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Poesia se despe e veste rótulo digital

Simone de Mello30 de março de 2004

Exposição de "poesia digital", organizada pela Literaturwerkstatt no Kulturforum em Berlim, mostra o que restou dos experimentos com literatura e mídia.

'p0es1s' rastreia manifestações poéticas nas mídias eletrônicas

Dois bichos de pelúcia motorizados com gravadores embutidos conversam em cima um pedestal, enquanto alguém se esforça num aparelho de ginástica para acionar um texto no monitor à sua frente. Isto é o que o visitante da exposição Digitale Poesie (Poesia Digital), aberta até 4 de abril no Kulturforum de Berlim, encontra na sala central da mostra, após percorrer as escadas de acesso sob efeito de uma instalação sonora com fragmentos textuais inusitados.

Suporte perdido

Em Discurso-Bofetada (Watschen-Diskurs), os alemães Uli Winters e Frank Fietzek mostram dois bonecos que só conhecem duas formas de interação: a troca de argumentos numa disputa verbal e, de quando em quando, uma bofetada. Os artistas combinaram estas duas regras de jogo, mas produziram seus textos separadamente, o que significa que o diálogo entre os textos gravados e pontuados por bofetadas é absolutamente arbitrário.

Franz Fietzek: Bodybuilding

Já na instalalação Bodybuiding, também de Frank Fietzek, o observador/leitor é convidado a entrar em forma, se quiser dialogar com a obra. Só quando ele movimenta o peso é que o monitor à sua frente aciona os fragmentos de um diálogo erótico e pornográfico, selecionados a esmo e em reação à atividade do "usuário". Se estas duas instalações não desafiaram o observador a "interagir", pelo menos deve ter suscitado uma questão básica: o que isso tem a ver com poesia? com código digital?

Código trocado

Faz tempo que o papel deixou de ser o suporte exclusivo da literatura e o livro passou a poder se desmaterializar em documento eletrônico. A copresença do código digital incentivou artistas e literatos a redescobrir a tradição dos experimentos literários com hipertexto, intermídia e cibernética e aplicá-los a mídias que facilitam a execução de tais procedimentos: o computador como aparato e a internet como distribuição. Nos hipertextos eletrônicos, experimentos interativos de rede e outras formas da literatura digital, o código línguístico passou a ser subsidiário do código digital e sua base logarítmica.

O que a exposição Poesia Digital mostra, no entanto, é que a transferência da literatura para diferentes suportes e a crescente diluição do código linguístico em meio às interferências do processo intermídia pode levar ao desaparecimento da escrita. E o surgimento de uma nova?

Giselle Beiguelmann - Poétrica

Em sua contribuição à mostra Poesia Digital, a paulistana Giselle Beiguelmann mostrou uma série de "poemas visuais" compostos com signos-não fonéticos amalgamados. A textura visual de Poétrica - executada sobre papel, acessível na internet, projetada no espaço urbano (em telões e cinemas de Berlim, como anúncio da exposição) e redocumentada em vídeo - mostra que o hibridismo desta nova escrita permite veiculá-la nos mais diversos suportes e formatos. Já que ela não foi feita para ser lida (um upgrade técnico da notação ilegível do grafitti?), talvez a situação de recepção não seja de fato relevante.

Leitor supérfluo

A maioria dos trabalhos expostos são explicitamente interativos, no sentido básico de que exigem do usuário o domínio de um mouse. Em Teletext, do duo holandês Jodi, os padrões visuais de texto-fonte se alteram a cada clicada do mouse. A transformação aleatória de um texto escrito em diversas línguas, em Io Sono at Swoons, de Loss Pequeño Glazier, poeta e professor norte-americano, também é desencadeada por uma clicada. E a formação de um cubo tridimencional de fragmentos textuais, a ser contemplado na tela do computador de todos os ângulos, é igualmente detonada pelo mouse.

Estes são apenas alguns exemplos de como certos procedimentos de interação do leitor na obra - explorados em toda a tradição da poesia experimental, visual e concreta - podem transformar o leitor em usuário passivo, ao serem transferidos para novas mídias. O que na poesia visual impressa dava ao leitor a liberdade de ler o texto, por exemplo , em diversas direções transformou-o na mídia eletrônica num executor de software aplicativo ou espectador de animações textuais.

No final, era o nome

Resta saber ainda por que denominar isso tudo de "poesia". O curador Friedrich Block tem consciência da imprecisão do gênero de "poesia digital" propagado pela mostra: "'Poesia digital' não pode ser mais que um conceito para mera orientação. Ele não define um gênero com limites nítidos. Não sá para saber se esta arte é literatura ou deveria ser atribuída a um outro âmbito. Fazer uma opção neste sentido não traria nenhuma vantagem estética. Uma qualidade da poesia digital é certamente a sua abertura, que mais lança questões do que responde."

Após ter se desnidado de tudo, a poesia se mantém, portanto, mesmo que seja só no nome.

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