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Por que pesquisas indicaram resultado tão diferente da urna?

4 de outubro de 2022

Clima de desconfiança incentivado por Bolsonaro pode ter gerado distorções nas sondagens, afirma estatístico da Universidade de Michigan. Presidente chega ao segundo turno mais forte do que o prognosticado.

Fila de pessoas em corredor de escola, algumas conversando
Eleitores aguardam na fila para votar em colégio na Vila Mariana, em São PauloFoto: CAIO GUATELLI/AFP

O resultado das eleições neste domingo (02/10) surpreendeu quem se fiava pelas pesquisas eleitorais, já que os institutos erraram por ampla margem a projeção de votos no presidente Jair Bolsonaro.

Os últimos levantamentos do Datafolha e do Ipec antes do pleito, divulgados no sábado, apontavam 14 pontos percentuais de diferença entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto que a apuração dos votos registrou diferença de cinco pontos percentuais.

Tratar as pesquisas eleitorais como oráculo, contudo, não faz sentido para o diretor de amostragem do Survey Research Center da Universidade de Michigan (EUA) e membro da American Association for Public Opinion Research (Aapor), Raphael Nishimura.

"Não tem como a gente dizer que pesquisas pré-eleitorais erram ou acertam o resultado das eleições. Elas são um retrato do momento", explica o estatístico.

O que aconteceu, então? Segundo Nishimura, uma parte do eleitorado pode ter mudado o voto em cima da hora, depois das últimas pesquisas. O não comparecimento de 20% do eleitorado é outro ponto difícil de considerar nas sondagens. A terceira hipótese é de um viés de não resposta por parte de eleitores pró-Bolsonaro que desconfiam dos institutos.

"É uma hipótese difícil de se comprovar, porque não há dados nem evidências empíricas. [E] é um viés muito difícil de corrigir", afirma Nishimura. "Aconteceu em 2020 nos Estados Unidos – em parte, por causa da própria narrativa de Donald Trump de que as pesquisas eram todas compradas, mentirosas." 

Esse clima de desconfiança generalizada, diz o pesquisador, pode acabar virando uma "profecia que se autorrealiza" e se retroalimenta, impactando também as pesquisas no segundo turno e exarcebando o problema. 

"Bolsonaro utiliza uma narrativa muito semelhante de descredibilizar as pesquisas, o que pode fazer com que seus eleitores mais engajados não se predisponham a respondê-las. É uma hipótese. E está em linha com essa hipótese o fato de que o voto em Lula está mais próximo do que boa parte das pesquisas mostravam", observa Nishimura.

DW Brasil: As pesquisas eleitorais erraram?

Raphael Nishimura: Do ponto de vista estritamente técnico, não tem como a gente dizer que pesquisas pré-eleitorais erram ou acertam o resultado das eleições. Elas são um retrato do momento. As inferências que a gente faz com os dados de pesquisas se referem à população no momento em que os dados foram coletados. 

Pesquisas de véspera de eleição começam um ou dois dias antes [da votação]. Elas sempre vão retratar o eleitorado naquele momento. Se houver mudanças de voto entre o momento em que as pesquisas foram finalizadas e a eleição – seja porque o eleitor decidiu o voto de última hora, seja porque parte deles consome pesquisas e com base nelas acabe mudando o voto –, obviamente as pesquisas não captam essa mudança de última hora. Isso vale para qualquer eleição. 

O que pode ter acontecido então?

Uma possível explicação seria uma movimentação de última hora da opinião de eleitores que não foi captada porque as pesquisas foram finalizadas antes desse movimento. 

Raphael Nishimura é diretor de amostragem do Survey Research Center da Universidade de Michigan e membro da American Association for Public Opinion ResearchFoto: privat

Outra hipótese é de uma possível não resposta não ignorável – quando você tem pessoas que não querem responder às pesquisas e essa recusa acontece muito por conta das opiniões que elas têm em relação ao que está sendo pesquisado. Os votos do Bolsonaro podem ter sido subestimados [por causa disso]. Talvez esses eleitores tenham uma taxa de participação menor do que eleitores de outros candidatos. É uma hipótese muito difícil de se comprovar, porque não há dados nem evidências empíricas sobre isso. [E] é um viés muito difícil de corrigir, mesmo usando métodos estatísticos. 

[Esse fenômeno] aconteceu em 2020 nos Estados Unidos – em parte, por causa da própria narrativa de Donald Trump de que as pesquisas eram todas compradas, mentirosas. Parte dos eleitores ouvindo isso talvez tenha decidido não responder a essas pesquisas. Acaba gerando um ciclo vicioso que se retroalimenta, porque se isso acontece, obviamente as pesquisas não vão conseguir captar bem o voto no Trump. Vira a profecia que se autorrealiza. Bolsonaro utiliza uma narrativa muito semelhante de questionar, descredibilizar as pesquisas, o que pode fazer com que seus eleitores mais engajados não se predisponham a respondê-las. 

É uma hipótese. E está em linha com essa hipótese o fato de que o voto em Lula está mais próximo do que boa parte das pesquisas mostravam. 

A questão da abstenção é um pouco mais complicada porque, de forma geral, as pesquisas não têm um método muito bem estabelecido para estimar os votos para os candidatos considerando uma possível abstenção. Parte disso tem a ver com o próprio sistema eleitoral – como o voto é obrigatório, é difícil saber quantos vão votar, porque em tese todos deveriam votar. Talvez esteja gerando um problema quando se compara pesquisas pré-eleitorais com o resultado das eleições – apesar de as duas coisas não serem muito comparáveis.

Não seria uma solução para lidar com o viés de não resposta simplesmente registrar a recusa dos eleitores em participar das pesquisas?

Se a não resposta fosse aleatória, isso poderia resolver. O problema é que essa hipótese parte do pressuposto de que ela não é aleatória, que acontece num nível maior com eleitores do Bolsonaro. Como a gente não sabe isso quando vai abordar a pessoa na rua, fica difícil fazer esse tipo de ajuste ou controle. 

Coletar esse tipo de informação ajudaria a saber o potencial de haver esse problema. Mas não serviria para ajustar os resultados a ponto de diminuir essas discrepâncias [entre as pesquisas pré-eleitorais e os resultados].

E no caso das pesquisas para os governos estaduais e o Senado, que em alguns casos apontaram quadros ainda mais diferentes da eleição?

Nesses casos, uma proporção ainda maior de eleitores decide esse voto na última hora. Você observa uma proporção de indecisos para esses cargos bem maior do que para presidente.

Tem gente pedindo CPI das Pesquisas. Até que ponto o que aconteceu no domingo põe em cheque a credibilidade dos institutos e dá razão a apoiadores do presidente?

Falta entendimento e esclarecimento. Acho importante especialistas, institutos, jornalistas deixarem cada vez mais claro que pesquisas não servem para prever o que vai acontecer nas eleições. Existem modelos estatísticos que podem ser utilizados, e alguns agregadores de pesquisas até fazem isso, mas as pesquisas individualmente, por si só, não têm esse poder e nunca tiveram esse papel. 

O próprio [procurador-geral da República] Augusto Aras falou em abrir um processo de investigação contra os institutos de pesquisa. Me parece um pouco preocupante isso. Eles estão partindo do pressuposto de que o papel das pesquisas é prever o que vai acontecer nas eleições. 

Para dizer que há problema de fato, teria que conseguir distinguir o que é mudança de voto dos eleitores no próprio dia da eleição e o que é realmente problema metodológico das pesquisas. Com os dados atuais essa distinção não é possível. 

Uma forma [de fazer essa distinção] seria entrevistar os respondentes antes e depois das eleições para ter noção da dimensão da decisão de voto na última hora. Aí poderia ver qual é a discrepância ou erro residual que não é explicado por essa diferença, para aí então de fato entender quais são os problemas metodológicos da pesquisa.

Acho importante haver avaliação das pesquisas da mesma forma como houve nos Estados Unidos liderado pela Aapor. Mas isso é uma iniciativa que deve partir das associações dessas empresas ou do próprio meio acadêmico.

É importante fazer, sim, uma avaliação do ponto de vista técnico, metodológico. Mas uma investigação pela PGR sem evidência de fraudes me parece injustificável.

Acha que existiu o tal voto envergonhado em Bolsonaro?

Estudos com dados das eleições americanas tanto de 2016 como de 2020 não encontraram evidências consistentes nesse sentido. [No caso do Brasil,] acho que a gente precisa de um pouco mais de estudos para confirmar ou descartar essa hipótese. A gente não tem evidências para dizer que sim ou que não.

Essa discrepância entre as pesquisas e os resultados eleitorais vai ter alguma consequência no segundo turno?

Difícil dizer. Por um lado, acho que no curto prazo é difícil para os institutos mudar alguma coisa do que fazem atualmente. Espero que procurem aprimorar certos pontos da metodologia deles para o segundo turno. O que me preocupa mais é essa hipótese de não resposta, que ela seja exacerbada – não só pela percepção de parte do eleitorado de que as pesquisas são enviesadas, e isso virar uma profecia que se autorrealiza, mas também por declarações do próprio Bolsonaro, afirmando que venceu os institutos de pesquisa, tornarem esses eleitores ainda menos propensos a responder às pesquisas, o que pode aumentar o problema.

Se pesquisa não é prognóstico, para que elas servem então?

Só de entender o cenário atual do eleitorado, suas preferências, já é uma informação importante. A gente não trabalha só com previsão de futuro, mas com cenários que já aconteceram e cenários atuais.

Para além disso, se você realiza pesquisas pré-eleitorais ao longo de um tempo, como muitos institutos vêm fazendo, você consegue observar tendências ao longo do tempo. Esse talvez esse seja um dos papéis mais importante das pesquisas, que é traçar tendência retrospectiva – quem está em ascensão, quem está em declínio, até mesmo para avaliar o impacto de certos acontecimentos como os debates eleitorais e eventos durante a campanha, e como o eleitorado tem se comportado. É nisso que as pesquisas ajudam: a ter um entendimento do passado não para prever o futuro, mas para ter uma ideia do que pode ocorrer dali para a frente.

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