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"Polícias não vão entrar num projeto golpista de Bolsonaro"

1 de outubro de 2022

Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública descarta adesão institucional a movimentos antidemocráticos, mas vê risco de ações isoladas.

Bolsonaro em visita a colégio da Polícia Militar em Manaus, em 2019
Bolsonaro em visita a colégio da Polícia Militar em Manaus, em 2019Foto: Bruno Zanardo/ Fotoarena/imago images

A participação de policiais e agentes das forças de segurança em um eventual movimento golpista incentivado por Jair Bolsonaro é um fator de preocupação para a democracia brasileira. Teme-se que o presidente, que tem amplo apoio nas polícias, pudesse criar graves riscos com a adesão de oficiais armados a sua ofensiva antidemocrática.

Em agosto, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública publicou o estudo Policiais, Democracia e Direitos, uma ampla investigação sobre o posicionamento de profissionais de segurança pública no Brasil a respeito de temas como autoritarismo, democracia, eleições e direitos humanos.

"A adesão de agentes oficiais superiores das forças de segurança a esse tipo de movimento é meio contraditória", afirma Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum e professor do Departamento de Gestão Pública da FGV EAESP.

Em entrevista à DW, o pesquisador explica que, em termos de cultura organizacional e política, predomina nas forças policiais uma valorização da disciplina e da hierarquia.

"Por outro lado, muitos policiais tendem a concordar com muitas das reclamações postas pelo bolsonarismo sobre a atuação do Judiciário, sobre arma de fogo e assim por diante", comenta.

Na avaliação de Lima, as instituições reúnem força suficiente para conter eventuais ações isoladas de policiais. O pesquisador acredita que a grande maioria dos agentes deverá agir de forma pragmática, evitando riscos de penalização, sobretudo em um cenário de mudança de governo.

"As polícias, enquanto instituições, não vão entrar em um projeto golpista do Bolsonaro, ainda que eventualmente os seus integrantes – seja por omissão, seja por ação imediata, seja por um ou outro mais radicalizado como um lobo solitário – gerem violência e caos", resume.

"Se você tiver governadores, MP, Forças Armadas sinalizando que isso não é aceitável, tudo tende a voltar ao normal e não acontecer nada de mais grave", considera.

DW: Qual seria a real possibilidade da adesão de agentes e oficiais superiores das forças de segurança a esse tipo de movimento?

Renato Sérgio de Lima: Nas nossas pesquisas no Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a adesão de agentes oficiais superiores das forças de segurança a esse tipo de movimento é meio contraditória. De um lado, em termos de cultura organizacional, de cultura política, há uma valorização da disciplina, da hierarquia, de você ter um devido cumprimento das normas e da capacidade que esses agentes e dirigentes têm de garantir o controle das tropas. Então, as instituições policiais não entrariam, em um primeiro momento, em uma grande aventura. Por outro lado, muitos policiais, incluindo os próprios agentes bolsonaristas, que em geral são – não só no Brasil, mas no mundo todo –  recrutados em segmentos mais conservadores da sociedade, tendem a concordar com muitas das reclamações postas pelo bolsonarismo sobre a atuação do Judiciário, sobre arma de fogo e assim por diante.

Existe, de um lado, o oficial que sabe que precisa de hierarquia e disciplina, que vai fazer de tudo para manter o controle, mas que em algum momento tende a concordar ideologicamente com posições conservadoras; mas a ideia de uma ruptura ainda é minoria nas próprias instituições. Existem, eles são capazes de provocar uma série de situações de medo, de amedrontamento, porque basta um, não só policial, não só membro de força de segurança, qualquer um armado pode gerar um caos e isso tentar desestabilizar; mas a questão não seria institucional, e sim individual.

Em um cenário desse tipo, os órgãos de segurança pública e as instituições do Poder Judiciário teriam força suficiente para reagir e conter movimentos de insubordinação policial?

Por incrível que pareça, as instituições e o Judiciário têm forças, sim, de conter excessos, mas em uma ação coordenada, como aconteceu no 7 de Setembro do ano passado, como de certa forma aconteceu em alguns casos no 7 do Setembro. Quando os governadores, Ministério Público (MP) e Judiciário atuam em uma direção, os próprios dirigentes das instituições também se sentem confortáveis em aplicar a lei e manter a ordem, mesmo entre seus profissionais. As normas são defasadas e injustas com os próprios policiais, o que justifica inclusive muitas das reclamações que o Bolsonaro explora em um discurso mais corporativista, sem fazer nada na prática, usando as insatisfações da estrutura do cotidiano da segurança a seu favor.

Apesar dessas críticas, essa mesma estrutura contém qualquer excesso. Os governadores têm a chave do cofre, ou seja, da folha de pagamento, na mão. O MP sabe que pode acionar e responsabilizar penalmente, inclusive as PMs. Isso faz com que as instituições se contenham e busquem aplicar a lei de acordo com as normas vigentes. Acho que isso é um ponto importante. É claro que questões individuais podem acontecer, mas as instituições, nesse momento, se coordenarem esforços, têm, sim, força suficiente.

Considerando que o presidente nutre um vínculo forte com setores armamentistas da sociedade, qual pode ser o papel de policiais e demais agentes de segurança pública na contenção de um cenário de descontrole social?

A principal preocupação nesse caso são os grupos armados, não necessariamente de policiais, mas por exemplo dos CACs [colecionadores, atiradores e caçadores] mais radicalizados, de lobos solitários. Como situações em que os policias individualmente ajam no sentido de impor o medo ou cometer algum atentado, como aconteceu com o policial penal lá em Foz do Iguaçu. Pelo fato de ele estar armado, por ser uma carreira em que a arma pertence a sua atividade profissional, se ele estiver mais radicalizado, a chance de um desfecho fatal é maior. Isso só revela a importância, por exemplo, de as instituições reforçarem seus controles sobre o equipamento disponível aos seus profissionais e, mais do que isso, oferecer programas de atendimento de saúde mental e outros fins, que são questões muito maiores do que a radicalização política.

A segurança pública brasileira muitas vezes penaliza o próprio trabalhador policial, com um atendimento psicossocial que acaba sendo muito deficitário, em um volume muito inferior do que realmente o cotidiano da segurança demandaria para que os policias tivessem essa retaguarda psicológica, de atendimento socioeconômico e afins. Agora, é importante a gente ter clareza: o descontrole só vai acontecer se o comando das instituições finalizarem isso. Ações individuais geram comoção, geram muitas vezes baderna, caos, inícios de motins, saques e afins, mas se as instituições se mantiverem dentro do estrito cumprimento do dever legal, casos assim serão mitigados e oferecerão menos risco à institucionalidade democrática. Vai gerar confusão, vai dar trabalho, mas as coisas tendem a acalmar. O problema é tentar evitar ao máximo que isso se transborde para um questão de ruptura institucional.

Qual é o poder de influência do presidente sobre a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, em um cenário de insurreição golpista?

De um lado, ele tem a adesão ideológica de muitos desses profissionais que concordam com eles em relação a várias questões de lei, ordem e valores, mas por outro lado são instituições que sabem que não podem entrar de cabeça em um projeto de governo. Porque, se hoje o projeto de governo é o do Bolsonaro e está de acordo com o que eles pensam, amanhã pode não ser e aí eles teriam a sobrevivência comprometida. Policial, no Brasil, é extremamente pragmático. É claro que esse momento tensiona, é claro que esse momento, de certa forma, tenta disseminar um canto da sereia, para que eles imponham uma visão de mundo autoritária em relação aos demais integrantes da população, mas os policiais têm capacidade suficiente de formação, de preparo, de tecnologia para entender que isso pode servir como bumerangue e depois comprometer a existência das próprias instituições. Esse é um ponto importante que a nossa pesquisa com os policiais mostrou.

A influência existe, a influência é maior em um momento que a gente não regulamentou e modernizou a segurança e convive com estruturas bastante arcaicas, que penalizam o próprio trabalhador policial. Então, pode fazer barulho, sim, pode ter risco, sim, mas no limite, o que eu estou avaliando é que as polícias, enquanto instituições, não vão entrar em um projeto golpista do Bolsonaro, ainda que eventualmente os seus integrantes – seja por omissão, seja por ação imediata, seja por um ou outro mais radicalizado como um lobo solitário – gerem violência e caos. Se você tiver governadores, MP, Forças Armadas sinalizando que isso não é aceitável, tudo tende a voltar ao normal e não acontecer nada de mais grave.

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