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Prós e contras das privatizações de presídios

17 de janeiro de 2017

Crise nas penitenciárias leva governo Michel Temer a apontar a cogestão com empresas privadas como uma das saídas para aliviar a superlotação, uma política já defendida em governos anteriores e repleta de controvérsias.

Brasilien Gefängnisunruhen Sicherheitskräfte in Manaus
Policiais da Força Nacional de Segurança enviados ao presídio Anísio Jobim, em Manaus, palco de uma das rebeliões.Foto: Getty Images/AFP/R. Alves

A delegação de serviços das prisões a empresas da iniciativa privada é um tema cercado de controvérsias jurídicas, éticas e ideológicas que voltam à agenda política do Brasil com a nova onda de massacres em presídios das regiões Norte e Nordeste. A chamada privatização do sistema carcerário é discutida pelo governo federal desde antes dos anos 2000, na gestão do então presidente Fernando Henrique Cardoso. O governo do presidente Michel Temer já havia apontado a celebração de Parcerias Público-Privadas (PPPs) para construção de presídios como solução viável para aliviar a crise de superlotação do sistema carcerário. Agora, com a morte de mais de 130 presos em apenas 15 dias, a pauta das concessões e das PPPs é vista como prioridade pela atual administração.

No governo FHC, Elisabeth Sussekind assumiu a linha de frente da defesa das parcerias com a iniciativa privada no comando da Secretária Nacional de Justiça (1999 a 2002). Enfrentou especialistas e militantes políticos, segundo ela, sem medo de defender seus pontos de vista, ainda que solitária. Hoje a professora de criminologia e direito penal da UFRJ ainda aponta a terceirização de serviços nas penitenciárias como uma saída factível para o poder público, mas faz várias ressalvas e ponderações. Ao deixar o Ministério da Justiça, Sussekind visitou presídios terceirizados na Bahia e em Minas Gerais. Constatou que o estado terceirizou apenas a segurança. O local ficou, de fato, mais seguro, com protocolos e normas internas administradas pelas empresas privadas. Porém, o quesito assistência aos presos seguia sendo um desastre, afirma. "Nada de médicos, estudo ou trabalho. Os locais continuam superlotados, imundos."

O problema crucial do debate, na opinião da ex-secretária de Justiça, é que a privatização aparece no contexto de um discurso político voltado à redução de rebeliões, protestos, fugas e críticas sobre a superlotação. Além disso, não há seriedade no cumprimento do contrato e no controle do Estado sobre as empresas concessionárias. O modelo, reflete a professora, não costuma ser pensado para a ressocialização da população carcerária, para reduzir a reincidência do crime, alfabetizar presos, treinar e capacitar para o trabalho. Ter lucro num negócio como esse não seria um problema, segundo Sussekind, porque toda a iniciativa privada visa o lucro. "E o das prisões se justificaria" se significasse bons serviços ao Estado e à população presa.

Na opinião dos críticos da privatização, o próprio ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, já antecipou um dos problemas centrais ao acusar a empresa Umanizzare, que administra o Complexo Anísio Jobim, em Manaus, de ter "responsabilidade visível e imediata" pela tragédia. A empresa reagiu. Alegou que o contrato com o poder público é de cogestão. "A lei explicita, sem dar margem a dúvida, a contenção de rebeliões como prerrogativa exclusiva do poder público", argumentou a empresa, que atualmente assumiu a cogestão em oito unidades prisionais do Amazonas e de Tocantins.

"Como se sabe, um traço central das modernas democracias é a pretensão ao monopólio estatal do uso legítimo da força. O poder de privar o cidadão de liberdade como medida punitiva e de empregar meios coercitivos para fazê-lo constitui uma das dimensões da própria razão de ser do Estado, e, nessa medida, é intransferível", afirma o professor Laurindo Dias Minhoto, da USP, autor do livro Privatização dos presídios e criminalidade (2000). Nos Estados Unidos, o Texas julgou polêmica semelhante após a morte de um detento por um agente privado. O professor salienta que o Tribunal Federal da Região do Estado do Texas decidiu que "ambos, estados e empresas privadas que administram estabelecimentos penitenciários, são responsáveis em questões relativas ao uso de força letal".

Minhoto considera que a experiência norte-americana deve ser levada em conta pelo governo brasileiro. Nos Estados Unidos, o governo Barack Obama decidiu acabar gradualmente com a privatização do sistema carcerário. Auditoria do Departamento de Justiça detectou que o setor privado "não é capaz de prover o mesmo nível de recursos e de qualidade dos programas e serviços correcionais" dos estabelecimentos públicos. Constatou-se, ainda, que não há redução de custos. "As prisões privadas não são menos onerosas para estados e contribuintes nem tampouco operam em níveis minimamente aceitáveis de eficiência. Ao contrário, ao configurar um contexto institucional em tudo avesso a estratégias de reabilitação de detentos, o funcionamento concreto das prisões privadas vai desmanchando qualquer aparência de efetividade de metas e indicadores de qualidade fixados em contratos de gestão", argumenta o professor da USP.

Já a ex-secretária nacional de Justiça afirma que a experiência americana não pode ser comparada à brasileira, já que a política dos Estados Unidos não foca em reabilitação, mas somente em hotelaria, limpeza, alimentação, acesso a médicos e segurança. Para Sussekind, se houvesse no Brasil dois ou três contratos terceirizados em cada estado, monitorados e devidamente controlados pelo poder público, a experiência poderia ser positiva, e o Brasil poderia ter dados para fazer comparações. Somente a partir destes dados, diz ela, os estados poderiam readaptar as experiências ou simplesmente encerrar os processos de terceirização.

Diante do grave quadro do sistema penitenciário, o brasileiro certamente poderá dar aval à privatização, diz o professor, usando a seguinte reflexão: "O que poderia ser pior do que o atual modelo?" A barbárie estrutural das prisões brasileiras, afirma Minhoto, reflete a realidade social e política que se vê do lado de fora dos cárceres. "Em várias sociedades, o nível de barbárie do lado de dentro é indicativo do nível de barbárie do lado de fora."

Em 2014, a Pastoral Carcerária fez um estudo profundo sobre a privatização de presídios. Há hoje no país 30 prisões privatizadas nos estados de Santa Catarina, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas e Amazonas. Os contratos mais comuns são de cogestão, em que o estado é responsável pela direção da unidade, da guarda e de escolta externa, enquanto a empresa privada assume serviços de saúde, alimentação, limpeza, vigilância e escolta internas, além da manutenção das instalações.

Os contratos de PPPs são para projetar, construir e financiar presídios, em concessões que podem durar 30 anos. "Efetivamente, não há informações suficientes para realizar uma análise segura da efetividade da privatização no âmbito dos estados, a começar pela falta de transparência. Os governos estaduais e as empresas privadas resistem em oferecer informações dos processos de licitação", diz trecho do documento elaborado pela Pastoral. A organização é contra o processo de terceirização, argumentando com os altos custos ao poder público (em média R$ 3 mil por preso) e pela ineficácia. A Pastoral sugere uma parceria com organizações da sociedade civil e sem fins lucrativos para que sejam oferecidos aos presos serviços de alimentação, assistência médica e educação mais dignos. "Uma terceira via ainda não foi adequadamente testada e investigada."

 

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