Tania Krämer, Cidade de Gaza (md)1 de junho de 2015
Moradores ainda vivem em meio a ruínas, quase um ano depois de ataques aéreos israelenses transformarem região em amontoado de escombros. Controle de fronteiras e crise interna impedem ajuda humanitária.
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Sob o sol escaldante do verão no Oriente Médio, drones israelenses sobrevoam a Cidade de Gaza. Eles monitoram a Faixa de Gaza de cima, e seu zumbido ensurdecedor pode ser ouvido em toda parte. No verão do ano passado, o barulho da guerra é que era onipresente.
Shejaia, área residencial no leste da Cidade de Gaza, foi uma das regiões mais afetadas pelo conflito. "Você nunca sabe quando vai começar de novo", diz um transeunte, com olhar preocupado para o céu. "Aqui, a guerra pode começar a qualquer momento."
Um ano após a guerra, tudo remete ao conflito. Embora as ruínas tenham sido retiradas do meio das ruas, ainda é possível ver casas bombardeadas, ruínas e entulho nas laterais.
Muitas vezes, passam comboios de carros blindados. Uma excursão pela área faz parte de quase todos os programas dos poucos visitantes estrangeiros. Na maioria dos casos, são políticos em visita para conhecer a situação local.
Issam Alewa tem visto muitos desses comboios. "É importante que estrangeiros venham para Gaza, para ver as consequências da guerra", acredita. "E nós os acolhemos com satisfação, claro", acrescenta. Entretanto, ele não tem esperança de que a situação melhore.
Vida em ruínas
Na casa de Alewa, falta a maioria das paredes do apartamento no primeiro andar. A escadaria do prédio está crivada de buracos de bala. Mesmo assim, o pai de 13 filhos ainda mora lá com a família. "Todo mundo me diz que a casa não é segura e que eu deveria derrubá-la completamente", diz ele. "Mas para onde devemos ir?"
A família não tem dinheiro para uma mudança. Logo após a guerra, houve ajuda financeira durante algum tempo, por parte do Hamas e de organizações humanitárias. Agora, no entanto, eles dependem da renda de Alewa. Seu salário, entretanto, é pago apenas a cada três meses e, ainda por cima, pela metade.
"Tenho que tomar cuidado constantemente para que as crianças não toquem em cabos elétricos e levem um choque", diz o homem de 52 anos, com lágrimas nos olhos, apontando para pontas de fios elétricos pendurados nas paredes. "A guerra foi ruim o suficiente. Mas agora a situação é simplesmente desesperadora."
Lenta reconstrução
O diretor de operações da Agência da ONU de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA), Robert Turner, conhece essa situação muito bem. "A população de Gaza está profundamente frustrada e irritada", diz. "A reconstrução é lenta demais. Desde o fim da guerra, nenhum prédio foi completamente reconstruído."
Turner presenciou duas guerras em Gaza, em 2012 e em 2014. Em julho, ele deixa o cargo. "Não há progresso no diálogo interpalestino, e o bloqueio já dura quase nove anos."
As fronteiras da área densamente povoada, com seus cerca de 1,7 milhão de habitantes, continuam a ser controladas de forma severa por Israel e Egito. Essa é outra razão pela qual a reconstrução é extremamente lenta e complicada.
Mas Turner também tem boas notícias. Apenas três semanas depois da guerra, algumas escolas da UNRWA puderam ser reabertas, embora muitas tenham sido danificadas e tenham servido como refúgios durante a guerra. Entretanto, sete escolas ainda servem de abrigo para famílias.
Controle rígido
Além disso, cerca de 60 mil famílias receberam assistência para reparar suas casas. O material de construção para este fim é importado pelo Gaza Reconstruction Mechanism (mecanismo de reconstrução de Gaza, GRM), que foi negociado em outubro pela ONU, com Israel e a Autoridade Palestina. No entanto, as pressões financeiras e os rigorosos controles de importação de materiais de construção realizados por Israel fazem da importação um processo muito complicado. Pois Israel quer evitar que grupos militantes utilizem o material para a construção de túneis.
A reconstrução também é dificultada pelo conflito entre o Hamas e Fatah quanto às responsabilidades políticas da região. Embora o governo do Hamas tenha transferido a responsabilidade de governar para o chamado governo interino em junho do ano passado, ele manteve o controle sobre a segurança e a administração interna. Especialistas dizem que a prometida ajuda internacional de 5,4 bilhões de dólares continuará chegando de forma tímida enquanto a Autoridade Palestina não assumir o controle da administração local.
Sem trabalho, sem esperança
O Banco Mundial e as Nações Unidas também se preocupam com a elevada taxa de desemprego. Ambos os órgãos afirmam que a Faixa de Gaza está à beira do abismo. "A taxa de desemprego é superior a 40%, o desemprego entre jovens é de mais de 60%", ressalta Turner. "Até um ano atrás, talvez as pessoas tivessem esperança – algo que elas agora já perderam."
O professor universitário Mazen Hamada também se pergunta muitas vezes como tudo vai acabar. "Temos dois governos em Gaza que não se entendem. É por isso que nada progride, e nós somos os que sofrem com isso", diz. "Só espero que a comunidade internacional não queira esperar até que eles cheguem a um acordo. Porque isso pode levar tempo."
Hamada também perdeu sua casa durante a guerra. Depois de receber um telefonema de aviso dos militares israelenses, a família saiu de casa, situada no leste da Cidade de Gaza. Minutos depois, a construção era só ruína. "Até hoje eu ainda não sei por que eles atacaram a nossa casa", diz Hamada. "Perdemos tudo o que adquirimos em 20 anos, todas as nossas coisas, todas as memórias de infância dos nossos quatro filhos, tudo."
A família de seis pessoas vive agora num pequeno apartamento de três quartos no centro da Cidade de Gaza. A família recebeu durante três meses um subsídio para o aluguel da UNRWA, até que a ajuda foi interrompida por falta de fundos.
O professor aprendeu a conviver com a nova situação. Mas, como muitas pessoas, ele tem medo de um novo conflito. "Todas as manhãs eu acordo e penso: 'hoje pode começar uma nova guerra, a qualquer momento, sem aviso prévio.'"
2014: um ano turbulento no Oriente Médio
A região dominou o noticiário em 2014 com a guerra civil na Síria, milícia do "Estado Islâmico" e bombardeios na Faixa de Gaza.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Mohammed Zaatari
EI avança no Oriente Médio
Desde 2013, o grupo terrorista "Estado Islâmico" (EI) controla a cidade síria de Raqqa. Em janeiro, os jihadistas conseguem ocupar também a cidade Fallujah, no Iraque. Pela primeira vez, eles se infiltram na província de Anbar, localizada no oeste do país. A partir de lá, o objetivo é conquistar a capital Bagdá.
Foto: Reuters
A eterna disputa nuclear
Após a suspensão do enriquecimento de urânio pelo Irã, os Estados Unidos e a União Europeia atenuaram as sanções econômicas contra o país. Apesar da reaproximação, a disputa não foi finalizada. Em novembro, as negociações foram postergadas para 2015.
Foto: Kazem Ghane/AFP/Getty Images
Julgamentos em massa no Egito
Depois que o governo egípcio incluiu a Irmandade Muçulmana na lista de organizações terroristas, todos os associados ao grupo ficaram na mira na Justiça. Em março, um tribunal em Al-Minja sentenciou 529 seguidores à pena de morte. Em outro julgamento, em abril, outros 683 foram condenados também à morte. Posteriormente, a maioria dos veredictos foi convertida em prisões perpétuas.
Foto: Ahmed Gamil/AFP/Getty Images
Troca de poder no Iraque
Em 30 de abril, iraquianos foram pela primeira vez às urnas para eleger novos parlamentares desde a saída das Forças Armadas dos EUA do país. Somente em agosto, Nuri al-Maliki (esq.) abdicou de seu terceiro mandato em favor de seu colega de partido Haidar al-Abadi. O avanço dos extremistas do EI no Iraque foi facilitado também pela insatisfação de muitos sunitas com o governo xiita de Al-Maliki.
Foto: Reuters/Hadi Mizban
Guerra na Síria sem fim à vista
Após quase dois anos de negociações infrutíferas na Síria, o enviado especial da ONU, Lakhdar Brahimi, renunciou em maio. Pouco tempo depois, o presidente Bashar al-Assad reafirmou, em uma demonstração de poder, a sua posição de líder sírio com 88,7% dos votos. No entanto, houve eleições apenas nas regiões onde as suas tropas estão no comando.
Foto: Reuters
Militares retomam governo egípcio
O ex-chefe do Exército, Abdel Fattah al-Sisi, venceu disparado em maio a eleição presidencial no Egito. O único concorrente, Hamdien Sabahi, alcançou apenas 3,1% dos votos. Al-Sisi foi empossado em 8 de junho. Muitos egípcios esperam que ele possa tirá-los da crise econômica e restaurar a segurança no país.
Foto: Reuters
União entre Fatah e Hamas
Pela primeira vez desde a ruptura entre palestinos em 2007, Fatah e Hamas formam novamente um governo de unidade. Em junho, o presidente palestino, Mahmoud Abbas, empossou em Ramallah o novo gabinete chefiado pelo primeiro-ministro Rami Hamdallah. Premiê isralenese, Benjamin Netanyahu, reagiu ríspido: em vez de buscar um acordo de paz com Israel, Abbas prefere a parceria do Hamas.
Foto: DW/K. Shuttleworth
EI proclama califado
Em junho, a milícia terrorista do "Estado Islâmico" conseguiu tomar a cidade iraquiana de Mossul. Além disso, ex-oficiais da elite militar dos tempos de Saddam Hussein foram recrutados pelo EI. Na Síria e no Iraque, a organização proclamou um califado. Seu primeiro califa é Abu Bakr al-Baghdadi e todos os muçulmanos devem jurar lealdade a ele.
Foto: picture alliance/abaca
50 dias de guerra
A situação permanece tensa entre israelenses e palestinos. Em 08 de julho, Israel iniciou uma nova ofensiva. A missão era colocar fim no lançamento de foguetes a partir de Gaza. Na metade do mês, Israel enviou também tropas terrestres à Faixa de Gaza. A batalha durou 50 dias e aproximadamente 2.100 palestinos e 70 israelenses foram mortos. Cerca de 20 mil casas foram destruídas em Gaza.
Foto: Reuters
Yazidis em fuga
Em agosto, os terroristas do EI invadiram a cidade de Sinjar, no nordeste do Iraque. Eles mataram centenas de pessoas da minoria yazidi, sendo que dezenas de milhares fugiram às montanhas. Lá, em meados de agosto, os yazidis foram salvos por combatentes curdos peshmerga.
Foto: picture-alliance/abaca/Depo Photos
Ataques aéreos contra o EI
O presidente dos EUA, Barack Obama, autorizou os primeiros ataques aéreos contra os islamistas no Iraque, em agosto. No mês seguinte, os bombardeios foram estendidos para o território sírio. Cinco estados árabes participam dos ataques: Arábia Saudita, Catar, Bahrein e Jordânia. Para os Emirados Árabes Unidos, uma piloto é responsável por alvejar os extremistas.
Foto: picture-alliance/abaca
EI divulga vídeos com imagens de decapitações
O EI chamou a atenção do mundo ao divulgar vídeos com execuções de jornalistas ocidentais, colaboradores de serviços humanitários e combatentes da oposição. Em 09 de agosto, postou o primeiro vídeo na internet mostrando o repórter James Foley (foto) sendo decapitado. Depois desse, outros vídeos com decapitações foram divulgados.
Foto: picture-alliance/dpa
Líbia afunda no caos
Em meio às sangrentas lutas entre milícias rivais, um novo parlamento eleito tomou posse na cidade líbia de Tobruk, em agosto. O governo foi transferido devido à insegurança em Trípoli e Bengasi. Desde então, dois parlamentos disputam o poder pela soberania política.
Foto: picture-alliance/AP Photo
EI tenta tomar Kobane
Em setembro, o EI tentou tomar a cidade de Kobane, localizada no norte da Síria, perto da fronteira com a Turquia. Em outubro, os combatentes peshmerga, do norte do Iraque, foram ajudar os curdos de Kobane. Eles foram equipados com armamentos do Ocidente, inclusive da Alemanha.
Foto: picture-alliance/AP/Vadim Ghirda
Tunísia: democracia no mundo árabe
Nas eleições parlamentares na Tunísia, as forças seculares prevaleceram contra os islâmicos. A aliança laica Nidda Tounès ("Chamado para a Tunísia"), liderada por Beji Caid Essebsi, conquistou 85 dos 217 assentos. O partido islamista Ennahda ficou com 69 assentos. Poucas semanas depois, o próprio Essebsi foi eleito presidente do país, com 55,6% dos votos.
Foto: Reuters/Zoubeir Souissi
Inocente?
Mais de três anos após a queda de Hosni Mubarak, um tribunal penal de Cairo retirou a acusação contra o ex-presidente do Egito pela morte de mais de 800 manifestantes. Muitos egípcios reagiram indignados e foram às ruas. Mubarak permanece preso, pois, em maio, ele foi condenado a três anos de prisão por corrupção.
Foto: AFP/Getty Images/M. El Shahed
Luta pela sobrevivência
Fugindo da morte e da destruição, muitos refugiados sírios já vivenciaram muitos problemas. E, agora, o inverno é outro grande obstáculo. Com isso, a situação para os cerca de 3 milhões de refugiados da Síria, que fugiram para países vizinhos, se agrava dramaticamente.