Por que aliados enviam à Ucrânia armas com poder limitado
Roman Goncharenko
26 de março de 2023
Obuses sem GPS, lançadores de foguetes com alcance reduzido. Alguns sistemas só chegam a Kiev com limitações. Motivo são regras de exportação ou medo de reação da Rússia?
Anúncio
Tanques de batalha Leopard 2 da Noruega, caças MiG-29 da Eslováquia: a Ucrânia recebe entregas quase diárias de armas pesadas do Ocidente. Na segunda-feira (20/03), os EUA anunciaram um novo pacote de ajuda militar de 350 milhões de dólares. Mas os prometidos tanques de batalha Abrams M1 ainda não estão incluídos.
Abrams sem armadura secreta
Recentemente, Washington afirmou querer antecipar o envio dos tanques, prometendo despachar modelos mais antigos já no segundo semestre deste ano. A revista americana Politico noticiou há algumas semanas que os Estados Unidos não querem fornecer à Ucrânia os Abrams com blindagem secreta feita de urânio empobrecido. O motivo seriam os regulamentos de exportação.
Gustav Gressel, especialista militar do think tank Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR, na sigla em inglês), não vê nada de incomum nisso. "A Ucrânia receberá a variante de exportação do Abrams, usada no Egito, Arábia Saudita e Iraque", disse. Sua blindagem é comparável à série mais antiga dos tanques de batalha Leopard 2, os Leopard 2 A4, que a Noruega e, antes disso, a Polônia entregaram à Ucrânia.
"O Abrams mais antigo ainda é um bom tanque principal de batalha, tem um bom dispositivo de imagem térmica e um canhão poderoso, e é superior aos tanques russos em termos de manuseio", explica Gressel.
Obuses americanos e software ucraniano
Regras de exportação são uma razão pela qual os EUA só fornecem para a Ucrânia versões modificadas de certas armas. Mas não a única. "A questão é o que acontece se um tanque for deixado para trás e for capturado e analisado pelos russos", ressalta Gressel.
Essa preocupação também possivelmente se aplica aos obuseiros M777 dos EUA, que são entregues à Ucrânia desde abril de 2022. Esses obuses foram enviados sem navegação GPS e os respectivos computadores de bordo. Armas sem GPS geralmente são menos precisas.
O exército ucraniano rapidamente encontrou uma solução e instalou seus próprios sistemas, incluindo o software de artilharia GIS "Arta", desenvolvido na Ucrânia. De acordo com a mídia ucraniana e ocidental, um dos usos mais conhecidos dos obuses M777 com o software GIS "Arta" foi em maio de 2022.
Na época, a artilharia ucraniana impediu um número particularmente grande de tropas russas de cruzar o rio Seversky Donets, perto da aldeia de Bilohorivka, na região de Lugansk. Gustav Gressel vê a Ucrânia em vantagem. "Com a artilharia, as ordens de fogo por modo digital são muito mais rápidas. Do lado russo, por outro lado, muito ainda está sendo feito por radiotelefonia", sublinha.
Serhij Hrabskyj, especialista militar de Kiev e ex-oficial do exército ucraniano, não vê maiores problemas nas limitações dos sistemas de armas ocidentais. "Todos os sistemas de informação de comando estão integrados nas estruturas de comando da Otan. Eles só podem ser usados no âmbito das tarefas da Otan", afirmou, em entrevista à DW. "Esta é uma prática normal, a Ucrânia usa seus próprios sistemas", concluiu.
Anúncio
Lançador de mísseis de alcance limitado
A situação é diferente com os lançadores móveis de foguetes Himars, fabricados nos EUA, que a Ucrânia tem usado com sucesso para ataques precisos bem atrás da linha de frente desde meados de 2022. Para o sistema, EUA estão fornecendo mísseis com um alcance de cerca de 80 quilômetros, mas não os mísseis ATACMS, muito mais poderosos, que podem atingir alvos a até 300 quilômetros de distância.
O Wall Street Journal noticiou que os EUA modificaram esses lançadores de foguetes antes da entrega, para que foguetes de longo alcance não pudessem ser disparados. Nem mesmo se a Ucrânia os encontrasse no mercado mundial. O jornal cita uma fonte anônima do governo dos EUA, que afirma que a razão é o desejo de "reduzir o risco de um alargamento da guerra com Moscou".
Em setembro de 2022, a porta-voz do Ministério do Exterior da Rússia, Maria Zakharova, disse que os mísseis de longo alcance eram uma "linha vermelha" e que isso faria de Washington parte envolvida no conflito. Gustav Gressel acredita que as restrições técnicas aos lançadores de foguetes Himars também podem ser revertidas, se Washington decidir fazê-lo por razões políticas.
Stephen Blank, especialista no think tank americano Instituto de Pesquisa de Política Externa (FPRI, na sigla em inglês), acredita que as restrições às vendas de armas dos EUA à Ucrânia têm a ver com "medo da Rússia e de uma escalada da guerra por parte da Rússia". No entanto, ele considera essa preocupação exagerada. "Acho que temos muito medo de uma escalada da Rússia", diz o especialista. "Não entendo por que o território russo deveria ser excluído dos ataques ucranianos. A Rússia começou esta guerra e destruiu a Ucrânia."
Blank vê uma "diferença significativa" no campo de batalha no fato de que a Rússia pode concentrar seu equipamento de guerra na fronteira com a Ucrânia e "disparar à vontade", sem temer um contra-ataque. "Se eles não pudessem mais fazer isso, seria uma grande vantagem para a Ucrânia." Blank defende mostrar, nas negociações com a Rússia, que o Ocidente "não se deixa pressionar".
No início de 2023, os parceiros ocidentais da Ucrânia prometeram fornecer mísseis com alcance de até 150 quilômetros. O ministro ucraniano da Defesa, Oleksiy Reznikov, disse na época que Kiev havia prometido não disparar contra o território russo. No entanto, isso não se aplica aos territórios ucranianos ocupados pela Rússia.
Sinais errados a Putin
Stephen Blank acredita que os aliados na Europa têm ainda mais medo do que os EUA. A administração Biden quer manter a Otan unida e, portanto, está levando isso em consideração, segundo o especialista.
A Otan enfatizou repetidamente que não faz parte da guerra e não quer ser arrastada para a guerra. Gustav Gressel, do ECFR, acha que isso está certo, mas critica a ideia em Washington de que alguém poderia "microgerenciar a guerra para encerrá-la em um impasse desejado".
"Uma guerra é complexa e caótica demais para isso", diz Gressel. "Com isso, apenas são enviados sinais a Putin de que ele tem uma certa chance de vencer a guerra. Qualquer contenção nas entregas de armas ocidentais é um sinal para ele de que não estamos falando sério."
Bakhmut: a "fortaleza do Donbass" na linha de frente da guerra
Antes da invasão russa, Bakhmut tinha 70 mil moradores. Intensos combates entre tropas russas e ucranianas causaram mortes e destruição na estratégica cidade do Donbass, mas nem todos os civis a abandonaram.
Foto: LIBKOS/AP Photo/picture alliance
A cidade antes da destruição
Esta foto, tirada na primavera europeia de 2022, mostra murais com o tema "Família e Crianças" em Bakhmut. Em maio, a linha de frente da guerra chegou à cidade, e os tiros e bombardeios aéreos começaram. Muitas casas foram seriamente danificadas.
Foto: JORGE SILVA/REUTERS
"Você se sente um sem-teto"
Blocos de apartamentos no leste de Bakhmut foram os primeiros a serem atingidos por ataques russos. Hoje, os bairros se assemelham aos da cidade portuária destruída de Mariupol. "Você se sente um sem-teto, perdemos tudo. Não há para onde voltar", disse uma moradora chamada, Halyna, retirada de Bakhmut e cuja casa foi totalmente destruída.
Foto: Aris Messinis/AFP/Getty Images
Escola em ruínas
Dois professores de Bakhmut se abraçam em frente às ruínas de sua escola. Ela foi bombardeada pelo exército russo em 24 de julho de 2022. O prédio ficou bastante danificado. Não houve mortos ou feridos no ataque.
Foto: Diego Herrera Carcedo/AA/picture alliance
Patrimônio cultural em pedaços
O bombardeio russo causou a destruição de muitos prédios históricos importantes em Bakhmut, incluindo o Palácio da Cultura, a antiga casa particular do comerciante Polyakov da década de 1880 e o antigo ginásio para meninas. Edifícios mais modernos, que já foram o "cartão de visitas" de Bakhmut, também foram destruídos.
Foto: Dimitar Dilkoff/AFP/Getty Images
Preparativos para a retirada
Oleksandr Hawrys faz os preparativos finais para transferir a esposa e dois filhos de Bakhmut para Kiev. Em 7 de março de 2023, menos de 4 mil pessoas ainda estavam na cidade, que antes da guerra tinha 73 mil habitantes.
Foto: Metin Aktas/AA/picture alliance
Só ficaram os solteiros e os mais fracos
Mais de 90% dos residentes deixaram Bachmut e arredores. Por meses, algumas lojas e uma farmácia ainda funcionaram durante momentos de trégua. Instituições de caridade e voluntários levaram ajuda humanitária aos moradores da cidade.
Foto: ANATOLII STEPANOV/AFP/Getty Images
Eles resistem, apesar de tudo
A grávida Olha e seu marido, Wlad, em 28 de janeiro de 2023 em frente a um abrigo antiaéreo em Bakhmut. O casal está entre os poucos civis que permaneceram na cidade, apesar dos violentos combates. Atualmente, para entrar em Backmut é preciso um passe especial.
Foto: Raphael Lafargue/abaca/picture alliance
Viver sob medo constante
A aposentada Valentyna Bondarenko, de 79 anos, olha pela janela de seu apartamento em Bakhmut, em agosto de 2022. Por causa dos bombardeios sem fim e do perigo constante, muitos moradores de Bakhmut permanecem em porões e abrigos de emergência por meses.
Foto: Daniel Carde/Zumapress/picture alliance
O dia a dia num porão
"Estamos acostumados aos zumbidos e explosões", disse Nina, de Bakhmut, à DW. Suas filhas foram "para a Europa", mas ela e o marido pretendem ficar enquanto o exército ucraniano estiver na cidade. Se a situação piorar, eles querem deixar a cidade "para não perturbar os militares quando o inimigo se esconder atrás das casas".
Foto: Oleksandra Indukhova/DW
Na fila pela ajuda humanitária
A situação humanitária na cidade piorou, principalmente nos últimos meses de 2022, depois da ofensiva das tropas russas de 1º de agosto. A rede elétrica foi danificada pelos ataques e bombardeios. O abastecimento de alimentos se tornou difícil, e a telefonia móvel entrou em colapso. Até voluntários foram atacados.
Foto: Diego Herrera Carcedo/AA/picture alliance
Batalhas de artilharia pesada
As principais batalhas por Bakhmut são travadas entre unidades de artilharia. Segundo estimativas militares, quase toda a gama de artilharia e morteiros fica nesta área. Bakhmut é fortemente atacada por unidades do exército privado russo Grupo Wagner. Os militares ucranianos continuam resistindo aos ataques.
Foto: Bulent Kilic/AFP/Getty Images
Bandeira ucraniana de Bakhmut no Congresso dos EUA
Em 20 de dezembro, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, visitou soldados ucranianos perto de Bakhmut. De lá, ele levou uma bandeira ucraniana, que deu à presidente da Câmara, Nancy Pelosi, dois dias depois, durante sua visita ao Congresso dos Estados Unidos. A bandeira traz as assinaturas de soldados que defendem a soberania da Ucrânia nas linhas de frente.
Foto: Carolyn Kaster/AP Photo/picture alliance
Tratamento dos feridos em Bakhmut
As principais tarefas dos médicos militares no front são estabilizar os feridos, prevenir mortes por perda de sangue e choque e, em casos graves, garantir o transporte para hospitais de áreas mais seguras no interior do país.
Foto: Evgeniy Maloletka/AP Photo/picture alliance
Cidade está 80% em ruínas
A foto é dos últimos dias de dezembro de 2022. A fumaça sobe sobre as ruínas de casas nos arredores de Bakhmut. De acordo com as autoridades locais, em março de 2023 os violentos combates já haviam destruído mais de 80% da área habitacional da cidade.
Foto: Libkos/AP/picture alliance
Destruição registrada por satélite
Uma imagem de satélite divulgada pela Maxar em 4 de janeiro de 2023 mostra a extensão da destruição em Bakhmut. "A cidade tem sido o centro de intensos combates entre as forças russas e ucranianas nos últimos meses, e as imagens mostram danos significativos em prédios e infraestrutura", informou a empresa aeroespacial.
Foto: Maxar Technologies/picture alliance/AP
Cidade-fantasma
Esta foto de 13 de fevereiro de 2023, tirada por um drone da agência de notícias AP, mostra a extensão da destruição causada pelos combates. Fileiras inteiras de casas foram destruídas, apenas as paredes externas e as fachadas danificadas ainda estão de pé. Telhados, tetos e pisos desmoronaram, e a neve se acumula dentro das ruínas.
Foto: AP Photo/picture alliance
"Fortaleza Bakhmut"
Um soldado ucraniano diante de uma pichação no centro da cidade que diz "Bakhmut ama a Ucrânia". Embora a liderança política e militar da Ucrânia tenha decidido continuar defendendo o lugar, a Otan não descarta que Bakhmut possa cair, embora isso não signifique necessariamente uma virada na guerra.