Publicação completa 160 anos. "Nada em biologia faz sentido sem evolução, tudo é regulado pela seleção natural. A beleza do mundo pode ser compreendida por Darwin”, afirma diretor do Museu de História Natural de NY.
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Em 24 de novembro de 1859, a editora de John Murray, em Londres, lançou um livro de nome enorme e com uma teoria então vista como exótica. Em Da Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural ou a Preservação de Raças Favorecidas na Luta pela Vida, o naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882) apresentava ao mundo sua teoria da evolução.
Os 1.250 exemplares esgotaram-se rapidamente. E a maneira de compreensão da vida na Terra seria mudada para sempre.
"A obra é tão importante porque nela foram lançadas as premissas do mecanismo de evolução por seleção natural das espécies”, afirma o biólogo Bruno da Costa Rodrigues, coordenador da Unidade de Genômica Funcional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
"De uma forma simples, essa força evolutiva atua de forma com que as diferenças de características de populações propicie que uma destas seja favorecida em um contexto ambiental ou comportamental, de tal forma que indivíduos que as possuam terão mais chances de possuírem descendentes e, caso a caraterística seja herdável, esta será transmitida para a próxima geração da prole”, afirma Rodrigues,
"Hoje em dia, com o avanço do conhecimento temos uma compreensão mais holística sobre os mecanismos que moldam a seleção natural (muitos destes que Darwin não fazia ideia em sua época) e, ainda sim, os pilares da seleção natural proposto neste livro continuam explicando este fenômeno de forma precisa, o que faz esta obra ser tão relevante.”
A reportagem da DW Brasil pediu a diversos estudiosos que comentassem por que a obra fundamental de Darwin segue relevante 160 anos depois de seu lançamento.
"A evolução por seleção natural propõe pela primeira vez de forma explícita que todas as espécies estão sujeitas a este mecanismo, e faz com que a premissa de que os humanos tenham sido projetados por mecanismos sobrenaturais não seja mais necessária”, completa Rodrigues. "Esta teoria também mostra que espécies evoluem de forma gradual ao longo dos anos, e o fato de que todas as formas de vidas estão de certa forma relacionadas e podem ter surgido de um único ancestral comum foi sem sombra de dúvidas uma grande quebra de paradigma na época, que é bem solidificada atualmente.”
Diretor do projeto Darwin Manuscripts do Museu Americano de História Natural, em Nova York, o historiador David Kohn acredita que o impacto da obra de Darwin está em dois fundamentais pontos, diferentes entre si, contudo complementares. "O primeiro é sua teoria da seleção natural, que explica como as características surgem, as adaptações dos organismos”, pontua. "Praticamente qualquer coisa na vida que envolva relacionamentos entre organismos e meio ambiente é resultado majoritariamente de adaptações. Ou seja: nada em biologia faz sentido sem evolução, tudo é regulado pela seleção natural. A beleza do mundo pode ser compreendida por Darwin.”
O outro aspecto apontado pelo historiador é a implicação metafísica do darwinismo. "A teoria diz que um organismo não é perfeito. Ele fica apenas o quão perfeito precisa ser para competir com outros organismos que vivem ao redor, competem pela mesma comida. Então na natureza não há perfeição, não há uma herança, uma tendência de desenvolvimento para a perfeição. Tudo é apenas a competição e a vantagem natural”, afirma ele, escancarando a incompatibilidade da teoria com as religiões. "É uma visão secular de mundo.”
Autora de, entre outros, ‘História da Ciência: o mapa do conhecimento' e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a física, filósofa e historiadora Ana Maria Alfonso-Goldfarb define A Origem das Espécies como um marco zero dos progressos biológicos a partir do século 20. "É um divisor de águas. Eles [os cientistas] avançaram a partir do que Darwin descobriu”, define.
"[O livro] pode ser considerado, junto com os trabalhos de Alfred Wallace [também naturalista britânico, viveu entre 1823 e 1913] o monumento inaugural da biologia evolucionista”, afirma o jornalista Reinaldo José Lopes, autor dos livros Além de Darwin e Darwin Sem Frescura. "Embora outros naturalistas tivessem lidado com o tema desde o século 18, o livro de Darwin foi o primeiro a apresentar uma hipótese coerente e ‘testável' sobre a diversificação dos seres vivos e suas adaptações. E sem a teoria da evolução nada na biologia faz sentido.”
Diretor da editora acadêmica Educ e professor de História da Ciência da PUC-SP, o físico, filósofo e historiador José Luiz Goldfarb enfatiza a "transformação radical de nossa maneira de compreender os seres vivos” após Darwin. "Dos modelos tradicionais de classificação dos seres, passamos a perceber sequências evolutivas que envolvem todos os seres em um único processo. Tenho herança peixe, herança réptil… Somos resultados de milhares de anos de transformações”, comenta. "Cada detalhe de meu corpo tem uma história natural que ultrapassa meus antecessores familiares conectando-me a uma grande família natural.”
Para ele, A Origem das Espécies "é daqueles livros que serão sempre uma referência para entendermos a ciência em sua história e também a ciência de nosso tempo”. São raros os exemplares remanescentes da primeira edição da obra de Darwin. Em leilão ocorrido neste ano, um deles foi arrematado por 500 mil dólares - um recorde mundial.
Ao tornar pública sua teoria, em 1858, Darwin foi alvo, ao mesmo tempo, de reconhecimento, gozações e críticas. Ele foi chamado, inclusive, de herege, por questionar a origem da Criação. Isso, para a Igreja, e muitos outros membros da sociedade, era inaceitável. Caricaturas de Darwin com traços humanos e de macaco foram publicadas com frequência em jornais e revistas da época, fato que pouco o incomodou. Diz-se que ele, inclusive, as teria colecionado.
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Quarto de estudos
Em outubro de 1836, Darwin regressou à Inglaterra de sua viagem pelo mundo. Um ano mais tarde, casou-se com sua prima e mudou-se para Downe, ao sul de Londres. Como Darwin descendia de uma família próspera, não teve que se preocupar com dinheiro. Ele pôde dedicar-se, com tranquilidade, à pesquisa. No total, Darwin publicou 20 pesquisas científicas e ministrou palestras para especialistas e pesquisadores. Mas sobre sua Teoria da Evolução das Espécies falou, inicialmente, apenas para seus amigos mais próximos.
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A lei do mais forte
Darwin observou que na maioria dos grupos de animais somente um macho tem o direito de se reproduzir. O maior, o mais colorido, o mais forte ou mais ágil para eliminar os concorrentes é escolhido como líder. A isto, Darwin denominou de 'a sobrevivência do mais forte'. Darwin acreditava que suas descobertas também eram válidas para o ser humano, levando-o a concluir que o homem descenderia do macaco, o que foi uma provocação para muitos dos seus contemporâneos.
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Charles Darwin
Charles Robert Darwin foi um dos mais importantes e, provavelmente, mais controversos naturalistas da história. Ele nasceu em 12 de fevereiro de 1809 na Inglaterra. Estudou Medicina e Teologia e, mais tarde, dedicou-se a sua verdadeira paixão: a biologia. Em suas viagens ao redor do mundo, Darwin coletou informações, através de investigações e observações dos animais, para formular a Teoria da Evolução. Com isso, ele refutou a doutrina vigente até então, que creditava a criação do mundo, das coisas e do homem a um poder independente (Deus).
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Coleta de materiais
Na viagem, Darwin fez aquisições valiosas: reuniu exemplos de 1.529 espécies e 3.907 peles e ossos. O naturalista encheu 12 catálogos com informações completas de animais e plantas, de exemplares comunsaos mais exóticos – na foto, o caranguejo-de-pedra do Atlântico – e preencheu, ainda, 2 mil páginas com seus apontamentos. Ele também enviou fósseis e pedras a Londres para analisá-los melhor em casa.
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Best-seller
Durante mais de 20 anos, Darwin aperfeiçoou sua Teoria da Evolução, antes que fosse forçado a apresentá-la ao público. Em 1858, recebeu de um jovem cientista uma dissertação com elementos da sua teoria. Para assegurar a glória científica, Darwin teve que agir rápido. No ano de 1859, publicou o livro 'Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural'. A primeira edição esgotou-se em um dia. O livro tornou-se um best-seller, assim como muitas de suas obras traduzidas para diversas línguas.
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Tentilhões de Darwin
Os pássaros cantores encontrados somente nas ilhas Galápagos, denominados tentilhões de Darwin, levaram o pesquisador à ideia de 'nicho ecológico'. Cada uma das 13 espécies que hoje vivem nas ilhas tem seu próprio nicho. Isso significa que não há concorrência com outras espécies por comida e ninhos. O tentilhão das árvores (pássaro de pequeno porte de coloração viva) tem o bico fino, permitindo-o apanhar insetos. Já o grande tentilhão da terra tem o bico fortificado para apanhar frutas e sementes.
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Tartaruga gigante
Darwin ficou fascinado com as tartarugas gigantes, que pesam até 350 kg e são endêmicas do arquipélago. Ele reparou que a cor e a forma da couraça variavam de ilha para ilha, indicando que a adaptação ocorria de acordo com o habitat. O navio Beagle trouxe dezenas de tartarugas gigantes a bordo, das quais a maioria foi usada como alimento pela tripulação. A tartaruga Harriet, no entanto, conseguiu chegar à Europa, para depois ser enviada à Austrália. O objeto de pesquisa de Darwin morreu em 2006, aos 175 anos de idade.
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Teoria da evolução
Também outros pesquisadores, como Jean-Baptiste de Lamarck, tinham se ocupado da evolução das espécies. A teoria de Darwin da 'seleção natural' baseou-se, em parte, nele. Em uma geração de girafas há, por acaso, uma cujo pescoço é mais longo que o dos outros. Tal fato representa uma clara vantagem na busca por comida, já que esta conseguiria pegar as folhas das árvores mais altas. Isso a tornaria mais resistente, permitindo que vivesse e se reproduzisse por mais tempo. Darwin acreditava que a característica do pescoço longo seria passada às próximas gerações, como uma forma de seleção encontrada pela natureza.
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Répteis exóticos
Darwin encontrou répteis marinhos que o surpreenderam. Como as ilhas Galápagos não oferecessem alimentos em terra, os animais mergulhavam no mar, ficando até 15 minutos embaixo da água. Isso, para os répteis, era algo muito incomum. Darwin concluiu daí a capacidade de adaptação dos animais para poderem sobreviver.
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Galápagos
O arquipélago de Galápagos, formado por 58 ilhas na costa do Equador, foi um importante ponto de pesquisa para Darwin. O local o impressionou pela biodiversidade, tendo contribuído de maneira significativa para a elaboração da Teoria da Evolução. Apesar das difíceis condições de sobrevivência nas ilhas, Darwin encontrou ali grande diversidade de espécies (animais e vegetais) e viu somente uma explicação para isso: a adaptação.
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A expedição
Com o navio britânico HMS Beagle, em 1831, Charles Darwin iniciou aos 22 anos de idade uma viagem de cinco anos ao redor do mundo. Assim, conheceu o Brasil, a Argentina, o Chile, a Austrália e a Nova Zelândia. Suas longas observações foram registradas num diário, juntamente com desenhos dos objetos de pesquisa.