Inquérito policial descarta injúria racial, mas cita "contexto discriminatório". Homem negro foi espancado até a morte por seguranças em supermercado da rede Carrefour em Porto Alegre.
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A Polícia Civil do Rio Grande do Sul indiciou nesta sexta-feira (11/12) seis pessoas por homicídio no caso que resultou na morte de João Alberto Silveira Freitas num supermercado em Porto Alegre em 19 de novembro.
As seis pessoas acusadas foram indiciadas por homicídio triplamente qualificado – por motivo torpe, asfixia e recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
O laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP) do Rio Grande do Sul apontou que Beto morreu por asfixia. Após ser espancado, ele foi mantido imobilizado no chão pelos funcionários.
Mas não houve indiciamento por injúria racial, embora a delegada Roberta Bertoldo, da 2ª Delegacia de Homicídios e Proteção a Pessoas, tenha falado em racismo estrutural. Segundo a delegada, não há indícios de que a motivação do crime tenha sido racismo, mas houve um contexto discriminatório. "Se a cor da pele da pessoa fosse outra, provavelmente a situação seria outra", afirmou Bertoldo.
Em 19 de novembro, na véspera do Dia da Consciência Negra, João Alberto, de 40 anos, também conhecido por Beto Freitas, foi espancado num Carrefour, em Porto Alegre. Imagens de gravações de testemunhas e de câmeras de vigilância mostram a violência e o uso desnecessário de força exercido pelos seguranças. O caso provocou comoção no Brasil e protestos em lojas da rede Carrefour no país.
Os indiciados pela morte de Beto Freitas
Entre as seis pessoas indiciadas pelo crime estão os dois seguranças, Geovane Gaspar da Silva, ex-soldado temporário da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, e Magno Braz Borges. Ambos haviam sido detidos em flagrante pelo espancamento e pela morte por asfixia de Beto Freitas.
Completam a lista de indiciados a agente de fiscalização do Carrefour que tentou impedir as gravações, Adriana Alves Dutra, além de Paulo Francisco da Silva, funcionário da empresa de segurança que impediu que a esposa ajudasse Beto Freitas, e dois funcionários do Carrefour – Kleiton Silva Santos e Rafael Rezende – que auxiliaram na imobilização da vítima.
Eles também foram indiciados por impedir socorro à vítima e por não prestar nenhum tipo de ajuda. "A vítima não apresentava sinais vitais, mas eles se mantiveram inertes, mesmo tendo uma unidade hospitalar próxima, distante apenas 1,2 quilômetros. E, mesmo assim, aguardou-se uma equipe do Samu, que chegou ao local 14 minutos após ser cientificada", diz trecho do inquérito.
A polícia pediu a prisão preventiva dos três funcionários que ainda não foram detidos e ainda apresentou à Justiça um pedido de manutenção da prisão preventiva dos dois seguranças e da agente de fiscalização.
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Depoimentos apontam incidente dois dias antes
Em depoimento à polícia, o funcionário Kleiton Silva Santos afirmou que uma funcionária que ficava num setor que vigia os caixas solicitou ajuda via rádio. Imagens de câmeras de vigilância mostram Beto Freitas indo em direção dessa funcionária, que não está entre os indiciados. Ela é vista saindo de perto de Beto Freitas, que se reaproxima dela, gesticulando e falando algo que a funcionária disse não ter entendido.
Também em depoimento à polícia, Paulo Francisco da Silva, funcionário da empresa de segurança Vector, contou que naquela mesma semana Beto Freitas havia ido ao supermercado com sinais de embriaguez ou sob efeito de narcóticos e que importunou clientes com gestos de arma com as mãos e forçando abraços.
Durante as investigações, clientes do supermercado foram à polícia detalhar que foram importunadas por Beto Freitas no local em dias anteriores. Francisco da Silva é quem aparece nos vídeos gravados dizendo a Beto Freitas: "não faz cena, a gente te avisou da outra vez".
O incidente relatado ocorreu dois dias antes da morte e foi confirmado por imagens de vigilância, conforme comunicou a delegada Bertoldo. Na ocasião, Beto Freitas também foi abordado por seguranças. Dissuadido, ele deixou o supermercado.
"Mas eram outros funcionários e esse evento em nada implicou nesse desfecho depois [dia da morte]", afirmou a delegada. Ainda segundo a polícia, não foi constatado ato criminal de Beto Freitas nas proximidades dos caixas no dia da morte.
Na terça-feira, o Senado aprovou em votação simbólica um projeto que prevê uma pena específica para atos cometidos por agentes públicos e profissionais de segurança privada que tenham relação discriminatória por raça, etnia, gênero ou orientação sexual. O projeto tramita agora na Câmara dos Deputados.
PV/ots
O racismo e os filmes hollywoodianos
O drama "Green Book" foi premiado com o Oscar de melhor filme de 2019. O tema da segregação racial já foi abordado por Hollywood diversas vezes no passado.
Foto: picture alliance/AP/Universal/P. Perret
Melhor filme de 2019
A história contada pelo diretor Peter Farrelly é baseada em fatos reais. Viggo Mortensen (esq.) faz o papel de um chofer de um pianista negro que viaja pelos estados do sul dos EUA, orientando-se pelo "Green Book: o Guia". A particularidade: o livro informa motoristas sobre restaurantes e hotéis que são exclusivamente para pessoas negras – um sinal claro de segregação racial.
Foto: picture alliance/AP/Universal/P. Perret
"Infiltrado na Klan"
Em 2019, o Oscar do melhor roteiro adaptado foi para um filme que também aborda a segregação racial. "Infiltrado na Klan", do diretor Spike Lee, remonta igualmente a uma história verídica. Nos anos 1970, um policial negro consegue se infiltrar na Ku Klux Klan. Desde a década de 1980, o cineasta afro-americano vem abordando o tema do racismo nos EUA.
Foto: D. Lee/F. Features
"Pantera Negra"
Um terceiro filme que aborda – no sentido mais amplo – o tema do racismo também arrebatou três Oscar este ano. "Pantera Negra", adaptação de HQ dos estúdios Marvel, apresentou pela primeira vez um super-herói negro. Os autores de quadrinhos Stan Lee e Jack Kirby criaram os personagens na década de 1960, no auge do movimento pelos direitos civis.
Foto: picture-alliance/Marvel Studios
Homens brancos julgam…
Em 1957, o filme "Doze homens e uma sentença" foi uma das primeiras obras do cinema americano a tratar do racismo. Como thriller judicial em primeira linha, a estreia cinematográfica do diretor Sidney Lumet também abordava os preconceitos dos doze jurados brancos, responsáveis pelo veredicto contra um jovem porto-riquenho no tribunal.
Foto: picture-alliance/United Archives
"No calor da noite"
Dez anos depois, foi Sidney Poitier quem abriu mais portas em Hollywood. No drama "No calor da noite", Poitier interpreta um policial do norte que tem de resolver um caso no sul dos EUA e se depara com um racismo abismal. O filme foi premiado com cinco Oscars – e coroou Poitier como primeiro superastro afro-americano do cinema do país.
Foto: picture-alliance/United Archiv/TBM
"Mississippi em chamas"
Rodado nos EUA pelo diretor britânico Alan Parker, em 1988, "Mississippi em chamas" aborda assassinatos de negros e investigações do FBI. Um crítico escreveu: "A direção sensacionalista de Parker (faz) praticamente tudo para transformar 'Mississippi em chamas' num pastiche de filme de gângster. Mesmo assim, a película rompe um tabu: põe a culpa em toda uma camada burguesa de americanos brancos."
Foto: ORION PICTURES CORPORATION
"Conduzindo Miss Daisy"
Um ano depois, o australiano Bruce Beresford trouxe às telas a história sentimental produzida em Hollywood "Conduzindo Miss Daisy". Da mesma forma que "Green Book: o Guia", este filme também foi um exemplo de como se pode lidar com o tema no cinema: de forma conciliatória e sentimental. Ele conseguiu levar quatro Oscars.
Foto: picture-alliance/Mary Evans Picture Library/Majestic Films
"Gran Torino"
Em 2008, o diretor e estrela de Hollywood Clint Eastwood surpreendeu seus fãs com o drama "Gran Torino". Nele, Eastwood interpreta um americano racista, que nutre preconceitos principalmente contra a população de origem asiática nos EUA. No decorrer do filme, o personagem interpretado por Eastwood se transforma por meio de vivências pessoais para melhor.
Foto: Imago//Unimedia Images
Mais Clint Eastwood
Um ano depois, Eastwood abordava novamente, de outra forma, o tema do racismo. No drama biográfico esportivo "Invictus", ele conta a história da seleção sul-africana de rúgbi. "Conquistando o inimigo" foi o título do livro original. Eastwood lançou um olhar sobre a África do Sul na era pós-apartheid. Morgan Freeman fez o papel de Nelson Mandela.
Foto: AP
"O mordomo da Casa Branca"
Este filme também se encaixa na tradição de filmes americanos sobre o racismo com o ímpeto esclarecedor: "O mordomo da Casa Branca" (2013), com Forest Whitaker e Oprah Winfrey nos papéis principais. Ele conta a história baseada em fatos verídicos autênticos do mordomo afro-americano Eugene Allen, que trabalhou para oito presidentes dos EUA. A película também reflete a recente história americana.
Foto: picture alliance/AP Images
"Doze anos de escravidão"
Lançado nos cinemas em 2013 e premiado com o Oscar de melhor filme um ano depois, "Doze anos de escravidão" faz um retrospecto dos primórdios da escravatura nos EUA. O filme do artista britânico Steve McQueen, que também faz sucesso como diretor de longas-metragens, encenou o drama sobre racismo com atores famosos – e convenceu a Academia de Hollywood.
Um ano depois, a diretora americana Ava DuVernay também mergulhou na história. Em "Selma", ela abordou as marchas de ativistas dos direitos dos negros e da população em geral da cidade de Selma para Montgomery, no estado do Alabama. No filme, David Oyelowo interpreta Martin Luther King, Tom Wilkinson (foto) aparece como o insensível presidente Lyndon B. Johnson.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Nishijima
"Loving: uma história de amor"
Três anos atrás, o diretor americano Jeff Nichols surpreendeu o público com o sensível drama "Loving: uma história de amor", no qual também se resgata um capítulo da história do racismo nos EUA. O filme destaca a luta de um casal que se rebela contra a lei dos casamentos mistos proibidos – conseguindo êxito em tribunal.
Foto: picture-alliance/ZUMAPRESS.com/Focus Features
"Corra"
Certamente uma das contribuições mais originais sobre o tema do racismo no cinema foi o filme "Corra" em 2017. Ao contrário de tantas produções hollywoodianas bem-intencionadas, mas muitas vezes piegas, o diretor afro-americano Jordan Peele fez um filme de gênero no qual o racismo é apresentado com elementos de terror e comédia – o resultado é uma mescla de gêneros muito original e convincente.
No mesmo ano, o diretor Barry Jenkins conquistou o Oscar de melhor filme com "Moonlight: sob a luz do luar". Em três capítulos, Jenkins conta a história de um homossexual afro-americano. Esteticamente convincente, o filme é um exemplo de obra cinematográfica formalmente interessante e que implementa seu tema embasada e diferenciadamente, dispensando melodrama e sentimentalismo.
Foto: picture alliance/AP Photo/D. Bornfriend
"Eu não sou seu negro"
Além dos muitos filmes com os quais o cinema americano tem contribuído para o assunto nas últimas décadas, houve documentários esporádicos. Em "Eu não sou seu negro" (2016), o diretor haitiano Raoul Peck baseou de forma muito convincente seu olhar retrospectivo sobre o racismo nos EUA, especialmente em textos do escritor afro-americano James Baldwin.