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Por que a Síria não é a crise dos mísseis de 1962

Alexander Pearson av
14 de abril de 2018

O impasse em Cuba, entre EUA e URSS, levou o mundo à beira da guerra nuclear. Apesar de paralelos com a atual ofensiva na Síria, especialistas ressaltam que na Guerra Fria os alvos e tensões eram bem outros.

Navio americano inspeciona cargueiro soviético na costa de Cuba, durante crise dos mísseis
Navio americano inspeciona cargueiro soviético na costa de Cuba, durante crise dos mísseisFoto: picture-alliance/Everett Collection/CPL Archives

Poucos dias atrás, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, dissera que a Rússia devia "se preparar" para uma ofensiva de mísseis em resposta ao suposto ataque com armas químicas na Síria. Complementando, descreveu a relação entre o país e os Estados Unidos como "pior do que nunca, e isso inclui a Guerra Fria". Não demorou muito até alguns observadores invocarem a crise de Cuba de 1962, o episódio mais perigoso do período.

Elmar Brok, ex-presidente do Comitê de Assuntos Estrangeiros do Parlamento Europeu, disse ao jornal alemão Bild que a disputa em torno da Síria é "a primeira ameaça direta de conflito entre as potências nucleares Rússia e EUA desde a crise de mísseis de Cuba".

Falando à agência de notícias AFP, por sua vez, Igor Yurgens, ex-assessor-chefe do primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev, foi na mesma linha: "Estamos numa situação que me lembra a crise no Caribe dos anos 1960, quando [o líder soviético Nikita] Khrushchev e [o então presidente americano John F.] Kennedy estavam à beira de um conflito nuclear."

Soldados sírios protestam em Damasco contra TrumpFoto: picture-alliance/AP Photo/H. Ammar

Especialistas duvidam

A crise a que ambos se referem ocorreu em outubro de 1962, quando os EUA descobriram mísseis nucleares soviéticos no Estado insular de Cuba. Depois de Washington ter colocado centenas de seus bombardeiros, armados com ogivas nucleares, em prontidão para atacar o território da União Soviética, a confrontação terminou quando os soviéticos concordaram em retirar os mísseis nucleares, se os EUA retirassem os seus da Turquia, aliada americana na fronteira sul da URSS.

Segundo certos especialistas, contudo, a atual disputa na Síria é bem diferente. "Havia muito mais em jogo naquela época", alega Ivan Tomofeyev, do Conselho Russo de Relações Exteriores, em Moscou. "Os EUA viram o estacionamento de mísseis nucleares soviéticos como uma ameaça a sua existência, e havia uma clara confrontação ideológica", disse, referindo-se à estratégia americana de conter a URSS, a fim de prevenir a difusão do comunismo.

Em 1962, além disso, ambos os lados estavam dispostos a arriscar uma guerra para forçar o outro a ceder, lembra o professor Bernd Greiner, da Universidade de Hamburgo. Forças soviéticas abateram um avião-espião dos EUA, e o piloto foi morto, enquanto Washington iniciou preparativos para lançar bombas nucleares sobre o país inimigo. "A Síria, em contrapartida, é uma crise, mas não uma disputa que vá levar os dois lados à beira de uma guerra mundial."

John F. Kennedy (esq.) e Nikita Khrushchev, protagonistas da crise de Cuba em 1962Foto: Central Press/Hulton Archive/Getty Images

Perigo das más interpretações

Outra diferença-chave entre 1962 e 2018 são os alvos dos EUA, aponta Steven Pifer, especialista do think tank Brookings Institution. Na Guerra Fria, os americanos planejavam atingir forças soviéticas em Cuba, o que causaria as mortes de centenas de soldados. Atualmente, por outro lado, o país tentaria evitar as forças russas, se realizasse um ataque com mísseis contra alvos do governo sírio.

Contudo, mesmo que uma ofensiva dos americanos contra a Síria matasse acidentalmente russos em terra, Moscou não retaliaria com armas atômicas. "Minha suposição é que as Forças Armadas russas têm uma avaliação bastante exata do que isso acarretaria", tranquiliza Pifer.

Embora o emprego de armas nucleares seja improvável, Tomofeyev admite que, caso soldados russos fossem atingidos, um bombardeio americano contra a Síria poderia desencadear um conflito militar direto com Moscou.

"Mortes russas podem fazer a situação escalar, ao ponto de a Rússia atacar aeronaves ou embarcações da Marinha americana." No fim das contas, "o maior risco são as interpretações erradas das intenções" do outro lado.

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