Polêmicas antecipam inauguração do Humboldt Forum de Berlim
Sertan Sanderson
1 de junho de 2021
Lista de problemas com planejado megacentro cultural é longa: de segurança digital insuficiente e controvérsias sobre arte pilhada de ex-colônias a acusações de assédio no local de trabalho. Paira ameaça de adiamento.
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Certa vez, a ministra alemã da Cultura, Monika Grütters, se referiu ao prédio do Humboldt Forum, que se ergue na margem do rio Spree, em Berlim, como "o mais ambicioso projeto cultural do país". Cercada de controvérsias desde o início, contudo, a ressurreição do antigo palácio da dinastia Hohenzollern, em estilo prussiano, tem sido uma batalha, tanto para a capital, quanto para a República Federal da Alemanha reunificada, sua principal patrocinadora.
A extinta República Democrática Alemã demoliu em 1950 o edifício original, que sofrera consideráveis danos durante a Segunda Guerra Mundial. Em seguida, o governo comunista ergueu em seu lugar o Palácio da República, que até 1990 serviu de sede do parlamento da RDA. Que depois, indesejado e contaminado de amianto, resistiu ainda por quase 20 anos após a queda do Muro de Berlim, até ser igualmente demolido.
A nova construção destinada a tomar seu lugar, baseada em parte no Palácio de Berlim do início do século 18, deveria ser nada menos do que um "museu do mundo", visando abrir um diálogo entre as culturas, com inauguração estava programada para o terceiro trimestre de 2021. Porém as complicações e atrasos se acumulam.
Insegurança digital e assédio no trabalho
Um novo palácio para Berlim - e muitas perguntas
07:05
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No fim de maio, vieram a público diversas deficiências técnicas. O jornal Süddeutsche Zeitung noticiou uma lista de defeitos de construção ainda não corrigidos. O veículo citava uma carta de Hans-Dieter Hegner, o membro da diretoria responsável pela supervisão das obras, segundo o qual a ausência de um sistema abrangente de segurança para a infraestrutura informática do fórum o torna mais exposto a ataques de hackers.
Como a Fundação Humboldt Forum não é capaz de "garantir operações seguras", haveria risco, tanto para os bens culturais como para os visitantes", afirmava Hegner. Agora se especula se a inauguração, já muito atrasada, em parte devido à pandemia de covid-19, terá que ser adiada mais uma vez.
Mas isso não é tudo: com a abertura do pátio interno, em que se encontram restaurantes e lojas, marcada para a segunda semana de junho, recentemente funcionários do serviço de visitantes, que será vital para a operação, fizeram graves acusações de assédio.
Numa reportagem conjunta da revista Der Spiegel e do magazine de TV Frontal 21, diversos deles revelaram ter sido alvo de mau tratamento, numa atmosfera marcada por humilhação intencional e vigilância. Dos 75 empregados em novembro de 202 para trabalhar no complexo arquitetônico de 44 mil metros quadrados, 28 já deixaram a companhia, vários demitidos, porém outros por iniciativa própria, incapazes de suportar a pressão.
Segundo o jornal Tagesspiegel, a empresa encarregada de gerir os prestadores de serviços para a Fundação Humboldt Forum, mantém "listas inaceitáveis e facilmente acessíveis" dos empregados do serviço de visitantes, as quais conteriam "detalhes privados, de distúrbios do sono a psicoterapia".
A fundação alegou em comunicado só ter tomado conhecimento das alegações através da mídia, mas que a diretora-gerente encarregada do pessoal de serviços foi "dispensada de suas obrigações, até os incidentes terem sido esclarecidos".
Na mira do debate da "arte pilhada"
Projetada pelo arquiteto italiano Franco Stella, a ala modernista do Humboldt Forum no Palácio de Berlim abriga dois museus da Fundação Patrimônio Prussiano (Stiftung Preussischer Kulturbesitz), do estado de Berlim e da Universidade Humboldt.
O centro de cultura, arte e ciência será um local de exposições de artefatos etnológicos da Ásia, África, América e Oceania – entre os quais, controvertidas peças coloniais "pilhadas", sujeitas a debates de restituição –, além de peças históricas berlinenses.
Entretanto, poderá levar algum tempo até os primeiros visitantes poderem circular pelo edifício. A alameda voltada para o rio, os terraços e a varanda do do Spree e o arvoredo estão visíveis para o público desde meados de dezembro, quando os alambrados de construção foram removidos. As salas de exposição, contudo, permanecem fechadas, sobretudo devido à pandemia.
Como consolo, o Humboldt Forum já pode ser visitado digitalmente desde o fim de 2020: há conteúdo digital disponível no website do projeto, inclusive tours virtuais, curtas-metragens e fóruns de discussões.
Lá se pode, por exemplo, aprender sobre Alexander von Humboldt, naturalista e explorador alemão que dá nome ao fórum; sobre o estado da pesquisa de proveniência de objetos de propriedade controversa; ou sobre como a Alemanha está lidando com sua história colonialista. Agora só falta os visitantes poderem finalmente conhecer de perto o "projeto cultural mais ambicioso de nosso país".
Humboldt, o extraordinário coletor de plantas
Na sua expedição por colônias espanholas na América, Humboldt reuniu milhares de plantas e as enviou para catalogação na Europa. Ao mesmo tempo, revelou ao Velho Mundo as cores fascinantes da vida no Novo Mundo.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Explorando a América espanhola
De 1799 a 1804, Alexander von Humboldt e o botânico e médico francês Aime Bonpland fizeram uma expedição científica por Venezuela, Cuba, Colômbia, Equador, Peru, México e Estados Unidos. Nesse tempo, eles coletaram milhares de espécies de plantas, as secaram e as prepararam para serem enviadas à Europa para um estudo posterior, como esta Dasyphyllum argenteum, que só é encontrada no Equador.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Mundo de descobertas
Além de plantas, eles também coletaram sementes e frutos. No entanto, Humboldt estava mais interessado na totalidade da natureza, e grande parte da coleta de plantas foi feita por Bonpland, que também era botânico. Ambos fizeram anotações detalhadas em sua jornada. Humboldt também tinha interesse em palmeiras e orquídeas, como esta orquídea Catasetum maculatum, que ele próprio desenhou.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Remessas separadas
Para garantir que suas plantas chegassem à Europa, Humboldt dividiu a coleção e a mandou em remessas separadas. Além disso, ele também enviou amostras para amigos e colaboradores. Por isso, nunca houve um conjunto completo e ninguém pode dizer quantas plantas foram coletadas e sobreviveram à travessia do Atlântico. Aqui uma Werneria pumila, encontrada apenas no Equador.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Volta à Europa
Ao voltar à Europa em 1804, Humboldt viajou para a Alemanha e a Itália, antes de se instalar em Paris por 20 anos para publicar seus livros com os dados reunidos na América espanhola. "Essai sur la géographie des plantes" (Ensaio sobre a geografia das plantas) reuniu tudo o que ele aprendera em anos de observações botânicas. É um marco da geografia vegetal. Aqui uma samambaia Adiantum varium.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Cores exuberantes
Alexander von Humboldt levaria mais de 30 anos para publicar os 32 volumes sobre sua expedição, e mesmo assim muito material nem chegou a ser usado. Muitos dos livros são grandes fólios em francês com ilustrações mostrando cenas, mapas e animais. Mas foram os livros botânicos que inflamaram o mundo com imagens coloridas à mão, como esta Corallophyllum caeruleum.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Humboldt, o mentor
A maior parte da pesquisa para os livros botânicos foi feita por outros cientistas. Primeiro foi Bonpland, que perdeu o interesse e voltou para a América do Sul, e depois foi Karl Sigismund Kunth. Ao todo, eles dedicaram 15 volumes a plantas da América espanhola. As primeiras páginas foram impressas em 1805 e, as últimas, em 1834. Aqui um Culcitium reflexum, observe as estrelinhas na flor.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Destaque entre os livros de botânica
O marcante não é só o fato de Humboldt ter colecionado tantas plantas ou publicado tantos livros, mas a qualidade deles. Ele e sua equipe foram os primeiros a documentar o local e a altitude onde elas foram encontradas. Além disso, muitas gravuras são baseadas em desenhos de Pierre Jean François Turpin, um extraordinário artista botânico. Aqui, um detalhe de uma palmeira Attalia amygdalina.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Na vanguarda da pesquisa científica
No trabalho de campo, Humboldt e Bonpland reuniram 4.528 plantas. Eles as numeraram, deram determinações preliminares e fizeram descrições com informações de localização em francês, latim ou espanhol. Em alguns casos, eles até fizeram impressões das plantas à tinta sobre papel. Aqui, uma Masdevallia uniflora, que parece uma tulipa, mas na verdade é uma orquídea do Peru.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Pergunta sem resposta
Até o próprio Humboldt citou números contraditórios sobre a quantidade de espécies de plantas que recolheu: entre 6 mil e 12 mil. Mas o que realmente impressiona é a velocidade com que ele publicou as descobertas e a suntuosidade dos seus livros. Ele foi até capaz de fazer a planta aquática Mariscus pycnostachyus parecer linda.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
No mar e na terra
As amostras foram colhidas nos Andes, nas alturas, e no fundo do oceano, nas profundezas. Nem todas as plantas trazidas para a Europa eram desconhecidas. Ainda assim, os cientistas não conseguiram resistir a dar nome a algumas delas. Aqui um detalhe de uma Zonaria Kunthii, uma alga hoje conhecida como Dictyota kunthii, cujo nome é uma homenagem ao colaborador de Humboldt Karl Sigismund Kunth.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Nos arquivos
Coleções de plantas secas e prensadas, também conhecidas como herbários, são recursos valiosos. Um herbário histórico como o de Humboldt, com mais de 200 anos, depositado no Museu de História Natural de Paris e no Jardim e Museu Botânico de Berlim, é importante por ser uma espécie de cápsula do tempo. Estas prateleiras no museu em Berlim contêm parte da sua coleção única de plantas.
Foto: T. Rooks
Estragos da guerra
Nos bombardeios contra o Jardim e Museu Botânico durante a 2ª Guerra, apenas parte do herbário insubstituível havia sido guardada num cofre de banco por razões de segurança. O resto foi praticamente perdido. Na foto, um dos "sobreviventes", uma folha de Bertholletia excelsa, a castanha-do-pará. Ela é mantida trancada a sete chaves.
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks
Acervo disponibilizado
Após o fim da guerra, o Jardim e Museu Botânico de Berlim substituiu ou reconstruiu os livros botânicos de Humboldt. Além de fazer pequenas exposições, ele também digitalizou o herbário e o disponibilizou online. Os trabalhos de Humboldt nas colônias hispano-americanas e depois em Paris foram tão pioneiros que os estudiosos ainda vasculham suas anotações para aprender sobre seu trabalho de campo.
Foto: Staatsbibliothek Berlin/Foto: Timothy Rooks
De encher os olhos
Humboldt deixou para trás muitas das impressões botânicas mais sensacionais já criadas. Qualquer um pode apreciá-las sem conhecer a sua história. Embora os artistas às vezes tenham usado cores improváveis, as imagens não deixam de ser bonitas, como esta orquídea Oncidium pictum. (Fonte das imagens históricas: Biblioteca do Museu Botânico, Berlim)
Foto: Botanisches Museum Berlin/Foto: Timothy Rooks