UE não consegue chegar a acordo sobre definição de estupro
7 de fevereiro de 2024"É uma mensagem clara para toda a União [Europeia] de que levamos a sério a violência contra a mulher", disse Frances Fitzgerald, relatora de uma nova diretriz do bloco sobre o tema. Mas quando ela apresentou o resultado das negociações entre o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu, na noite de terça-feira (06/02), o texto final deixou muita gente desapontada.
Os Estados-membros da UE definem o que é o crime de estupro de forma diferente em seus respectivos códigos penais. E seguirá sendo assim, pois Conselho Europeu, que representa os países do bloco, se opôs a uma padronização.
Fitzgerald disse ter identificado "entendimentos muito inquietantes de alguns Estados-membros em relação ao estupro". Tanto ela, que é filiada ao conservador Partido Popular Europeu, como muitos outros políticos europeus esperavam, em vão, que uma definição consensual de estupro fosse adotada em todo o bloco.
Três conceitos diferentes
A rede Lobby Europeu das Mulheres publicou em outubro passado uma análise sobre como cada país da UE define o crime de estupro.
Conforme o relatório, em 14 países da UE vigora o chamado princípio "apenas o sim significa sim", estipulando que o contato sexual deve ser claramente consentido para que não seja considerado estupro. Entre essas 14 nações, estão Suécia, Croácia, Grécia e Espanha, onde o jogador brasileiro Daniel Alves foi condenado por estupro.
Já na Alemanha e na Áustria, aplica-se o princípio "não significa não", que exige que a vítima prove ter verbalmente negado o consentimento para a relação sexual.
Nos demais 11 países da UE, a resistência à violência ou a uma situação ameaçadora ainda é um elemento essencial para caracterizar o estupro. Esses países incluem a maioria dos Estados do Leste Europeu, assim como a França e a Itália.
No Brasil, considera-se crime de estupro o ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar outro ato libidinoso. Um projeto de lei apresentado em fevereiro do ano passado pelo deputado federal Eduardo Bismarck (PDT-CE) propõe modificar o Código Penal para deixar claro que ato sexual sem consentimento livremente expresso é estupro, o que aproximaria a norma brasileira do princípio "apenas o sim significa sim". O texto está sob análise da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara.
Convenção de Istambul
Quando a Comissão Europeia, o braço executivo da UE, apresentou em 8 de março de 2022 a proposta de uma norma uniforme sobre estupro, ela também estava preocupada em cumprir os objetivos da Convenção de Istambul, que entrou em vigor em 2018.
Essa convenção é um acordo para prevenir e combater a violência contra a mulher e a violência doméstica, ratificado pela maioria dos países-membros do bloco. A UE como um todo também aderiu ao acordo em junho de 2023.
A Convenção de Istambul estipula, entre outros pontos, que a penetração vaginal, anal ou oral não consensual e sexualmente intencional do corpo deve ser criminalizada. Em sua proposta de 2022, a Comissão Europeia propôs no artigo 5 uma definição de estupro baseada no "ato sexual não consensual contra uma mulher". Isso provavelmente significaria a adoção do princípio "apenas o sim significa sim" em toda a UE.
No entanto, o artigo 5 desapareceu em um parecer do Conselho da UE divulgado em maio de 2023 sobre a diretriz. "A consultoria jurídica do Conselho e muitos outros Estados-membros chegaram à conclusão de que não há base jurídica suficiente para a inclusão desse tipo penal no direito primário europeu", disse o ministro da Justiça alemão, Marco Buschmann, em uma reunião em Bruxelas há cerca de duas semanas.
De acordo com essa interpretação, a UE não teria sequer a competência para iniciar a padronização legal. Segundo a agência de notícias AFP, outros países, como a França e a Hungria, também defendem essa posição.
Por outro lado, 13 dos 27 países da UE eram a favor da introdução do princípio baseado em consenso em todo bloco, segundo a relatora Fitzgerald.
Críticas à Alemanha e à França
A oposição à adoção do princípio "apenas o sim significa sim" pela UE provocou críticas de mulheres e ativistas dos direitos das mulheres em toda a Europa.
Na Alemanha, mais de 100 mulheres de destaque pediram ao ministro da Justiça que mude sua posição. O Lobby Europeu das Mulheres afirmou que também lamentava profundamente a "decisão ultrajante da França e da Alemanha de excluir o artigo 5".
Outras disposições da nova diretriz da UE sobre a proteção das mulheres contra a violência incluem regras contra a mutilação genital e os casamentos forçados. A violência cibernética, como o compartilhamento indesejado de fotos íntimas, o envio não solicitado de imagens ofensivas (cyberflashing) e a perseguição cibernética também serão criminalizados.
A lei está em vigor desde junho. Os países do bloco têm três anos para transpor as regras para suas respectivas legislações nacionais.