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Polêmica sobre assédio no transporte público reflete problema maior

Clarissa Neher28 de março de 2014

Página no Facebook enaltecendo abusos levou até Dilma a se manifestar e pôs em debate implantação de vagões exclusivos. Para especialistas, medida é paliativa e só reforça a ideia de que mulher é culpada, e não vítima.

Foto: Mauricio Lima/AFP/Getty Images

Uma página no Facebook, hoje fora do ar, causou alvoroço no Brasil há algumas semanas. Com mais de 12 mil seguidores, ela enaltecia o abuso sexual a mulheres no transporte público e incentivava os homens a compartilhar suas experiências.

Somente neste ano, já foram registrados 29 casos na cidade de São Paulo. Em 2013, foram cem denúncias do tipo – um número que pode ser maior, já que muitas vítimas se calam. O problema já levou Rio e Brasília a criarem vagões exclusivos para mulheres. Outras cidades, como Belo Horizonte, cogitam fazer o mesmo.

O caso fez até a presidente Dilma Rousseff se manifestar. "A ação de criminosos que assediam e abusam de mulheres em ônibus, trens e metrô envergonha nossa sociedade", escreveu no Twitter.

"A violência contra a mulher no transporte público sempre aconteceu, mas não era divulgada. A novidade agora é o aumento dessa violência na medida em que essas filmagens são compartilhadas, estimulando e divulgando o assédio sexual, como se fosse entretenimento para os homens no metrô e no ônibus", denuncia Sonia Coelho da ONG Sempreviva Organização Feminista.

Vagão rosa

O abuso sexual de mulheres no transporte público ficou mais evidente nas últimas semanas em São Paulo, mas não é um problema exclusivo da cidade. Há sete anos o metrô do Rio de Janeiro instituiu o vagão rosa, exclusivo para mulheres. Em 2013, medida semelhante foi implantada em Brasília. Em Belo Horizonte, a criação do vagão rosa está sendo discutida.

A medida é controversa, e especialistas divergem sobre a eficácia do vagão. "Se temos uma população composta por mais de 50% de mulheres, pensar em destinar carros exclusivos para elas é uma atitude como tapar o sol com a peneira", afirma Dalila Figueiredo, presidente da Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude (Asbrad).

Coelho também não considera o vagão como uma opção para combater o assédio sexual no transporte público. "Não ajuda em nada um vagão para as mulheres, considerando que essa é uma medida de segregação, porque mais protege o machismo do que defende as mulheres do assédio", afirma.

Porém, alguns especialistas defendem o vagão como medida imediata para proteger as usuárias de transporte coletivo. Para a defensora pública do estado de São Paulo e coordenadora auxiliar do núcleo de proteção e defesa dos direitos da mulher, Ana Rita Souza Prata, o vagão pode ser o ponto inicial, mas sozinho não resolve a questão.

"No entanto, algumas considerações devem ser feitas, como a existência de maior número de pessoas do sexo feminino que masculino em nosso país, ou seja, a minoria deveria ser colocada no vagão exclusivo, ou fica a sensação de que a mulher esta sendo responsabilizada apesar de ser vítima. Não vejo essa proposta como de toda ruim, mas é sim apenas um paliativo, que não vai, em nenhum momento, atacar o problema pela raiz", opina Prata.

Machismo

Uma pesquisa divulgada na quinta-feira (28/03) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que a sociedade brasileira ainda mantém opiniões machistas e acha que o comportamento da mulher tem influência no número de abusos.

Os pesquisadores pediram que os entrevistados dissessem se concordavam ou não com frases como "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas" e "se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros". Para a primeira, 65% dos entrevistados disseram concordar total ou parcialmente. Para a segunda, o percentual foi de 58,5%.

A Organização das Nações Unidas também não descarta a criação de vagões exclusivos. "Sem dúvida, é uma medida bem-vinda, mas ela é paliativa e deve ser temporária, pois, em certo sentido, reforça a segregação entre os gêneros e transmite a mensagem de que mulheres e homens não podem conviver de maneira civilizada e respeitosa no espaço público e nos meios de transporte coletivo", afirma Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil.

O Metrô e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos afirmaram que não tem a intenção de criar vagões exclusivos e reforçaram que possuem estratégias de segurança que contam com o monitoramento por câmeras, além de funcionários uniformizados e à paisana patrulhando os veículos e estações.

Denúncia

As medidas apontadas por especialistas para combater os abusos incluem campanhas educativas e contra o assédio; treinamento de funcionários do sistema transporte focado na orientação sobre como agir nesses casos; o aumento do número de mulheres como condutoras, cobradoras e motoristas; instalação de câmeras em vagões e ônibus; além de políticas públicas voltadas para melhorar o atendimento das vítimas e a punição eficiente dos agressores.

"Se as pessoas forem orientadas desde cedo que esse tipo de conduta, que em algumas situações é até estimulada pela sociedade, é crime, elas se sentirão no mínimo menos livres para cometê-la", reforça Prata.

Além disso, a denúncia na hora do assédio – para a segurança no caso do metrô ou motorista e cobrador no caso do ônibus – também é essencial para reduzir essa violência e inibir o agressor.

O assédio sexual em transporte público pode ser considerado contravenção penal ou estupro. Por contravenção penal é entendido o ato de importunar alguém em lugares públicos de modo ofensivo ao pudor. A pena prevista para esse crime é uma multa. Se a vítima for forçada a ter alguma conduta sexual, o crime passa a ser de estupro, e a pena é de seis a dez anos de prisão.

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