Polarização brasileira afeta até imprensa estrangeira
Jean-Philip Struck24 de março de 2016
Depois de passarem 2015 sugerindo prudência e apenas acompanhando desdobramentos dos problemas econômicos e políticos, publicações internacionais começam a assumir posições sobre a crise do governo Dilma.
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Os reflexos da divisão política que afeta o Brasil podem ser percebidos até mesmo nas páginas de publicações estrangeiras que acompanham a crise. Após atravessarem 2015 se limitando a sugerir prudência e a acompanhar os desdobramentos dos problemas econômicos e políticos, vários veículos europeus e americanos passaram a adotar um tom mais crítico, com posições que incluem pedidos de renúncia da presidente Dilma Rousseff e denúncias de maquinações políticas para derrubar a mandatária.
As publicações também não escondem o espanto com a evolução da crise. "Não fosse Síria, migração, referendo do Reino Unido e Donald Trump, o Brasil dominaria as manchetes globais", afirmou na semana passada o jornal britânico Financial Times.
Críticas a Dilma
O caso mais recente de posicionamento aconteceu nesta quarta-feira (23/03). A revista britânica The Economist, que alguns anos atrás se entusiasmou com o crescimento da economia brasileira, deixou claro em editorial que Dilma tem que deixar o cargo.
"Ela se tornou inapta a continuar presidente. Sua saída ofereceria ao Brasil a chance de um recomeço", afirmou a publicação, que, no entanto, defende que a renúncia seria melhor do que o impeachment. Em dezembro de 2015, a revista ainda argumentava que Dilma merecia mais tempo para tentar arrumar a situação.
No fim de semana passado, o New York Times fez feito duras críticas à presidente e à nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Casa Civil, uma manobra que levantou acusações de que a mandatária estaria tentando blindar o seu padrinho político. "A explicação de Dilma foi ridícula. Ela agora criou uma nova crise."
O jornal não foi tão longe para sugerir que a presidente deveria deixar o cargo, mas afirmou que o "erro" envolvendo a nomeação pode acelerar a queda da presidente. Segundo o NYT, se isso acontecer, "Dilma só terá a si mesma para culpar".
Zombaria que corrói legado político
Já um editorial da edição dominical do jornal britânico The Guardian, publicado no dia 20, afirmou que seria melhor a presidente sair caso a situação fique mais tensa. "Uma preocupação óbvia é que esses protestos, se saírem de controle, podem degenerar em violência desenfreada e no risco de intervenção pelos militares. O dever de Dilma é simples: se ela não pode restabelecer a calma, tem de convocar novas eleições – ou sair.''
Também em editorial publicado na semana passada, a rede Bloomberg teceu críticas ao governo. "A presidente Dilma respondeu com uma zombaria ao crescente apelo do público brasileiro por mais responsabilidade. A sua tentativa descarada de proteger seu antecessor de processos não vai terminar bem – para ela ou para o Brasil."
Já o jornal alemão Süddeutsche Zeitung declarou na semana passada que a insistência em trazer Lula para o governo vai corroer o legado político de Dilma. "Ele parece menos com o salvador que pretendia ser, assim como o já envelhecido Juan Perón ao voltar ao poder na Argentina, em 1973 – e que acabou mergulhando seu país no caos", afirmou o diário.
Mídia nas mãos de oligarcas
O jornalista Davis Alandete, do jornal espanhol El País, escolheu ser mais crítico com o juiz Sérgio Moro. "(Ele) esquece que, no caso Watergate, quem gravou seus adversários não foi um juiz, mas o próprio presidente, que foi obrigado a renunciar. Não é um mau exemplo para um magistrado, especialmente se ele tiver ambições políticas."
Já o jornal francês Le Monde afirmou que o impeachment não é uma garantia de estabilidade. "O vice-presidente Michel Temer ainda sofre ameaça de um processo do Tribunal Superior Eleitoral, que lançou dúvidas sobre a origem do financiamento da sua campanha em 2014 (…) e ele também foi citado na Lava Jato. Caso seja culpado, ele também terá que deixar o poder, fazendo com que os brasileiros fiquem ainda mais enojados da sua classe política".
Já o L'Humanité, ligado ao partido comunista francês, afirmou no início do mês que a crise tem sido alimentada pela direita brasileira e pela imprensa. "Os veículos de mídia que estão nas mãos de grandes oligarcas do país são acusados de jogo sujo, estimulando linchamento políticos que não têm relação nenhuma com informação."
Protestos organizados pela imprensa
As posições mais claras sobre a crise também são perceptíveis em jornalistas estrangeiros baseados no país. O americano Glenn Greenwald, que tem tomado uma posição crítica em relação à imprensa e à oposição brasileiras, argumentou em texto no site de língua inglesa The Intercept que a mídia-corportativa do Brasil age como os "verdadeiros organizadores dos protestos, como relações-públicas dos partidos de oposição."
"Boa parte dessa cobertura internacional é repetidora do discurso que vem das fontes midiáticas homogeneizadas, antidemocráticas e mantidas por oligarquias no Brasil e, como tal, essa informação é enviesada, pouco precisa e incompleta", escreveu Greenwald.
Em sua conta no Twitter, em resposta a um usuário, ele resumiu a crise assim: "Trata-se de tirar um partido que foi eleito quatro vezes seguidas e que os ricos não conseguem derrotar."
O jornalista Will Carless, correspondente do Global Post e da Public Radio International no Rio de Janeiro, criticou o texto de Greenwald no Twitter. "Gleen e Andrew Fishman [o outro jornalista que assinou a matéria] dedicam pouco espaço ao fato de que muitos no partido governista PT cometeram crimes sérios, como basicamente roubar o erário. A mídia está explorando o assunto, é claro, mas os fatos estão ali para serem explorados", escreveu.
Em resposta, Fishman afirmou no Twitter que "[a corrupção] sempre esteve por aí. Eles [a mídia] só exploram [a corrupção] quando você é petista."
O jornalista americano Alex Cuadros, antigo colaborador da Bloomberg baseado em São Paulo, demonstrou temor de que as investigações da Lava Jato sejam prejudicadas. "O novo ministro da Justiça ameaça trocar investigadores caso suspeitar de vazamentos. Eu prefiro a Dilma que não se intromete na Lava Jato."
Carless, por sua vez, disse preferir "a Lava Jato que não vaza coisas de maneira imprudente para a imprensa". Cuadros respondeu: "É um importante contraponto, mas em geral eu prefiro que os vazamentos existam do que não tê-los. Eu penso que a maioria foi justificável."
A cronologia do processo de impeachment
Em dezembro de 2015, Eduardo Cunha dava início ao processo de impeachment da então presidente da República. De "carta-desabafo" à cassação de Dilma Rousseff, relembre os episódios que marcaram o julgamento.
Foto: Reuters/J. Marcelino
O aval
Em 2 de dezembro de 2015, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, autorizou a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A decisão foi tomada no mesmo dia em que a bancada do PT anunciou que votaria pela continuidade do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética, acirrando uma crise política já inflamada no Brasil.
Foto: Getty Images/AFP/Evaristo Sa
Motivo: "pedaladas fiscais"
No mesmo dia, em pronunciamento público, Dilma disse ter recebido "com indignação" a notícia. O pedido de impeachment – apresentado em outubro pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal – acusa a presidente de cometer crime de responsabilidade fiscal, com base na reprovação das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União, incluindo as chamadas "pedaladas fiscais".
Foto: picture-alliance/dpa
O dia seguinte
Dilma foi notificada oficialmente da abertura do processo em 03/12, logo após Cunha (foto) ler a decisão em plenário. O presidente determinou ainda a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para analisar o pedido de impeachment. Na mesma data, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou duas ações – uma do PT e outra do PCdoB – que tentavam barrar o processo de afastamento de Dilma.
Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados
A carta de Temer
Em 07/12, o vice-presidente Michel Temer enviou uma "carta-desabafo" a Dilma, em que expressa mágoas por ter sido, desde o primeiro mandato, um mero "vice decorativo". Ele diz ainda ter "ciência da absoluta desconfiança" da presidente. Especialistas interpretaram o texto como um rompimento de Temer com Dilma – lembrando que é ele quem assume a presidência caso ela sofra o impeachment.
Foto: AFP/Getty Images/E. Sa
Próximo passo: a comissão
O trâmite do processo exige a formação de uma comissão especial, com 65 deputados titulares e igual número de suplentes, indicados por líderes partidários, em quantidade proporcional ao tamanho de cada bancada – é obrigatória a participação de todas as legendas da Casa. Essa comissão dará um parecer pela abertura ou não do processo, que depois irá a plenário.
Foto: Luis Macedo /ABr
Tumulto na Casa
Em 08/12, a Câmara dos Deputados se reuniu pela primeira vez para definir a comissão especial, em votação secreta marcada por tumulto e quebra-quebra. Concorriam duas chapas: uma formada por deputados simpáticos ao governo, e outra oposicionista, favorável à saída da presidente. Venceu a chapa da oposição, com 39 membros, e uma votação suplementar seria realizada para escolher os nomes restantes.
Foto: Antonio Augusto /ABr
Processo suspenso
Essa votação, porém, nunca foi realizada. Ainda na noite de 08/12, o STF suspendeu a tramitação do processo, impedindo temporariamente a instalação da comissão especial. O plenário da Corte decidiu julgar um pedido liminar do PCdoB sobre a constitucionalidade da lei que regulamenta as normas de julgamento de impeachment. O partido criticou, por exemplo, o voto secreto na escolha da comissão.
Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images
Novo rito de impeachment
Quase dez dias depois, em 17/12, o plenário do STF determinou algumas mudanças no rito de impeachment, que em sua maioria favoreceram a presidente. Os ministros decidiram conceder maior poder ao Senado na análise do afastamento; determinaram que não cabe voto secreto, nem formação de uma chapa alternativa para compor a comissão; mas negaram o pedido do PCdoB de afastar Cunha do processo.
Foto: Roberto Stuckert Filho
Recesso parlamentar
Para angústia do governo – que chegou a sugerir o cancelamento da pausa parlamentar de janeiro –, a análise do processo de impeachment entrou em hiato no fim de dezembro e assim permaneceu até 2 de fevereiro, quando os parlamentares voltaram do recesso. Segundo Cunha, a expectativa era de votar a comissão especial e concluir o processo na Câmara até março, para seguir para julgamento no Senado.
Foto: picture-alliance/Lou Avers
STF analisa embargos
O teor do acórdão em que o STF considera inconstitucionais alguns aspectos do processo de eleição da comissão especial da Câmara foi publicado em 08/03. No mesmo dia, a Câmara reapresentou os questionamentos e pediu a revisão do rito de impeachment pelos ministros do Supremo. Em votação realizada em 16/03, porém, a Corte rejeitou os recursos de Cunha e decidiu manter o rito definido em dezembro.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Comissão está formada
A comissão especial, responsável por analisar o pedido de impeachment na Câmara, foi finalmente formada em 17/03, com deputados indicados pelos próprios líderes partidários. O relator da comissão é Jovair Arantes, líder do PTB na Casa e um dos principais aliados de Eduardo Cunha; e o presidente é Rogério Rosso, líder do PSD na Câmara.
Foto: G.Lima/Câmara dos Deputados
Trabalhos da comissão
Em 30/3, os membros da comissão ouviram dois autores do pedido de impeachment: os juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. No dia seguinte, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi ouvido como testemunha de defesa. No dia 4/4, o ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União, entregou a defesa escrita da presidente e fez a sustentação oral.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Comissão instaura processo
Parlamentares da comissão especial do impeachment votaram no dia 11/04 pela abertura do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff, em sessão marcada por troca de insultos. O placar sobre o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) foi de 38 votos a favor e 27 contra.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
A votação na Câmara
Com o parecer admitido pela comissão especial, o processo seguiu para votação no plenário da Câmara dos Deputados. No dia 17/04, em sessão tumultuada e acalorada, os parlamentares decidiram pela continuidade do processo de impeachment, com 367 votos a favor e 137 contra – eram necessários 342 votos favoráveis para a aprovação. A questão segue agora para análise no Senado.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Comissão especial de senadores
Dois dias após a apresentação do parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG, foto), favorável ao afastamento de Dilma, a comissão especial do Senado aprovou, em 06/05, a continuidade do processo de impeachment. Dos 21 senadores, 15 votaram pela aprovação, e apenas cinco votaram contra – três do PT, um do PCdoB e outro do PDT. O presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), não votou.
Foto: Agência Brasil/F. Rodrigues Pozzebom
Anulação da votação
Em 09/05, o presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA) – que assumiu o comando da Casa após o afastamento de Eduardo Cunha –, anulou a votação do processo de impeachment realizada na Câmara semanas antes. Horas depois, no mesmo dia, Maranhão voltou atrás na decisão, provocando euforia entre os parlamentares governistas. Votação no Senado aconteceria em apenas dois dias.
Foto: Imago/Zumapress
Senado aprova afastamento da presidente
Em 12/05, após uma sessão de mais de 20 horas, o Senado aprovou por clara maioria a continuidade do processo de impeachment de Dilma. Foram 55 votos a favor do impedimento e 22 contrários. Após o aval dos senadores, a presidente fica afastada por 180 dias, enquanto é julgada, e o vice Michel Temer assume a presidência interinamente.
Foto: Getty Images/M.Tama
Relator defende julgamento final
Em seu relatório final sobre o processo de impeachment, apresentado em 02/08, o relator e senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) defendeu que Dilma vá a julgamento final pelo crime de responsabilidade fiscal. Anastasia argumentou que a presidente afastada abriu créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional e praticou as chamadas pedaladas fiscais.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Comissão aprova relatório
Em 04/08, a Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou o relatório do senador Anastasia, favorável ao prosseguimento do processo de impeachment contra Dilma. Dos 21 senadores que compõem a comissão, 15 votaram a favor da continuação do processo, e cinco, contra. Com isso, a comissão encerrou os trabalhos. O relatório seguiu para votação por todos os 81 senadores.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Senado decide levar Dilma a julgamento
Em 10/08, os senadores decidiram, por 59 votos contra 21, levar Dilma a julgamento. A maioria dos senadores seguiu o parecer do relator Anastasia, cujo relatório havia sido aprovado pela comissão especial do impeachment. O resultado indica que Dilma terá dificuldade para reverter seu afastamento definitivo na votação final. Para a condenação são necessários 54 votos.
Foto: Reuters/A. Machado
Iniciada fase final do processo
O Senado deu início à fase final do processo de impeachment no dia 25/08, quase nove meses após sua abertura. O primeiro dia de audiência teve mais de 15 horas de duração e foi marcado por bate-boca entre petistas e senadores favoráveis à saída definitiva de Dilma. O julgamento, que começou com os depoimentos de testemunhas, é comandado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Discurso de defesa de Dilma
Em 29 de agosto, a presidente afastada Dilma Rousseff apresentou sua defesa da acusação de crime de responsabilidade no Senado. Em sua fala, a petista garantiu que sempre seguiu a Constituição, lembrou os tempos da ditadura militar, usou repetidas vezes o termo golpe e reiterou sua luta pela democracia. "Jamais haverá justiça na minha condenação", afirmou.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Dilma é cassada pelo Senado
Na votação final do processo de impeachment, o Senado decidiu, em 31/08, afastar em definitivo Dilma da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis ao impeachment e 20 contrários – eram necessários 54 para a cassação. Todos os 81 senadores participaram da sessão. Em segunda votação, porém, os parlamentares decidiram por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.