ao ano anterior. Em relação a 2020, o ano mais crítico da pandemia de covid-19, essa melhora foi de 5 pontos percentuais.

Ainda assim, ainda há 172 milhões de pessoas na região sem renda o suficiente para necessidades básicas, e 66 milhões vivem de forma ainda mais precária, sem acesso a itens essenciais à sobrevivência, como água potável, comida e moradia.

A taxa de pobreza extrema correspondia a 10,6% da população da região em 2023, 0,5 ponto percentual abaixo de 2022, mas acima dos níveis de 2014.

O relatório, intitulado Panorama Social da América Latina e do Caribe 2024, aponta que mais de 80% da redução da pobreza verificada na região em 2023 se deve ao desempenho do Brasil, onde vive um terço da população da América Latina. O resultado brasileiro se deve sobretudo aos programas de transferência de renda no país, diz o documento.

A Cepal observa que não houve variação significativa nos níveis de desigualdade de renda na região de 2022 a 2023, que permaneceram altos. Entre 2014 e 2023, o índice de Gini – que mede a concentração de renda e varia de 0 (igualdade máxima) a 1 (desigualdade máxima) – sofreu uma leve redução de 4%, caindo de 0,471 para 0,452.

A distribuição da riqueza é ainda mais desigual do que a de renda. Considerados os ativos financeiros e não financeiros da população latino-americana, os 10% mais ricos concentravam 66% da riqueza total, e o 1% mais rico, 33%.

Crise de desenvolvimento

O documento explica que há muitas características em comum entre os países da região em termos de desequilíbrios econômicos, sociais e ambientais, e cita "três armadilhas" que resultaram em uma crise de desenvolvimento na região:

  1. Baixa capacidade de crescimento, que deve ser combatida com uma "grande transformação" produtiva;
  2. Alta desigualdade com baixa mobilidade social e fraca coesão social, agravada por sistemas de educação precários, sistemas tributários regressivos e sistemas de proteção social com deficiências e lacunas;
  3. Políticas públicas e instituições com baixa capacidade de gerenciar as transformações necessárias.

Entre os gargalos dos países latino-americanos para combater a pobreza e a desigualdade, estão déficits de trabalho decente, incertezas associadas às mudanças tecnológicas no mundo do trabalho e mudanças climáticas. 

"Muro da vergonha" tem dez quilômetros e separa bairro pobre de zona abastada em Lima, Peru Foto: Klebher Vasquez/AA/picture alliance

Pobreza afeta mais mulheres

O relatório anual da Cepal concluiu que as mulheres latino-americanas estão mais marginalizadas que os homens em idade ativa. A incidência de pobreza entre mulheres de 20 a 59 anos era de 22,2%, quase 4 pontos percentuais a mais do que entre homens na mesma faixa etária.

O modelo de divisão do trabalho vigente e a atual organização social do cuidado criam lacunas de gênero, explica o documento.

Em 2022, apenas um pouco mais da metade das mulheres da América Latina e do Caribe estavam inseridas no mercado de trabalho (53,5%), em contraste com um percentual de 75,9% dos homens.

Entre as pessoas fora da força de trabalho na região, 56,3% das mulheres relataram se envolver exclusivamente em trabalho doméstico e de cuidado não remunerado, em comparação com 7,3% dos homens na mesma situação.

Mulheres com 65 anos ou mais também têm níveis de pobreza mais altos que os homens, mesmo recebendo pensões. Segundo o documento, 70,3% das mulheres que não recebem nenhum tipo de pensão têm rendimentos própios abaixo da linha de pobreza, assim como 42,6% das mulheres que recebem uma pensão não contributiva.

Crianças e adolescentes

Segundo o relatório, crianças e adolescentes são o grupo mais exposto à pobreza. Em 2023, 4 em cada 10 crianças e adolescentes viviam em casas situadas abaixo da linha de pobreza, uma proporção significativamente maior do que a observada na população adulta.

A pobreza infantil é mais elevada nas zonas rurais (39,1%) em comparação às zonas urbanas (24,6%).

A Cepal chama a atenção para esse tópico, uma vez que a infância e a adolescência são janelas de oportunidade únicas no desenvolvimento humano.

"O investimento na primeira infância é uma política altamente econômica, assim como a segunda janela de oportunidade da adolescência. Portanto, investir em crianças e adolescentes é uma aposta estratégica na região", diz o documento.

"A erradicação da pobreza entre crianças e adolescentes é um imperativo de direitos e uma questão fundamental para o progresso rumo ao desenvolvimento social inclusivo", reforça a organização.

Programas de transferência de renda brasileiros foram o principal motor da diminuição da pobreza na América Latina e Caribe, diz CepalFoto: Vanderlei Almeida/AFP

Proteção social não contributiva

"Para enfrentar a crise de desenvolvimento na região, é necessário avançar em direção a sistemas de proteção social universais, integrais, sustentáveis e resilientes. Para isso, é urgente fortalecer as instituições sociais com capacidades técnicas, operacionais, políticas e prospectivas", observou o secretário-executivo da Cepal, José Manuel Salazar-Xirinachs.

A organização defende mecanismos de proteção social não contributivos – ou seja, que não dependem de uma contribuição – para que a região alcance um estado de bem-estar social.

"A proteção social não contributiva torna-se particularmente relevante quando se consideram os níveis persistentes de pobreza extrema e pobreza na região, juntamente com a natureza histórica e estrutural da desigualdade e os altos níveis de informalidade no trabalho e empregos de baixa qualidade que se traduzem em acesso limitado ou escasso às políticas de proteção social contributiva", defende a organização.

De acordo com a Cepal, é necessário um nível de investimento em proteção social não contributiva entre 1,5% e 2,5% do PIB, ou entre 5% e 10% do gasto público total, para que a região avance na erradicação da pobreza, o que está distante da realidade. Em média, os 20 países da região que foram analisados gastaram em média 0,8% do PIB, ou 3% do gasto público total, em proteção social não contributiva em 2022.

sf/bl (Cepal)