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Por que a Rússia enviou soldados norte-coreanos à guerra

Nina Werkhäuser | Peter Hille
1 de novembro de 2024

Coreia do Norte mandou milhares de soldados à Rússia, e acredita-se que parte das tropas já esteja na fronteira com a Ucrânia. Como a participação de Pyongyang nos combates mudaria o conflito?

Soldados norte-coreanos marchando com baioneta em punho
Em breve no campo de batalha? Soldados norte-coreanos em registro feito em Pyongyang (foto de arquivo)Foto: Ed Jones/AFP/AFP/Getty Images

Quantos soldados a Coreia do Norte enviou à Rússia?

Fontes dos governos da Ucrânia, Coreia do Sul e Estados Unidos afirmam que a Coreia do Norte enviou ao menos 10 mil soldados para a Rússia. Alguns relatos falam em até 12 mil homens.

O presidente russo Vladimir Putin diz que não descarta usar essas tropas no campo de batalha. "É nossa decisão soberana."

A Coreia do Norte, que inicialmente negou o envio de tropas, posteriormente passou a defender a ideia como coerente com o direito internacional.

Nesta sexta-feira (01/11), a ministra norte-coreana do Exterior, Choe Son Hui, prometeu durante encontro em Moscou que seu país ajudará a Rússia na guerra "até o dia da vitória".

A Ucrânia e países aliados criticaram o envio de tropas norte-coreanas. O temor é de uma nova escalada da guerra.

Onde os soldados norte-coreanos estão?

As tropas foram inicialmente enviadas ao leste da Rússia para treinamento. Alguns veículos de imprensa relatam que os soldados usam uniforme russo e estão aprendendo comandos militares na língua estrangeira.

Uma parte dessas tropas teria chegado a Kursk, região russa na fronteira com a Ucrânia, e que em agosto chegou a ser parcialmente tomada pelas tropas de Kiev. O Exército russo quer reassumir o controle da região, e pode recorrer à ajuda de soldados norte-coreanos.

Imprensa sul-coreana divulgou fotos que mostrariam soldados norte-coreanos na RússiaFoto: Ahn Young-joon/AP/picture alliance

Por que Putin precisa de soldados da Coreia do Norte?

A guerra na Ucrânia impôs grandes perdas à Rússia. Segundo a inteligência militar britânica, Moscou perdeu só em setembro 1.271 soldados, mortos em batalha ou gravemente feridos. Desde o início da guerra seriam mais de 600 mil baixas.

O secretário geral da Otan, Mark Rutte, afirma que, com isso, a Rússia já "não tem mais condições de manter seu ataque contra a Ucrânia sem ajuda estrangeira".

Putin precisa urgentemente de mais soldados. Observadores, porém, se questionam se 10 mil homens norte-coreanos são o bastante diante das numerosas perdas de Moscou.

Como os norte-coreanos poderiam participar do conflito?

O serviço secreto da Coreia do Sul presume que as tropas norte-coreanas enviadas à Rússia são unidades especiais altamente treinadas. Mas não sabe como e onde exatamente elas vão operar.

"Os militares norte-coreanos foram preparados para treinar na península coreana, e não para serem enviados ao exterior", frisa Mark Cancian, conselheiro chefe do programa para segurança internacional do think tank americano CSIS. Cancian diz supor que essa seja a primeira vez que os soldados saem da Coreia do Norte.

O analista acredita que os norte-coreanos poderiam ser encarregados de tarefas especiais, por exemplo na área de logística ou associados aos mísseis norte-coreanos que Pyongyang entregou à Rússia.

O presidente ucraniano Volodimir Zelenski insiste que as tropas foram enviadas ao front. Emissários de seu governo afirmam que os soldados foram misturados às unidades russas para ocultar sua presença. "A Ucrânia será forçada a lutar contra a Coreia do Norte dentro da Europa."

O que o direito internacional diz sobre a presença de soldados norte-coreanos na guerra contra a Ucrânia?

Ao guerrear contra a Ucrânia, a Rússia atenta contra o princípio de não agressão. Caso a Coreia do Norte apoie esse ataque com seus próprios soldados, "então também a Coreia do Norte estaria violando o direito internacional", argumenta Claus Kress, professor de direito penal e internacional na Universidade de Colônia.

Segundo ele, tanto faz se os soldados de Pyongyang estão na região russa de Kursk, em áreas ucranianas anexadas pela Rússia ou em território de domínio ucraniano – em todas essas hipóteses, a Coreia do Norte estaria pelo menos contribuindo para uma ação violenta proibida pelo direito internacional.

Para Claus Kress, professor de direito penal e internacional na Universidade de Colônia, participação de soldados de Pyongyang na guerra na Ucrânia seria violação do direito internacionalFoto: Pascal Buenning

A presença de soldados norte-coreanos faz do país parte no conflito?

Isso, segundo Kress, dependeria da cadeia de comando sobre os soldados norte-coreanos. "Se só estiverem subordinados à Rússia, a ação desses soldados seria, do ponto de vista do direito internacional, atribuível apenas à Rússia" – ainda que, ressalta o professor, esses militares participassem diretamente de hostilidades no conflito.

"A situação seria outra se a Coreia do Norte mantiver o controle sobre os seus soldados, independente de ela comandá-los sozinha ou junto com a Rússia", afirma. Tal cenário faria do país asiático parte do conflito.

Num caso desses, se a violência se intensificasse a ponto de caracterizar um ataque armado da Coreia do Norte à Ucrânia, Kress afirma que Kiev poderia se defender atacando território norte-coreano, a milhares de quilômetros dali, desde que "dentro dos critérios de proporcionalidade e necessidade".

O que a Coreia do Norte ganha servindo a Putin?

Com 1,3 milhão de soldados, a Coreia do Norte tem um dos maiores exércitos do mundo e poderia se beneficiar taticamente da experiência de batalha, algo que tornaria o país mais ameaçador para a vizinha Coreia do Sul.

Antes de enviar soldados à Rússia, Pyongyang já acudiu o regime de Vladimir Putin com munição aos milhares e mísseis balísticos. Em troca, acredita-se que tenha recebido alimentos, combustíveis e tecnologia de satélites.

Em troca dos soldados, o ditador Kim Jong-un agora poderia tentar obter outras vantagens de Putin, especula Victor Cha, do think tank CSIS. "Kim não é burro. Ele sabe que Putin precisa tanto da munição quanto das tropas da Coreia do Norte. Então, por que não cobrar um preço mais caro por isso?"

Segundo Cha, Kim tem muito interesse em tecnologia militar de ponta, principalmente para mísseis intercontinentais e submarinos atômicos; se Putin cederá ou não, é outra história.

O que une Rússia e Coreia do Norte?

Os dois países mantiveram relações estreitas nos tempos da Guerra Fria. Essa amizade está sendo revivida por Putin e Kim desde o início da guerra na Ucrânia.

O apoio da Coreia do Norte à Rússia tornou-se evidente quando o país foi um dentre cinco países em toda a comunidade internacional a votar contra a resolução da Assembleia Geral da ONU, em março de 2022, que condenava o ataque russo à Ucrânia.

Ao se alinhar à Rússia, a Coreia do Norte, que enfrenta isolamento internacional, assegurou seu acesso a bens e tecnologia de que necessitava em troca de munição e armas para Putin.

A colaboração culminou em junho de 2024 com um pacto de defesa mútua.

Lado a lado: os autocratas Kim Jong-un e Vladimir Putin numa das raras viagens internacionais do chefe do Kremlin desde o início da guerra na Ucrânia (foto de arquivo) Foto: Vladimir Smirnov/POOL/TASS/dpa/picture alliance

Como a Otan reage aos soldados norte-coreanos?

"A Otan exige que Rússia e Coreia do Norte interrompam essas ações imediatamente", afirmou em 28 de outubro o secretário geral da entidade, Mark Rutte. Ele classificou o envio de tropas norte-coreanas como "uma violação adicional das resoluções do Conselho de Segurança da ONU e uma perigosa escalada da guerra russa".

Para Rutte, o posicionamento de tropas norte-coreanas em Kursk é "um sinal do crescente desespero de Putin". Ele frisou que a Otan manterá seu apoio à Ucrânia.

Destroços de um míssil em Kiev: segundo a Ucrânia, a arma veio da Coreia do NorteFoto: Kyodo/picture alliance

O que isso significa para a Europa?

A eurodeputada alemã Marie-Agnes Strack-Zimmermann (FDP) chamou o envio de tropas norte-coreanas de "provocação inimaginável". "O Eixo do Mal está ativo. Quem nos garante que, em alguns anos, soldados norte-coreanos não serão empregados no Báltico ou que os chineses não os comprarão para atacar Taiwan?"

Cha, do think tank CSIS, diz que a cooperação de Pyongyang com a Rússia terá efeitos duradouros.

"A Europa era tradicionalmente o portão da Coreia do Norte para o Ocidente e era considerada por Pyongyang mais 'neutra' que os EUA", afirma. Ele acrescenta que há diplomatas norte-coreanos na maioria das capitais europeias, e "a decisão da Coreia do Norte de enviar tropas para matar europeus não será esquecida tão cedo nessas capitais".