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Por que a Ucrânia invadiu a região russa de Kursk?

Roman Goncharenko
13 de agosto de 2024

Pela primeira vez desde o início da guerra, tropas ucranianas avançam pelo território russo. Para analistas, investida é sinal de uma nova – e arriscada – estratégia.

Tanque ucraniano na região de Sumy
Tanques ucranianos em Kursk, na Rússia: Kiev afirma já ter dominado uma área de 1.000 km² – o equivalente a dois terços da área de São Paulo (capitaFoto: Roman Pilipey/AFP/Getty Images

Após mais de dois anos de combates para repelir a invasão russa, a Ucrânia parece estar mudando de estratégia – e deu o "primeiro passo" nesse sentido ao enviar seus soldados em missão à região russa de Kursk.

A análise é da especialista em política externa e de segurança Jen Spindel, que leciona na Universidade New Hampshire, nos Estados Unidos. "A Ucrânia não pode continuar lutando essa guerra da mesma forma que o fez nos últimos dois anos. O país simplesmente não tem gente nem armas o suficiente para isso", afirma. "A Rússia é muito maior, tem mais militares."

Essa mudança de estratégia "rumo a uma guerra de exaustão em vez de uma guerra em pé de igualdade", "mais assimétrica", já havia sido recomendada por Spindel e outros especialistas em artigo publicado na revista americana Foreign Affairs. Isso significaria não confrontar em campo aberto o Exército russo, que sob muitos aspectos está em vantagem; em vez disso, as tropas ucranianas deveriam recorrer a táticas mais adequadas à sua força e ao seu equipamento. E é justamente isso que parece estar acontecendo em Kursk.

"A Ucrânia está mostrando que o território russo não é mais intocável, e que vai atacá-lo para forçar a Rússia a deixar de bombardear e causar destruição na Ucrânia."

O avanço sobre Kursk é o primeiro de tropas oficiais ucranianas em território russo desde o início da guerra, em fevereiro de 2022. Até então só tinha havido pequenas incursões, em 2023, e todas protagonizadas por tropas de dissidentes russos que lutam no lado ucraniano.

Por que a Ucrânia invadiu Kursk?

Passada uma semana desde o início do avanço ucraniano, Kiev vem evitando fornecer um quadro geral sobre a operação. O presidente Volodimir Zelenski apenas mencionou "ações para empurrar a guerra para o território do agressor". Um militar ucraniano do alto escalão disse à agência de notícias AFP no fim de semana que "milhares" de soldados ucranianos estão envolvidos na operação, que visaria forçar a dispersão da linha de combate russo e "desestabilizar" a situação.

Nesta segunda-feira (12/08), o comandante-chefe do Exército ucraniano, Oleksandr Syrskyi, se pronunciou pela primeira vez sobre a "operação ofensiva na região de Kursk". Segundo o general, a Ucrânia controla cerca de 1.000 km² em solo russo.

Também nesta segunda, o presidente russo Vladimir Putin afirmou em reunião com altos oficiais militares que a ofensiva era uma tentativa de Kiev de "melhorar sua posição para futuras negociações", mas sem perspectiva de sucesso. O principal objetivo da Rússia agora seria "espremer" e "expulsar o inimigo".

Segundo fontes russas, a invasão ucraniana começou em 6 de agosto, com o avanço das tropas por ao menos dez quilômetros Rússia adentro. Outros veículos afirmam que os soldados avançaram por cerca de 30 quilômetros, tomando pequenos vilarejos pelo caminho, e que a situação estaria mudando de forma muito rápida. Já o Ministério da Defesa russo alega ter detido o avanço ucraniano e estar combatendo em dois subdistritos na fronteira.

Uma das principais preocupações de Moscou é a usina nuclear de Kursk. Os combates, porém, estariam sendo travados a pelo menos 30 quilômetros de distância dali, segundo o noticiário russo.

Civis russos abrigados provisoriamente após serem evacuados da fronteira com a Ucrânia: ao menos 120 mil teriam sido deslocados em Kursk, segundo a RússiaFoto: AP Photo/picture alliance

"Bom para a moral das tropas, mas insignificante para a guerra"

O avanço ucraniano seria "resultado de um planejamento cuidadoso" por parte de Kiev e do "fracasso total da inteligência russa", analisa o coronel das Forças Armadas da Áustria e historiador militar Markus Reisner.

Reisner atribui a Kiev uma "clara vitória" em termos de propaganda, já que a ação desviou todas as atenções da região ucraniana do Donbass para a russa Kursk, mais ao norte. As forças russas têm avançado lentamente em Donbass na direção de cidades como Chasiv Yar e Pokrovsk. Se a Ucrânia for capaz de manter o controle da região de Kursk, isso irá forçar um reagrupamento das tropas russas e reduzir a pressão no Donbass, opina o historiador.

Especialista em assuntos militares no Conselho Europeu para Relações Exteriores, Gustav Gressel é menos otimista, referindo-se à ação em Kursk como "boa para a moral [das tropas], mas insignificante na guerra".

"Não houve nenhum sinal de que a Rússia esteja retirando tropas do leste para deter o avanço ucraniano", afirma Gressel. Porém, nos últimos dias houve relatos – não confirmados – de que a Rússia estaria deslocando parte das tropas do nordeste da Ucrânia para Kursk.

Ainda assim, Gressel pondera que a Rússia, por ter vantagem militar em relação à Ucrânia, é quem sai ganhando com a extensão do front: "A Rússia é a principal beneficiária de uma extensão da linha do front para dentro do território russo, porque isso demanda as forças ucranianas ainda mais."

Instrumento de barganha?

Alguns especialistas, porém, afirmam que o avanço da Ucrânia sobre Kursk pode ter outros objetivos, como a melhora da posição de Kiev nas negociações de paz com a Rússia – essa é a suspeita de Putin.

Outra hipótese é que a ação vise aumentar a moral das tropas ucranianas, que "há um ano e meio estão 'só' defendendo suas posições em uma desgastante guerra de atrito", analisa o colunista e especialista em Ucrânia Winfried Schneider-Deters. Ele argumenta que, para os soldados, essa ofensiva é importante – mais ainda por se dar em território inimigo.

"É possível que a liderança ucraniana queira demonstrar à Rússia, mas principalmente ao Ocidente, que a Ucrânia não esgotou suas forças", afirma Schneider-Deters, e "que, com um maior fornecimento de armas ocidentais, ainda tem a possibilidade de vencer a guerra".

EUA reagem com cautela

Para Schneider-Deters, o avanço ucraniano sobre Kursk marca uma ruptura e já era esperado há tempos, mas antes teria sido provavelmente barrado pelo Ocidente – principalmente pelos Estados Unidos – devido à preocupação com a expansão do conflito. Que a Ucrânia tenha conseguido se impor desta vez, é algo que o analista considera "correto".

Até bem pouco tempo, Washington, Berlim e outros governos proibiam a Ucrânia de usar suas armas contra o território russo. Isso mudou em maio de 2024, após a ofensiva russa em Kharkiv. A permissão, no entanto, ficou limitada à região fronteiriça. Mísseis como os ATACMS dos EUA continuam permitidos apenas em território ucraniano ocupado.

Apesar de os EUA terem autorizado uso de armas nacionais pela Ucrânia contra território russo, algumas delas, como os mísseis ATACMS (foto), seguem vetadasFoto: U.S. Army/Avalon/Photoshot/picture alliance

Até agora, os EUA reagiram com cautela à investida contra Kursk. Jen Spindel palpita que Washington manteve muitas conversas telefônicas de alto nível com Kiev para desescalar a situação.

Até onde as tropas ucranianas vão avançar? 

Spindel pontua que, para atingir seus objetivos, a Ucrânia não precisa ir "particularmente longe" geograficamente. "Não acho que ninguém queira ver isso escalar para um conflito onde a Ucrânia envia tropas até Moscou, ou drones ou aviões", afirma, justificando que quanto mais as tropas ucranianas avançarem, maior será o risco de ficarem sem suprimentos.

Segundo ela, os avanços ucranianos recentes sobre áreas militares e de armazenagem de armas são "significativos o suficiente para caracterizarem uma operação clara dentro da Rússia, mas não ousados a ponto de arriscar uma escalada muito maior da guerra".

A Ucrânia, segundo a professora, precisa se equilibrar e demonstrar apreço por seus parceiros no Ocidente. Mas ela diz acreditar que o ataque a Kursk não será o último.

"Minha aposta é de que veremos cada vez mais operações como essa, mas que a Ucrânia tentará mantê-las surpreendentes, como foi com Kursk", afirma. "A Ucrânia não pode se equiparar ao tamanho das tropas russas, mas pode continuar a recorrer a táticas superiores e à surpresa para tentar desestabilizar a Rússia."

 

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