Festival de Hambach de 1832 é um importante marco na luta contra o absolutismo e pela democracia na Europa. Agora, ninguém menos do que a AfD se dispõe a reavivá-lo. Uma apropriação indevida, denunciam opositores.
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Pela primeira vez bandeiras alemãs agitavam-se nos ares, em negro-rubro-ouro. Jornalistas e escritores faziam discursos inflamados. Suas reivindicações, apresentadas diante de 20 mil participantes (hoje se diria "manifestantes"): uma Europa de povos livres, da liberdade de opinião e de imprensa, a amizade entre as nações europeias.
Esse festival democrático se realizou de 27 de maio a 1º de junho de 1832, portanto 186 anos atrás. O local foi o Castelo de Hambach, na época uma ruína cerca de 80 quilômetros ao sul de Frankfurt, no atual estado da Renânia-Palatinado.
O evento histórico é considerado, até hoje, uma das expressões mais fortes do levante dos europeus de tendência liberal contra o domínio dos príncipes. Entre os presentes estavam poloneses, belgas, franceses, alemães de todas as partes do país.
Contudo, numa época de restauração, os protestos não surtiram efeito. No Congresso de Viena, em 1814-15, os príncipes haviam dividido a Europa entre si, de acordo com suas conveniências. Somente duas terríveis guerras mundiais e mais de cem anos depois, a Europa Central conseguiria formar algo como uma liga internacional de democracias: a União Europeia.
"Novo Festival de Hambach"
O professor de economia Max Otte é filiado à conservadora União Democrata Cristã (CDU), da chefe de governo Angela Merkel, mas na última eleição votou na populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD).
Assim como os manifestantes burgueses do século 19, ele vê a Europa ameaçada pela censura à imprensa e regimes arbitrários. Por isso, pretende dar continuidade à tradição quase bicentenária e convidou neste sábado (05/05) para um "Novo Festival de Hambach".
Entre seus convidados está o presidente da AfD, Jörg Meuthen. E Thilo Sarrazin, ex-senador de Berlim pelo Partido Social-Democrata (SPD), que em 2010 fez manchetes com seu livro Deutschland schafft sich ab: Wie wir unser Land aufs Spiel setzen (A Alemanha extingue a si mesma: como estamos colocando em risco o nosso país), no qual tratava de forma extremamente crítica o afluxo de migrantes ao país.
Como declarou numa entrevista, Otte vê paralelos entre a situação em 1832 e a atual. "Temos um sistema político em que funcionários pagos com os nossos impostos muitas vezes arranjam as coisas entre si, esquecendo-se de nós, cidadãos, como antigamente no bloco soviético. Bancos, conglomerados, lobbies e a UE têm poder demais."
Reescrevendo a história
A comparação é forçada: na Europa de 1832 imperava um espírito de restauração. A Revolução Francesa de 1789 – enquanto grande levante da burguesia contra o status quo, contra o domínio irrestrito dos príncipes e reis – era história. Napoleão fora derrotado; desde o Congresso de Viena, a Europa estava reorganizada segundo a vontade das casas nobres dominantes.
Ainda assim, os burgueses haviam acordado, dispunham de novas perspectivas, como a educação universitária também para as classes mais pobres. Eles não queriam mais aceitar as circunstâncias vigentes. O secretário da Cultura da Renânia-Palatinado, o social-democrata Konrad Wolf, acredita ser esse o motivo por que os organizadores do atual evento tentam se apoderar do Festival de Hambach e reescrever a história.
Em tom quase de desculpa, a diretora do castelo, Ulrike Dittrich, esclarece sobre a situação legal: "Na condição de fundação pública, somos obrigados a tratar todos da mesma forma – cumprimos essa obrigação." Justamente: uma questão de democracia.
No entanto, Dittrich não deixa de relembrar o que o Festival de Hambach histórico de fato representou: ele foi um pioneiro para as diversas iniciativas democráticas das décadas seguintes na Alemanha, as quais, após muitas derrotas, acabariam levando à democracia: "A linha de continuidade até a Assembleia Nacional de Frankfurt, a República de Weimar e a fundação da República Federal da Alemanha é forte."
Manifestantes contrários anunciaram que, na véspera do evento, mostrariam o que, em sua opinião, representam a AfD e seus simpatizantes: uma Europa de novas fronteiras e de nacionalismo, assim como o rechaço do afluxo de refugiados ao continente. Tais reivindicações pouco têm a ver com o espírito do Festival de Hambach.
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Karl Marx, dos vinhedos às fábricas do mundo
Marx é possivelmente o mais influente de todos os filósofos alemães. Mas será que teria gostado do que fizeram com sua obra? O totalitarismo dos futuros regimes "marxistas" é um tópico controverso.
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Visão aguçada
Karl Marx não foi só um mestre-pensador, mas também um grande observador de dinâmicas sociais e psicológicas. Suas análises econômicas são ao mesmo tempo descrições sutis de formas de vida modernas: sob pressão da economia, "os homens são finalmente obrigados a encarar com olhos sóbrios […] suas relações recíprocas". Capitalismo e iluminismo, diz o filósofo, mantêm entre si uma discreta relação.
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Idílio alemão e ideais franceses
Marx cresceu no perfeito idílio de uma região vinícola. O Vale do Mosela, onde se situa sua cidade natal, Trier, é considerado uma das mais belas paisagens cultivadas da Alemanha. A França não está distante. "Liberdade, igualdade, fraternidade", os grandes ideais da revolução de 1789, não tardaram a chegar a Trier. E aí, adeus ao romântico sossego regado a vinho branco.
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Alma poética
Na juventude, Marx era um poeta altamente romântico. "Em torno de mim flui uma pulsão eterna, / eterno arrebatamento, eterna chama", diz um de seus poemas. Os versos eram dedicados a Jenny von Westphalen. E a corte funcionou, pois os dois jovens casaram-se em junho de 1843. Primeiro no civil e pouco depois, apesar da descrença de Marx, também na igreja.
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Amigo e financiador
A vida inteira, Marx nunca conseguiu lidar com dinheiro, sua família estava sempre à beira da falência. Por isso foi um feliz acaso, não só editorial mas também financeiro, ele ter encontrado em meados da década de 1840 Friedrich Engels, filho rico e intelectual de um fabricante. Engels o apoiava regularmente: Marx seguiu tendo que frequentar a casa de penhores, mas com menor frequência.
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"Expropriação dos expropriadores"
Para impor limites aos capitalistas é necessária uma "socialização dos meios de produção", escreveu Marx em sua principal obra, "O Capital". Aí o "invólucro capitalista" arrebentará definitivamente. Depois é preciso partir para o ataque contra os "exploradores": "Os expropriadores serão expropriados", prometia o filósofo.
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História como tragédia – e farsa
Marx não perdoou quando o presidente Charles Louis Napoléon Bonaparte se proclamou imperador dos franceses em 1851, imitando seu grande modelo, Napoleão Bonaparte. "Hegel observou que todos os fatos e personagens de grande importância na história universal ocorrem duas vezes”, citou Marx, complementando: "Esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa."
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"Não sou marxista"
Em nome de Marx, regimes totalitários tomaram o poder em diversas partes do mundo, com violência impuseram as doutrinas políticas que achavam encontrar em suas obras. O próprio Marx parece ter previsto o desastre bem cedo e comentado: "Tudo que sei é: não sou um marxista." A citação não é comprovada, mas certamente faz honra aos traços liberais de sua obra.
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Leste vermelho
O Leste é "vermelho" também na África: Marx e Engels são celebrados na Etiópia. Junto a Lênin, eram vistos como garantia de um grande futuro, que o país lutaria para conquistar. Em nome desse futuro a obra de Marx foi declarada doutrina infalível e aclamada pelas massas. Como em 1987, em Addis Abeba, durante o 13º aniversário da tomada do poder por Haile Mengistus.
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O último a sair apaga a luz
Até 1989, a filosofia de Marx esteve a serviço dos regimes totalitários na Europa Oriental, que acabaram falindo financeiramente. De repente os Estados soviéticos entraram em colapso. A Hungria foi a primeira a abrir as fronteiras para o Ocidente. Os cidadãos da Alemanha Oriental que lá se encontravam queriam uma única coisa: ir embora. A partir de 1989, por algum tempo deixou-se de falar de Marx.
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Projeto interminável
Alguns anos após o colapso do comunismo, Marx reaparece como figura de grafite em Berlim. Sua camiseta lembra: "Eu disse a vocês como mudar o mundo". Ele próprio, há muito tempo aposentado, tem que catar garrafas para sobreviver. É como se a revolução fosse um projeto sem fim – e impossível de completar.
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Última conclamação
"Trabalhadores do mundo inteiro, uni-vos", talvez uma das frases mais conhecidas de Karl Marx, foi o que o escultor Laurence Bradshaw gravou na lápide do filósofo. Ele morreu em 1883, aos 64 anos, em Londres, e está sepultado no cemitério de Highgate. São palavras fáceis de dizer, mas em que ações resultarão? E serão as ações certas?